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Artigo adicionado em 23/03/2005, às 02:35

WOODY ALLEN: O cinema como divã
Conheça a extensa filmografia do cineasta que não está nem aí para Hollywood! Se há uma prova de que a indústria cinematográfica americana pode e deve existir em função de seus talentos, e não o contrário – que é o que geralmente acontece -, esta prova atende pelo nome de Allen Stewart Konigsberg. Quem? Bem, […]

Por
Leandro "Zarko" Fernandes


Se há uma prova de que a indústria cinematográfica americana pode e deve existir em função de seus talentos, e não o contrário – que é o que geralmente acontece -, esta prova atende pelo nome de Allen Stewart Konigsberg. Quem? Bem, este é o verdadeiro nome de Woody Allen, diretor-ator-roteirista-músico que há 40 anos manda e desmanda em Hollywood. Quer dizer, a coisa não é bem assim: o que acontece é que Allen é talvez o único cineasta em atividade nos States que tem o poder de fazer exatamente o que quiser, com quem quiser e – o mais importante – com quanto quiser.

Duvida? E o que dizer de um cara franzino e de óculos grossos que, desde 1991, escreve e dirige de um a dois filmes por ano? Surpreendente? E saber que todos, eu digo, TODOS os roteiros que este cara escreve e dirige são originais? Eu disse. E ainda mais chocante é saber que todos os roteiros escritos por ele giram em torno de um mesmo enredo: por mais que as histórias sejam totalmente diferentes entre si, ao fundo sempre retratam homens judeus, neuróticos, fracassados profissionalmente e muito, mas muito canalhas quando o assunto é “mulher”. O local também é o mesmo: Nova York. E em todos os seus longas, sem exceção alguma, a platéia serve apenas como “terapeuta” para as milhões de neuroses dos personagem que, se você olhar bem, são um espelho do próprio Allen. E o cara só faz filme bacana, cada um mais original e diferente do que o outro! Sim, desculpe àqueles que não gostam da figura, mas Woody Allen é um gênio. Pena que muita gente não o suporta – influência de sua conturbada vida pessoal (falaremos sobre alguns destes pontos lá embaixo). E pena também que seus trabalhos não rendem metade do que mereciam.

Nascido em 1935 (mais exatamente no dia 1.º de Dezembro), Allen começou a se envolver com as artes ao escrever colunas de jornais e programas de rádio aos 15 anos de idade (!). Sua estréia no cinema se deu em 1965 quando, já um consagrado comediante dos palcos, foi convidado para roteirizar e fazer um papel secundário na comédia O Que é Que Há, Gatinha? (What’s New Pussycat?), dirigido por Clive Donner e estrelado por Peter Sellers. Em seguida, comprou os direitos de um filme B japonês chamado Kagi no Kagi, rebatizando-o com o nome What’s Up, Tiger Lily? (1966) e inserindo uma hilária e absurda dublagem. Sua estréia na direção de longas veio com o hilário Um Assaltante Bem Trapalhão (Take the Money and Run, 1969), considerado um marco na carreira do cineasta. O ano de 2005 marca vários números bacanas para Woody Allen: além de seu aniversário de 70 anos e 40 de carreira cinematográfica, seu novo longa, o ótimo Melinda e Melinda, marca seu 40.º trabalho na direção, e seu 55.º roteiro filmado!

Enfim, já que estamos num ano muito especial na vida o cineasta, nada melhor do que dar uma revisitada em sua extensa filmografia. Por isso, nós aqui d’A ARCA separamos alguns dos títulos mais significativos no currículo do homem – e olhem que separar algumas melhores entre 40 fitas é um senhor trabalho de Hércules. Pelo menos quando estamos falando de alguém como Allen, que praticamente não faz filme ruim! Pois é, confira logo abaixo a relação das melhores produções assinadas e protagonizadas por Woody Allen, na humilde opinião deste que vos fala – ou melhor, deste que vos escreve!

