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Escondido nos becos escuros da indústria cinematográfica, existe um seletíssimo grupo de jovens cineastas que, mesmo com poucos trabalhos no currículo, já provaram que vieram pra fazer história. Este pequeno núcleo de diretores-roteiristas não só cria obras bacanas e originais, como consegue a proeza de não ceder ao esquemão hollywoodiano, o que é ótimo. Podemos destacar aí nomes como: Spike Jonze (Adaptação); Sofia Coppola (Encontros e Desencontros); Alexander Payne (Sideways); Darren Aronofsky (“Réquiem Para um Sonho”); Michel Gondry (Brilho Eterno); e, encabeçando o grupo, claro, o digníssimo senhor David Fincher (Clube da Luta) – figuras que não têm medo de ousar e quebrar barreiras por amor ao cinema.
Bem, não preciso dizer que este que vos fala é um dos maiores fãs deste círculo, chegando a sofrer síncopes nervosas, convulsões histéricas e ataques de ansiedade sempre que um novo projeto com algum destes nomes é divulgado. Pois é, eu sou mesmo um louco de grade, até minha mãe diz isso… 🙂
Dentre estes caras, o caso mais marcante talvez seja o de Wes Anderson. O cineasta texano responde por duas das fitas mais celebradas dos últimos anos, duas produções dramáticas disfarçadas de comédia que parecem não ter semelhança alguma. Ledo engano, visto que sua característica maior é utilizar os plots mais insanos para contar basicamente a mesma história: no excelente Rushmore, de 1998 – desculpem, mas me recuso a pronunciar o ridículo título brazuca desta fita -, vemos a disputa entre um adolescente rebelde e um milionário entediado pelo amor de uma mesma mulher. Em sua fita seguinte, o aclamado Os Excêntricos Tenenbaums, de 2001, acompanhamos a via-crúcis de um velho safado que deu o “pé na buzanfa” de sua própria família – composta de crianças-prodígio – para, depois de anos, na miséria e doente, querer reaver os filhos gênios, já adultos e fracassados. Histórias esquisitonas, contadas através de uma narrativa bastante peculiar. Ou seja: bem do jeito que eu gosto! Hehehe…
Tá, e qual é a tal semelhança entre estes filmes e o novo trabalho de Wes Anderson, o ótimo A Vida Marinha com Steve Zissou? Bem, as tramas esquisitas servem somente de pretexto para Anderson dissecar as relações interpessoais, principalmente no que diz respeito à figura paterna, o que parece ser seu tema predileto. Este elemento dá as caras nas entrelinhas em “Rushmore” e é escancarado sem pudores em “Tenenbaums”. E aqui, é o fio condutor de uma história de redenção, culpa, vingança e… criaturinhas marinhas estranhas em stop-motion. 😀
:: EU MATAREI AQUELE TUBARÃO… MESMO QUE ELE NÃO EXISTA!
E “criaturas bizarras” parecem mesmo ser o forte de Steve Zissou (Bill Murray, simplesmente magnífico), oceanógrafo e documentarista bem aos moldes do notório Jacques Cousteau. Eu disse “parecem”, pois o cara mal sabe distinguir as espécies a qual se acostumou a retratar em seus filmes; esta tarefa, assim como grade parte dos méritos dos cultuados filmes de Zissou, deve ser creditada ao verdadeiro cérebro por trás da equipe de pesquisadores do navio Belafonte, a esposa do oceanógrafo, Eleanor (Anjelica Huston). Como se não fosse o suficiente, Steve Zissou também é péssimo diretor de documentários: não é difícil perceber que suas produções são ensaiadas e romanceadas ao extremo. O que não impediu o sujeito de construir uma sólida e bem-sucedida carreira.
Quando a trama começa, o prestígio de Steve Zissou já não está tão em alta quanto antes: o documentarista, quase alcóolatra e descaradamente mulherengo, está com o casamento em frangalhos e sua carreira idem. Seu último doc, intitulado “A Vida Marinha, Parte 1”, se tornou um fracasso de público e afugentou seus investidores, além de desestimular sua equipe. E como desgraça pouca é bobagem, o Time Zissou perdeu um dos mais importantes membros da equipe, o braço-direito de Steve, nas filmagens deste fracassado documentário. Ainda assim, Steve Zissou avisa que guiará uma expedição para rodar o que pretende ser seu retorno triunfal, o épico “A Vida Marinha, Parte 2”, na qual pretende caçar e matar um gigantesco tubarão que teria supostamente devorado o parceiro do oceanógrafo. Um tubarão que pode não ser um tubarão, ou pode até mesmo não existir… Sim, o negócio é doido assim. 😀
A viagem, que já prometia não ser tão tranqüila, torna-se um caos com a chegada de dois novos tripulantes ao Belafonte: a jornalista grávida Jane Winslett-Richardson (Cate Blanchett), repórter de uma revista interessada em fazer uma matéria com o documentarista, o que pode tirar a carreira do indivíduo do vermelho; e o piloto sulista Ned Plimpton (Owen Wilson, arroz de festa nos filmes de Wes Anderson), que talvez seja filho de Zissou. Ou não. Enfim, além de driblar o orçamento apertado, rodar o filme, tentar segurar a esposa e fugir da insuportável jornalista, Steve ainda precisa aprender, de uma hora pra outra, a lidar com a idéia de ser pai, por mais que não tenha certeza da veracidade do fato. Aliás, nem o próprio Ned tem. E ainda há o tal do tubarão…
:: DAQUI A 12 ANOS, O BEBÊ TERÁ 11 ANOS E MEIO
Se você ainda não é familiarizado com o estilo de Wes Anderson, pode se preparar para encontrar um filme no mínimo estranho. Todas as “peculiaridades” do cineasta estão aqui: a montagem, os enquadramentos de cena e o visual típico das produções setentistas, além da fantástica e bizarra trilha sonora de Mark Mothersbaugh – colaborador habitual de Anderson e, na minha humilde opinião, o melhor compositor de trilha da atualidade, ao lado de Howard Shore e Jon Brion. Some a isto uma dezena de personagens bastante bizarros, como o ciumento engenheiro alemão Klaus, interpretado por Willem Dafoe; a tripulante-roteirista Anne-Marie (Robyn Cohen), sempre de topless; o descrente produtor Oseary Drakoulias (Michael Gambon); e o chefe de segurança Pelé dos Santos (Seu Jorge), brasileiro que passa os dias cantando versões nacionais das músicas de David Bowie (!!!). Pois é, como se pode ver, o lance aqui está mais doente do que nunca.
