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Quando você assiste a um filme como este O Amigo Oculto (Hide and Seek, 2005), você chega a várias conclusões: 1) O M. Night Shyamalan provavelmente está ganhando um dinheirinho extra dando aulas de “como escrever roteiros descartáveis para longas-metragens de suspense”; 2) a menina Dakota Fanning caminha a passos largos para se tornar uma grande atriz no futuro; e 3) Robert DeNiro precisa, com muita urgência, trocar de agente. O ator não entrega um grande trabalho desde 1998, quando estrelou o maravilhoso Ronin. Só um péssimo agente mesmo pra justificar sua presença aqui nesta joça.
Mas espere um pouco: esta película dirigida por John Polson (“Fixação”… sentiu o drama?) é de fato tão ruim assim como andam anunciando? Bem, em partes. No saldo geral, é apenas regular. Você não sai da sessão dizendo maravilhas dele, mas também não foi dominado por aquela vontade de pular de um prédio alto em direção à morte certa. Só que a grande expectativa da platéia acaba transformando-o num lixo. Talvez a culpa desta expectativa seja do marketing feito em cima do trabalho: para quem não sabe, a 20th Century Fox divulgou à exaustão que “O Amigo Oculto” traz um surpreendente “final-surpresa” (bem, qual filme hoje em dia não tem?) e chegou inclusive ao cúmulo de distribuir suas cópias nos cinemas dos States com a ausência do último rolo (leia mais aqui), justamente aquele que contém o final – entregue separadamente para evitar spoilers e falsificadores. Isto justifica-se? Não. Porque o final de “O Amigo Oculto” é o troço mais constrangedor que já apareceu no cinema desde aquela conclusão de A.I., do titio Spielberg. Mas quem sabe o incômodo fosse menor se ninguém o exaltasse sem saber, né?
Tá, antes de qualquer coisa, aqui vai um apanhado geral da história: o psicólogo David Callaway (DeNiro) resolve sair da cidade grande e se mudar com a filha pequena Emily (Fanning) para uma “casinha no campo”, depois que ambos presenciam o violento suicídio de Alison (Amy Irving), esposa de David e mãe de Emily. O primeiro erro já começa por aí: qualquer um sabe que, quando uma criança traumatiza-se com algo, a última coisa que se deve fazer é afastá-la de tudo e isolá-la do mundo – isso porque David é psicologo, vai vendo bem.
Enfim, a decisão de David é irreversível, mesmo com a reação negativa de sua melhor amiga, a também psiquiatra Katherine (Famke Janssen… ai, ai, ai…) – que defende a teoria de que Emily deve enfrentar o trauma em seu “habitat natural”, digamos assim. O cara encontra então uma casa fantasmagórica no meio do nada e se muda pra lá. O problema é que a menina, a esta altura já com a maior cara de morta-viva, passa a apresentar um comportamento muito estranho. Ok, e o pai, que é psicólogo, acha normal a menina andar como um zumbi e cair moribunda pelos cantos, comportamento que se desenvolveu depois da mudança? Fora que as oscilações das atitudes de Emily sugerem coisas que não tem nada a ver – cortesia do “ótimo” tratamento que o roteiro dá a personagem, mas disso falamos daqui a pouco.
Ok, continuando: em certo momento, Emily conta ao pai que fez amizade com um tal Charlie. Este Charlie, na verdade, é um amigo imaginário. Ou “amigo oculto”, como diz o cartaz. A princípio, Charlie parece ser inofensivo e a menina apresenta até uma leve melhora (bem, pelo menos ela abre a boca a partir daí). Então David nem liga e se preocupa mais em fazer amizade com a vizinha totosa Elizabeth (Elisabeth Shue… ai, ai, ai…). O problema é que as “brincadeiras” de Charlie passam a tomar outro rumo… O tal “amigo imaginário” pode vir a ser real. Ou não.
Sinopse estimulante? É sim. Daria um belo dum filme de suspense. Só que inventaram de dar esta linha de enredo para ser desenvolvida pelo péssimo Ari Schlossberg – roteirista de “Lucky 13”, película até elogiadinha nos States (o que não pode, de jeito nenhum, ser levado em consideração). O roteirista Schlossberg não constrói personagens dignos, é lotado de erros de concordância, deixa um rastro de zilhões de furos no enredo e ainda gera “frases de efeito” bem risíveis. Putz, o que foi aquilo que a coitada da Famke Janssen foi obrigada a dizer na cena da caverna? 😛 Uma pena que não posso comentar alguns dos erros, pois isto implicaria na entrega de um spoiler violento: o final do filme.