:: BANANAS (1971)

O primeiro grande sucesso de bilheteria de Woody Allen, Bananas (Idem, 1971), é também um de seus longas-metragens mais divertidos, e sua terceira aventura na direção – antes deste, o cineasta dirigira o já citado Um Assaltante Bem Trapalhão e o curta para a TV Men of Crisis: The Harvey Wallinger Story. Esta fita também abriu a primeira fase de Allen, composta de filmes besteirol. O enredo, uma paródia aos regimes militares, é ao mesmo tempo uma homenagem aos clássicos dos Irmãos Marx e à obra-prima do cinema mudo O Encouraçado Potemkin, de Sergei Eisenstein (???), tudo isso embalado numa série de gags hilariantes! A história? Bem, um “testador de produtos” chamado Fielding Mellish (o próprio) se apaixona pela ativista política Nancy (Louise Lasser, mulher de Allen na época). Para provar a ela que pode ser um grande líder – já que ela só se interessa por caras com senso de liderança -, o mané se manda para San Marcos, uma micro-república na América Central. Lá, se une aos rebeldes e acaba por assumir a presidência do lugar! Em Bananas, o lado paranóico de Allen ainda não domina, mas já é possível notar sinais de existência em alguns poucos momentos. Aqui, o lance é piada em cima de piada: a parte do tombo ao sair do carro é inesquecivelmente idiota! 😀

É um trabalho significativo na carreira de Woody Allen porque… o cineasta, ainda desconhecido, não teve medo de posicionar seus pontos de vista e zombar daquilo que o desagradava, como por exemplo a ditadura latino-americana. E Bananas merece entrar em qualquer lista de “grandes filmes” só pela cena do metrô, em que o magrelo Fielding enfrenta sem medo dois encrenqueiros barra-pesada… E um deles é o Sylvester Stallone!

Fala insana n.º 1 do filme:
FIELDING – “Sempre tive um relacionamento bom com meus pais. Na verdade, eles só me bateram uma vez, na minha infância inteira. Eles, bem, começaram a me bater em 23 de Dezembro de 1942 e pararam no final da Primavera de 44…”.

Fala insana n.º 2 do filme:
FIELDING – “Eu odeio meu trabalho. Onde vou parar testando produtos? Máquinas me odeiam. Eu deveria trabalhar em algo para o qual tenha um mínimo de talento, como por exemplo doar esperma para laboratórios de inseminação artificial…”.

:: TUDO O QUE VOCÊ SEMPRE QUIS SABER SOBRE SEXO (1972)

O quinto longa-metragem dirigido por Woody Allen é também um dos seus trabalhos mais conhecidos. Pelo menos do público brazuca, já que Tudo o Que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo * Mas Tinha Medo de Perguntar (Everything You Always Wanted to Know About Sex * But Were Afraid to Ask, 1972) foi exibido à exaustão nas “Sessões Coruja” da Globo – não que eu ache ruim, pelo contrário! Trata-se de uma série de pequenas e hilariantes histórias que adaptam para o cinema o célebre livro do terapeuta sexual David Reuben; adaptadas, claro, ao estilo do humorista. Alguns dos segmentos deste longa renderam momentos memoráveis no filmografia do diretor – o que não é surpreendente quando se conhece os enredos das historinhas. Olha só: a) um bobo da corte (Allen) seduz sua rainha (Lynn Redgrave) com o auxílio de um afrodisíaco, mas depois sofre para abrir seu cinto de castidade; b) um conhecido terapeuta (Gene Wilder) abandona a família para manter um relacionamento com uma… ovelha; c) um homem comum resolve colocar uma roupa de mulher e sair à rua, só pra saber qual a sensação, e acaba se metendo numa bela enrascada; e d) uma cidadezinha é atacada por um misterioso, astuto e enorme seio assassino (!). Aqui, também conhecemos o elemento que viria a se tornar uma de suas marcas registradas: a trilha sonora composta apenas de jazz, genêro preferido do cara. Obrigatório para quem quiser conhecer um pouco mais da primeira fase do diretor.