Mas como disse lá em cima, não se engane. Por trás da fachada excêntrica e da mistura do enredo, Wes Anderson nada mais faz do que contar uma história bem simples de redenção e relacionamento entre pai e filho. E o bacana é que, assim como nos outros longas do cineasta, tudo está no lugar certo. O roteiro, escrito em parceria com Noah Baumbach, é recheado de ótimos diálogos e personagens carismáticos, defendidos por atuações magníficas de todo o elenco – alguém por favor dê um Oscar ao Willem Dafoe, AGORA! Ah, e os roteiristas precisam mesmo ser muito, mas muito bons, pra inventar aquele tosquíssimo ataque pirata no meio do filme! O que poderia estragar o filme nas mãos de um diretor “nhé”, só ajuda a torná-lo mais hilário!
Ah, então “A Vida Marinha” é uma comédia? Não, principalmente depois da seqüência final, que pode pegar os desavisados de surpresa. Também não é um drama, pois rende muitos momentos engraçados. Na verdade, é uma bem-sucedida mistura de gêneros. Você pode sair da sessão com um belo de um sorrisão no rosto, assim como também pode sair totalmente arrasado(a) e querendo pôr fim à sua vida (!), no bom sentido, claro! Os trabalhos de Wes Anderson têm este diferencial: podem marcar de diferentes formas. Basta o espectador estar disposto a descobri-lo. E este “A Vida Marinha”, óbvio, não poderia ser uma exceção. Como o próprio Steve diz, em seu último diálogo, “isto é uma aventura”. E se depender desta aventura, ao menos para este que vos fala, Steve Zissou sempre estará em alta nas telonas. 🙂
:: ALGUMAS CURIOSIDADES
– As belíssimas animações das criaturas marinhas, feitas em stop-motion, foram criadas por ninguém menos que Henry Selick, diretor de O Estranho Mundo de Jack. O próprio Wes Anderson está atualmente se aventurando na direção de um longa animado com esta técnica. Saiba mais clicando aqui.
– O papel da jornalista Jane foi criado para Kate Winslet, que não pôde aceitar o papel por problemas de agenda. Antes de cair nas mãos de Cate Blanchett, atrizes como Nicole Kidman e Julianne Moore foram cogitadas e até chegaram a aceitar previamente, mas recusaram em seguida por razões não esclarecidas.
– O longa é dedicado à memória do oceanógrafo Jacques Cousteau, em quem Steve Zissou é claramente inspirado. O navio de Cousteau chamava-se Calypso, e a embarcação de Zissou chama-se Belafonte. Isto é uma brincadeira com o cantor Harry Belafonte, que ganhou fama ao interpretar as conhecidíssimas músicas cantadas no Calypso.
– O nome do personagem de Seu Jorge, Pelé dos Santos, é uma junção do nome de dois astros do futebol do passado: Pelé (não diga! Hehehe…) e Manuel Francisco dos Santos, mais conhecido como Garrincha. Todas as músicas interpretadas por Seu Jorge durante a projeção de “A Vida Marinha com Steve Zissou” são de autoria de David Bowie e adaptadas para a língua portuguesa pelo próprio Seu Jorge. Se você prestar bastante atenção, identificará clássicos como Starman e Queen Bitch. Esta última encerra o filme na voz de David Bowie mesmo, e não preciso dizer que lágrimas escorreram do meu rosto! 😀
A Vida Marinha com Steve Zissou (Título Original: The Life Aquatic with Steve Zissou) / Ano: 2004 / Produção: EUA / Direção: Wes Anderson / Roteiro: Wes Anderson e Noah Baumbach / Elenco: Bill Murray, Owen Wilson, Cate Blanchett, Anjelica Huston, Willen Dafoe, Jeff Goldblum, Michael Gambon, Bud Cort, Noah Taylor, Seu Jorge / 119 minutos.
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