O que nos leva a outro fator preocupante: O TAL DO FINAL DO FILME. Sim: hoje em dia, qualquer filmeco tem um final-surpresa. Poucos são realmente assustadores e dignos de nota (como os clássicos “Seven” e “Clube da Luta”), e a maioria você adivinha logo nas primeiras cenas (como A Vila e Os Esquecidos). Incrível como o estilo do indiano M. Night Shyamalan é copiado por Deus e o mundo hoje em dia. Bem, “O Amigo Oculto” também tem seu final-surpresa que, de certa forma, é até difícil de se adivinhar. Só que, quando finalmente acontece, você não diz: “Caramba, então era isso?” – sua reação provavelmente será: “Putz, que ridículo”. Só pra se ter uma idéia, o lance é tão ruim que, quando você recapitula as cenas mais importantes, percebe que a situação revelada no final contradiz quase o roteiro inteiro!!! E só um comentário: o “estilo Shyamalan” que citei acima, na verdade, nem é do próprio Shyamalan, já que o fator “final surpresa” já existia no cinema desde os anos 20.
O que dói mais é saber que o trabalho conta com nomes bem legais: Famke Janssen (como todos sabem, a Jean Grey da franquia cinematográfica dos X-Men) é boa atriz, além de linda; Elisabeth Shue (de “O Homem sem Sombra”) também já cansou de provar que tem talento, como no dilacerante “Despedida em Las Vegas”; Dakota Fanning, intérpreta da menina Emily e estrela de A Guerra dos Mundos, em breve nas telonas, é considerada o maior nome infantil no cinema atualmente, superando até o meio-sumido Haley Joel Osment (que deu vida ao promissor moleque perturbado de “O Sexto Sentido”); e Robert DeNiro dispensa apresentações, mesmo passando por uma má fase – alguém aí já assistiu “O Enviado”? Pois é. Bons nomes, que infelizmente não conseguem salvar o barco.
Mesmo com todos estes pontos contra, “O Amigo Oculto” ainda é uma fita que, se o espectador não criar nenhuma expectativa, torna-se assistível. Primeiro, porque o clima que o diretor John Polson criou funciona bem – pelo menos até os 20 minutos finais, o momento em que tudo desaba. Segundo, porque Robert DeNiro é sempre um grande ator, não importa o que faça – por mais que visivelmente não se esforce muito e mostre que só quer mesmo pagar suas contas. E terceiro, porque Dakota Fanning faz um trabalho que muito ator ou atriz maduro jamais conseguiria fazer – por mais que já estejamos de saco cheio das “crianças malvadas com cara de loucas” que infestam o cinema de suspense de hoje.
Resumindo: quer assistir, vai fundo. Mas depois não diga que eu não avisei! Sinceramente, para assistir ótimas histórias envolvendo “amigos ocultos”, prefiro ficar em casa vendo o fabuloso desenho da Mansão Foster para Amigos Imaginários, que estreou há pouco no Cartoon Network. Ei, aquele animado é, como diria o El Cid, “maior bom”! 😛
:: ALGUMAS CURIOSIDADES
– A atriz Amy Irving, que interpreta a esposa suicida de Robert DeNiro, já foi casada com Steven Spielberg durante quatro anos (de 1985 a 1989) e atualmente é mulher do cineasta brazuca Bruno Barreto. Ela debutou no cinema no clássico do terror “Carrie, a Estranha”, e desde então já participou de mais de 40 filmes.
– Ainda sobre Amy Irving, é ela a voz da curvilínea Jessica Rabbit nas músicas interpretadas pela personagem em “Uma Cilada para Roger Rabbit” (1988), de Robert Zemeckis. A dubladora desta mesma personagem nos diálogos é Kathleen Turner.
– A 20th Century Fox, além de montar todo o esquema de distribuir “O Amigo Oculto” sem o último rolo, também jogou cópias com um final alternativo em salas de exibição pré-selecionadas nos States. Sua idéia, com isto, é fazer com que o espectador assista a fita diversas vezes, na tentativa de descobrir este “outro final”. Espertos, não? Eu espero o lançamento em DVD. 😀
O AMIGO OCULTO (Hide And Seek) :: EUA :: 2005
direção de John Polson :: roteiro de Ari Schlossberg :: com Robert DeNiro, Dakota Fanning, Famke Janssen, Elisabeth Shue, Dylan Baker, Amy Irving :: distribuição 20th Century Fox :: 101 minutos.
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