É um trabalho significativo na carreira de Woody Allen porque… é de rolar de rir, só por isso! O diretor consegue mexer em vespeiros terríveis (para os puritanos americanos) sem ser vulgar. E como se não bastasse, Allen ainda dá um jeitinho de divagar sobre o sentido da vida no último segmento, em que interpreta um espermatozóide que não quer “pular rumo ao desconhecido”!

Fala insana n.º 1 do filme:
VICTOR SHAKAPOPULIS – “Você já leu meu livro? O título é Posições Sexuais Avançadas: Como Praticar Sem Cair na Gargalhada…”.

Fala insana n.º 2 do filme:
O BOBO DA CORTE (tentando abrir o cinto de castidade da Rainha) – “Pelo amor de Deus, antes que eu consiga abrir isto aqui, o Renascimento chegará e então todos só irão querer saber de pintar coisas!”.

Fala insana n.º 3 do filme:
ESPERMATOZÓIDE – “Vocês estão loucos? Eu é que não vou pular por aquela coisa. E se ele estiver só se masturbando? Não quero morrer grudado no teto do carro!”.

:: NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA (1977)

Inaugurando a fase comédia dramática da carreira do humorista, o aclamado Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall, 1977) é tido como a obra-prima definitiva de Woody Allen. Foi o trabalho em que o cineasta provou saber transitar das gags para o humor sutil, mostrando-se não apenas um ótimo humorista mas também um talentoso diretor dramático. A fita recebeu diversos prêmios, entre eles quatro Oscar – e rendeu uma polêmica danada, quando Allen não compareceu à cerimônia para buscar suas estatuetas, preferindo tocar clarinete num barzinho com seus amigos! Este, definitivamente, conquistou meu respeito… O enredo narra os altos e baixos no relacionamento entre o brilhante humorista Alvy (Allen), que faz análise há 15 anos (!), e a cantora em início de carreira Annie Hall (Diane Keaton), cuja convivência é seriamente abalada pelas inseguranças e neuroses de Alvy. Noivo Neurótico, Noiva Nervosa representa não só o ápice da carreira de Allen, como também o ponto alto de sua relação amorosa e artística com Diane Keaton – que conheceu nas filmagens de O Dorminhoco (1973). Ah, e também serviu para lançar no cinema a nossa gloriosa tentente Ripley, Sigourney Weaver (que fez sua primeira aparição nas telonas aqui).

É um trabalho significativo na carreira de Woody Allen porque… consolidou o cineasta-ator-roteirista como um dos grandes talentos a surgir nas telas nos anos 70. E mesmo com muitos afirmando que Allen jamais conseguiria repetir o sucesso de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, ele foi lá e repetiu não só uma, mas várias vezes. Tapa na cara!

Fala insana n.º 1 do filme:
ALVY – “Minha avó nunca me deu presentes. Ela sempre estava muito ocupada sendo estuprada por cossacos…”.

Fala insana n.º 2 do filme:
ALVY – “Não fique tanto tempo debaixo do Sol. Ele faz mal. Tudo o que seus pais disseram que é bom, é ruim. Sol, leite, carne vermelha, faculdade…”.

:: MANHATTAN (1979)

Um dos trabalhos mais bacanas de Allen, Manhattan (Idem, 1979), é também um de seus mais controversos e ambiciosos exercícios de direção. A fita, totalmente rodada em preto e branco e marcando a estréia de Allen no formato Widescreen Anamórfico (2.35:1), chamou a atenção da crítica pela impressionante qualidade técnica e pela firmeza de Allen como diretor. Aqui, o cara aprimora sua mania de utilizar sempre jazz em suas trilhas (no caso, as canções de Manhattan são de autoria de George Gershwin) e fazer uso sempre do mesmo desenho de créditos de abertura e encerramento – o desenho dos créditos finais costuma ser o mesmo dos créditos de abertura, que aqui não são usados. O filme narra a rotina de Isaac Davis (Allen), quarentão que vive com uma garota de 17 anos (Mariel Hemingway, indicada ao Oscar pelo papel) que quase enlouquece quando descobre que sua ex-esposa lésbica (Meryl Streep) está prestes a publicar um livro que disseca o conturbado relacionamento passado dos dois. Pra piorar, Isaac ainda apaixona-se pela amante de seu melhor amigo (Diane Keaton). Ao fundo, a cidade de Manhattan. Curiosamente, Woody Allen declara a quem quiser ouvir que não suporta este trabalho – que é um dos preferidos de seus fãs.

É um trabalho significativo na carreira de Woody Allen porque… é o primeiro trabalho que escancara a paixão que o cineasta tem por Nova York. E sua qualidade técnica em termos de fotografia e enquadramentos de cena dão um banho em muito filminho recente por aí.

Fala insana n.º 1 do filme:
ISAAC – “Acho que deveríamos fazer como os pombos ou como os católicos: acasalar somente pela vida…”.

Fala insana n.º 2 do filme:
ISAAC – “Você acha que sou auto-suficiente? Acha que sou Deus? Ora, se fosse Deus, eu teria modelado a mim mesmo antes de modelar alguém!”.

:: ZELIG (1983)

Com este hilariante Zelig (Idem, 1983), Woody Allen se entrega pra valer a um campo que até então lhe era inédito: a meta-linguagem. O diretor imprime uma bizarra narrativa de “falso-documentário” para contar a história de Leonard Zelig (ele mesmo), um homem inseguro que, em plenos anos 20, carrega o estranho dom de imitar as características físicas e psicológicas de qualquer um que esteja a seu lado (!!!). Zelig, apelidado de “homem-camaleão”, transforma-se em celebridade nacional e se envolve com a Dra. Eudora (Mia Farrow, em seu segundo filme com o cineasta), com quem está fazendo um severo tratamento para controlar estes “poderes”. A fita, além de originalíssima, aprimorou uma técnica já desenvolvida anteriormente na comédia Cliente Morto Não Paga, de 1982: a montagem das cenas rodadas com material antigo permitiu que Allen contracenasse com personalidades já falecidas, como por exemplo o jogador de baseball Babe Ruth; para que a técnica funcionasse, foram utilizadas várias câmeras e lentes próprias da década de 20. O resultado é um longa que, mesmo não sendo um de seus melhores, é considerado o mais criativo. E tem gente que ainda acha que o conceito de Forrest Gump é original! 😛

É um trabalho significativo na carreira de Woody Allen porque… com recursos praticamente zerados e ainda levando-se em consideração que, no início dos anos 80, os efeitos especiais ainda eram uma lenda urbana, Allen realizou um trabalho esteticamente perfeito. Eu desafio qualquer um a encontrar falhas nas montagens em que Zelig contracena com personalidades mortas!

Fala insana n.º 1 do filme:
LEONARD ZELIG – “Tenho um caso interessante. Estou tratando dois pares de gêmeos siameses com dupla personalidade. Sou cobrado oito vezes mais!”

:: A ROSA PÚRPURA DO CAIRO (1985)

O conceito da meta-linguagem é levado aqui às últimas conseqüências, e de quebra ainda rende um dos melhores filmes de Allen – pelo menos, na opinião deste que vos fala. E também na opinião do próprio Allen, que já declarou ser este o seu predileto de todos os longas que já fez. A Rosa Púrpura do Cairo (The Purple Rose of Cairo, 1985), inspirado levemente em O Abismo de um Sonho (1953), de Federico Fellini, deixa as piadas de lado e centra sua atenção num ensaio bem dramático sobre a Depressão dos anos 30. Nesta época, a garçonete Cecilia (Farrow) encontra no cinema a válvula de escape para os problemas financeiros e de convivência com o marido Monk (Danny Aiello), desempregado, alcóolatra e violento. Não há uma noite em que ela não esteja no cinema. Um dia, ao assistir pela quinta vez o filme A Rosa Púrpura do Cairo, o personagem principal do filme, Tom Baxter (Jeff Daniels), sai da tela e se declara apaixonado por ela!!! A crítica considera este um dos trabalhos mais sensíveis de Allen, um trunfo em termos de roteiro – premiado em mais de seis festivais internacionais – e o ápice da carreira de Mia Farrow como atriz. E aquele final é de cortar o coração de qualquer um… Saia inteiro se for capaz! 😀

É um trabalho significativo na carreira de Woody Allen porque… é tanto um drama desconcertante sobre o período negro da Depressão americana quanto uma homenagem delicada ao cinema dos anos 30. Obrigatório para qualquer fã de cinema que se preze. E o cineasta ainda aproveitou para questionar suas rotineiras dúvidas acerca da existência da humanidade…

Fala insana n.º 1 do filme:
TOM BAXTER – “O quê? Vocês realmente fazem amor? Céus, lá na tela a gente só troca um beijo e depois é tudo fade out!”.

Diálogo antológico n.º 1 do filme:
(Tom Baxter e Cecilia conversam num parque)
TOM – “Bem, se eu quiser ficar aqui no mundo real, preciso arrumar um emprego”.
CECILIA – “Não é tão fácil assim. Estamos atravessando um período de crise. O país inteiro sofre com a falta de trabalho”.
TOM – “Então viveremos de amor. Teremos que fazer algumas concessões, mas tudo bem. O importante é termos um ao outro”.
CECILIA – “Bah, isto é papo de filme”.

Diálogo antológico n.º 2 do filme:
(Os personagens do filme conversam com a platéia do cinema enquanto esperam Tom Baxter voltar)
JASON (personagem) – “Mas o que este pessoal ainda faz aqui no cinema? Não vêem que não podemos continuar o filme sem o Baxter?”.
HOMEM NA PLATÉIA – “Oh, não ligamos de ficar aqui, olhando”.
MULHER NA PLATÉIA – “Isto mesmo. É a profissão do meu marido: ele estuda a personalidade humana”.
RITA (personagem) – “Está perdendo seu tempo, senhor. Não somos humanos”.
MULHER NA PLATÉIA – “Tudo bem. Ele tem problemas com humanos…”.

:: A OUTRA (1988)

Terceiro exercício dramático e controverso na carreira de Woody Allen, A Outra (Another Woman, 1988) encerra um ciclo de dramas intimistas iniciado com o fraco Interiores (1978) e o interessante Setembro (1987). Este “capítulo final”, mesmo não tendo agradado uma parte da crítica – que o acusou de ser teatral demais -, mostra como o cara, além de ser mestre na comédia e no drama, também é um excelente construtor de personagens: a escritora e intelectual Marion (Gena Rowlands, perfeita) aluga um apartamento em Nova York, com a finalidade de trabalhar no seu novo livro em paz. Marion é razoavelmente feliz no casamento, por mais que o sexo não exista há um bom tempo. A vida da escritora vira de ponta-cabeça quando ela passa a escutar as conversas do apartamento vizinho: um psicanalista e sua cliente (Mia Farrow), uma jovem grávida e perturbada. Estas conversas despertam em Marion todos os seus medos, dúvidas e inseguranças; elementos típicos do universo de Allen. Mesmo com algumas poucas críticas negativas, os veículos especializados não pensam duas vezes em comprar a profundidade emocional dos personagens de A Outra com a película mais notória do cara, Noivo Neurótico, Noiva Nervosa.

É um trabalho significativo na carreira de Woody Allen porque… nota-se aqui como o diretor é cuidadoso com cada um de seus personagens enquanto roteirista. E como diretor, consegue transmitir este cuidado a cada um de seus atores, de modo que eles possam entregar grandes atuações. Não á toa, geralmente seus atores concorrem ao Oscar (e ganham)!

Fala insana n.º 1 do filme:
MARION – “Eu gostaria muito de saber se uma memória é algo que temos ou algo que perdemos”.

:: MARIDOS E ESPOSAS (1992)

Este é um caso sério. Maridos e Esposas (Husbands and Wives, 1992) é ultrapolêmico por uma única razão: a fita foi realizada e lançada comercialmente durante o explosivo escândalo envolvendo o casal Allen-Farrow e seus filhos adotivos, em especial a jovem coreana Soon-Yi Previn, com quem o diretor estava envolvido amorosamente – e casado até hoje. Assistindo à fita, vê-se como há muita semelhança entre a vida pessoal do cara e esta história em que um casal aparentemente feliz, Gabe e Judy Roth (ele e Farrow) se autodestrói depois que um outro casal amigo (Sydney Pollack e a ótima Judy Davis, aqui em seu melhor momento no cinema) anuncia sua separação. O primeiro casal entra em crise: Gabe, um professor, se envolve com uma de suas alunas (Juliette Lewis), enquanto Judy arrasta as asas para o lado de um colega de trabalho (Liam Neeson). A crítica o clama como “o último drama realmente bom de Woody Allen”. E deve ser mesmo, até porque, depois desta produção e a confusão toda com relação ao processo de separação, Allen declarou que só se dedicaria a comédias. Com isto, a fase de dramas existencialistas está encerrada. E com chave de ouro!

É um trabalho significativo na carreira de Woody Allen porque… ele é um pusta dum diretor de atores. E porque Allen sabe como alfinetar as pessoas com classe: os mais descolados encontrarão no roteiro de Maridos e Esposas não só prenúncios da separação que estava por vir, mas também muitas críticas de Allen às supostas falhas de Mia Farrow. Roupa suja se lava no cinema, meu!

Fala insana n.º 1 do filme:
GABE – “Sabe, eu tenho uma propensão a me envolver com o que eu chamo de mulher kamikaze. Chamo-as assim, pois elas são auto-destrutivas. Elas batem em algum lugar e morrem. O problema é que elas teimam em bater em você, e então você se ferra junto!”.

:: PODEROSA AFRODITE (1995)

Depois da fase dos dramas pesados, Woody Allen se entregou por completo às comédias rasgadas. Esta opção, segundo o próprio diretor, funcionou como uma terapia intensiva que só o deixou mais feliz. Não à toa, alguns dos trabalhos mais estúpidos (no bom sentido!) dele estão aqui. Nesta nova fase, em que o diretor está visivelmente mais preocupado com a diversão da platéia do que em exorcizar fantasmas pessoais, destaca-se o maravilhoso Poderosa Afrodite (Mighty Aphrodite, 1995), que se sobressai justamente pelo absurdo do enredo. Dêem só uma olhada: o cronista esportivo Lenny (Allen) e sua esposa Amanda (Helena Bonham Carter) adotam uma criança, pois ela não quer engravidar e ficar com o corpo fora de forma (!); quando Max, a criança, cresce e apresenta sinais de Q.I. altíssimo, Lenny fica intrigado em descobrir quem é, afinal, a mãe biológica do garoto. Depois de uma crise no casamento, o cara decide procurá-la. E eis que ele dá de cara com a ingênua e burra atriz pornô e prostituta Linda Ash (Mira Sorvino)! Como se não bastasse, um coro vindo direto da Grécia Antiga narra o longa-metragem… Hilário, mas também irônico: em certo momento, Linda Ash diz a Lenny: “Você é casado. Sei porque você tem cara de quem não sabe há muito tempo o que é sexo oral!”. Hmm, isso devia ser mesmo um problema sério entre Allen e Mia Farrow… 😛

É um trabalho significativo na carreira de Woody Allen porque… traz excelentes atuações de todo o elenco, em particular da ótima Mira Sorvino (que ganhou o Oscar pelo papel), e nos faz recordar de como é bom assistir a um Woody Allen totalmente descompromissado.

Fala insana n.º 1 do filme:
KEVIN, o namorado burro de Linda Ash – “Não me provoque! Já entrei em 16 brigas e ganhei todas elas, menos 12!”.

Fala insana n.º 2 do filme:
CASSANDRA, integrante do Coro Grego – “Eu vejo tragédias! Eu vejo desastres! Pior: eu vejo advogados!”.

Diálogo antológico n.º 1 do filme:
(O Coro Grego narra a história)
O CORO (referindo-se a Èdipo) – “Vejam! Aqui está um homem que matou o próprio pai e dormiu com a própria mãe!”.
JOCASTA, MÃE DE ÉDIPO – “Nossa, nem vou contar como chamam meu filho lá no Harlem…”.

:: DESCONSTRUINDO HARRY (1997)

O melhor trabalho de Allen nesta nova fase de comédias é este Desconstruindo Harry (Deconstructing Harry, 1997), que ficou inédito por dois longos anos nos nossos cinemas. Uma prova de seu prestigiado status em Hollywood está aqui: Allen reuniu, por cachês baratíssimos, um elenco formado por Kirstie Alley, Robin Williams, Billy Crystal, Tobey Maguire, Demi Moore, Elisabeth Shue, entre outros. E tudo isso pra contar a história que, na minha opinião, é a mais engraçada de todas as que já contou: Harry Block (Allen) é um escritor que enfrenta uma crise criativa. Além disso, Block está metido numa série de confusões, já que seus livros de sucesso são apenas versões de fatos ocorridos na sua própria vida pessoal – e os envolvidos, geralmente humilhados nas obras, não andam nada contentes com isso… Dentre os personagens antológicos deste filme, há o ator de TV que ficou literalmente “embaçado”; o homem que casou com uma judia que rezava antes mesmo de fazer sexo oral; o jovem que resolve se passar por um amigo para dormir com uma garota – e recebe a visita da Morte em pessoa, interessada em levar este amigo; e por aí vai. Obrigatório, nem que seja apenas para conferir a seqüência da briga entre Allen e Kirstie Alley, uma cena que já entrou para a história! E qualquer filme que apresente o Diabo interpretado pelo Billy Crystal já vale meu ingresso… 😀

É um trabalho significativo na carreira de Woody Allen porque… ele demonstra um talento nato em zombar até de si mesmo. E aproveita para exorcizar todos os seus fantasmas de uma vez por todas. E está mais desbocado do que nunca. E ao final, entrega que, em sua vida pessoal, é um ser absolutamente solitário, que só pode contar com seus filmes como amigos. Bem, pelo menos nos fez rir enquanto isso.

Fala insana n.º 1 do filme:
O DIABO – “Sim, nós temos ar-condicionado no inferno. A camada de ozônio que se dane! Entre o ar-condicionado e o Papa, eu ainda prefiro o ar-condicionado…”.

Fala insana n.º 2 do filme:
HARRY BLOCK (para seu cunhado) – “Meu Deus, você é exatamente o oposto de um paranóico. Você ainda acredita que as pessoas realmente gostam de você…”.

Fala insana n.º 3 do filme:
COOKIE, a prostituta – “Se eu sei o que é um buraco negro? Claro que sei, é exatamente como ganho a vida!”.

:: TRAPACEIROS (2000)

Trapaceiros (Small Time Crooks, 2000) é a fita que completa esta nossa gloriosa listinha dos “mais recomendados” da filmografia de Woody Allen. Aqui, não tem nada de discussões profundas, nem de auto-análise, nem de personagens complexos: só comédia. Também, olhem só a história: Um grupo de ladrões liderados por Allen aluga uma sala comercial ao lado de um banco e transforma a sala numa loja de biscoitos. O plano dos ladrões é, do porão da loja, cavar um buraco cujo destino é o cofre do banco. Para isto, o líder do bando põe sua esposa (a hilária Tracey Ullman) para confeccionar e vender os biscoitos, enquanto eles cavam lá embaixo. Entretanto, antes que os manés possam concluir o serviço, ela enriquece de tanto vender bolachas! Simples, não? Trapaceiros é o primeiro longa do contrato que Woody Allen assinou com ninguém menos que Steven Spielberg, para facilitar a distribuição de seus longas em terras estrangeiras através da DreamWorks – já que seu público é praticamente estrangeiro. Sim, os americanos dão um gelo no cara depois do lance da Soon-Yi. O que definitivamente não dá pra entender. Bem, até dá; afinal, eles fazem o sucesso de filmes do Martin Lawrence e dos Irmãos Wayans

É um trabalho significativo na carreira de Woody Allen porque… é uma prova viva de que as idéias e os diálogos absurdos que brotam da cabeça de Allen não têm limites!

Diálogo antológico n.º 1 do filme:
(Ray e Benny conversando)
RAY – “Claro que o plano dará certo! Não lembra como costumavam me chamar na prisão? Me chamavam de ‘O Cérebro’!”.
BENNY – “Pelo amor de Deus, isso era sarcástico!”.

Pois bem! Estes são os nossos selecionados. Sim, faltam muitos e muitos longas para colocar aqui, mas acho que escolhemos a nata mesmo. Enfim, pra falar a real, é impossível escolher os melhores de Woody Allen sem deixar passar um ou outro. Por isso, dêem uma olhadinha na filmografia completa do indivíduo logo abaixo. E parabéns ao senhor Woody Allen pela excelente filmografia! Se bem que eu não gostaria de estar no lugar dele: esse cara não deve nem dormir à noite, de tanta neurose…

:: FILMOGRAFIA COMPLETA (resumo por década)

1965: O Que é Que Há, Gatinha? (ator, roteiro) :: 1966: What’s Up, Tiger Lily? (direção, roteiro) :: 1967: Casino Royale (ator, roteiro), Don’t raise the Bridge Lower the River (ator) :: 1969: Um Assaltante Bem Trapalhão (direção, roteiro, ator), Don’t Drink the Water (roteiro) :: 1970: Hot Dog (ator)

1971: Bananas (direção, roteiro, ator), Men of Crisis: The Harvey Wallinger Story (direção, roteiro, ator) :: 1972: Sonhos de um Sedutor (ator, roteiro), Tudo o Que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo (direção, roteiro, ator) :: 1973: O Dorminhoco (direção, roteiro, ator) :: 1975: A Última Noite de Boris Grushenko (direção, roteiro, ator) :: 1976: The Front (ator) :: 1977: Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (direção, roteiro, ator) :: 1978: Interiores (direção, roteiro) :: 1979: Manhattan (direção, roteiro, ator) :: 1980: Memórias (direção, roteiro, ator)

1982: Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão (direção, roteiro, ator) :: 1983: Zelig (direção, roteiro, ator) :: 1984: Broadway Danny Rose (direção, roteiro, ator) :: 1985: A Rosa Púrpura do Cairo (direção, roteiro) :: 1986: Meeting WA (roteiro), Hannah e Suas Irmãs (direção, roteiro, ator) :: 1987: A Era do Rádio (direção, roteiro, ator), Setembro (direção, roteiro), Rei Lear (ator) :: 1988: A Outra (direção, roteiro), Somebody or The Rise and Fall of Philosophy (roteiro) :: 1989: Contos de Nova York #3: Édipo Arrasado (direção, roteiro, ator), Crimes e Pecados (direção, roteiro, ator) :: 1990: Simplesmente Alice (direção, roteiro)

1991: Cenas em um Shopping (ator) :: 1992: Neblina e Sombras (direção, roteiro, ator), Maridos e Esposas (direção, roteiro, ator) :: 1993: Um Misterioso Assassinato em Manhattan (direção, roteiro, ator) :: 1994: Tiros na Broadway (direção, roteiro) :: 1995: Poderosa Afrodite (direção, roteiro, ator), The Sunshine Boys (ator) :: 1996: Todos Dizem Eu Te Amo (direção, roteiro, ator) :: 1997: Count Mercury Goes To The Suburbs (roteiro), Desconstruindo Harry (direção, roteiro, ator) :: 1998: Celebridade (direção, roteiro), Os Impostores (ator), FormiguinhaZ (ator) :: 1999: Poucas e Boas (direção, roteiro) :: 2000: Trapaceiros (direção, roteiro), Company Men (ator), Picking Up The Pieces (ator)

2001: O Escorpião de Jade (direção, roteiro, ator), Sounds from a Town I Love (direção, roteiro) :: 2002: Dirigindo no Escuro (direção, roteiro, ator) :: 2003: Igual a Tudo na Vida (direção, roteiro, ator) :: 2004: Melinda e Melinda (direção, roteiro) :: 2005: Match Point (direção, roteiro, ator), Why men Shouldn’t Marry (ator).


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