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A Fran Briggs ingressou recentemente no mundo dos quadrinhos, argumentos, balões e onomatopéias, como roteirista de alguns números de Holy Avenger. Ao lado da Petra Leão, escreveu especiais para essa mesma revista e assinou a Dado Selvagem. Em dezembro passado, seu mais novo projeto chegou nas bancas: a minissérie em três partes, Mercenário$. Conheça mais sobre essa moça, que ainda vai dar o que falar nas bancas nos próximos anos.
A ARCA: Oi Fran! Vamos começar como numa sessão psiquiátrica: Quem você é, daonde veio e para onde vai?
FRAN BRIGGS: Bão… eu sou uma garota baixinha que usa óculos, mais produtiva durante a noite que de dia e uma viciada compulsiva em koalinhas (ursinhos) de chocolate importados do Japão que são vendidos no bairro da Liberdade.
Nasci em São Paulo (Capital), mas me mudei para o Rio de Janeiro há quase dois anos por motivos matrimoniais [como devem ter imaginado, a moça é casada com o dublador Guilherme Briggs]. 🙂 Para onde vou ainda não sei, acho que esse é o tipo de viagem que só o tempo sabe o destino.
AA: Você trabalhou como roteirista em alguns especiais da Holy Avenger, e agora seu mais novo trabalho saiu nas bancas: a revista Mercenário$, que tem o roteiro assinado por você e pela Petra Leão. Você sempre pensou em ser roteirista? Como foi que surgiu a oportunidade?
FB: Pois é, eu sou a autora de Holy Avenger edição 41 e 42 e em parceria com a Petra fizemos os dois especiais de Holy (00 e 02). Fui colaboradora de Victory II e co-roteirista de Dado Selvagem (aliás, não me perguntem o paradeiro dessa!)…
Na verdade eu nunca pensei em ser roteirista, aliás acho que não conhecia essa palavra quando comecei a escrever/desenhar minhas primeiras estorinhas nas folhas finais dos cadernos de colégio, mas com certeza já tinha uma criatividade meio estranha, minhas protagonistas sempre morriam da forma mais horrível e dolorosa possível. SEMPRE! Minha irmã mais velha odiava meus finais. ^^
Com o tempo passei a escrever as estórias de forma corrida a mão mesmo, comprava cadernos espirais de duzentas folhas e mandava bala. Passava tardes inteiras escrevendo e fazia apenas uns rabiscos pra definir os personagens e imaginá-los na cena que vinha na minha cabeça. Foi assim que me dediquei mais à escrita que ao desenho, era bem mais fácil e rápido pra mim imaginar uma cena e descrevê-la do que ilustrá-la.
A primeira oportunidade surgiu quando vi Holy Avenger 1 na banca e após conversar com a Petra tivemos a idéia de visitar a editora, lá conversamos com o editor Marcelo Cassaro sobre nossas estórias e ele pediu que escrevêssemos uma de quatro páginas para a Dragão Brasil (que aliás, nunca foi terminada). Logo depois surgiu a falecida Defensores de Tóquio, para a qual ele pediu doze páginas de uma HQ de Victory e outra de Holy Avenger – essa ultima se tornaria O Especial 00 de HA.
AA: Como foi trabalhar na Holy Avenger? Você tem alguma notícia do andamento do desenho animado?
FB: Foi divertido. Imaginávamos primeiro um monte de coisas non-senses e desse monte de besteira iam saindo as idéias aproveitáveis. Mas devo confessar que para mim, o especial mais divertido foi o 00, já que o 02 (da Niele) estávamos lidando com a menina dos olhos do criador, então era meio complicado, sempre ficava aquela travinha tensa do que podia ou não se fazer com ela… No fim foi esse que nos agradou mais a arte, e a Denise [Akemi, desenhista] ainda incrementou com umas piadinhas visuais excelentes!
Sobre a animação de HA eu não tenho notícia alguma… Acontece que, às vezes, as pessoas, por saberem que faço alguns trabalhos para a editora, podem achar que estou envolvida em todos os projetos (assim como a Petra) e não é assim. Nós fazemos apenas uma das muitas coisas que são lançadas relacionadas à Tormenta, como é o caso da animação. Não faço parte da equipe que cuida do roteiro, então o pouco que fico sabendo é quando converso com o editor Marcelo Cassaro sobre os assuntos relacionados ao meu trabalho e ele conta alguma novidade.
AA: Você manda bem nos roteiros, mas desenha também. Sei que você até fez um curso, mas desistiu na metade, porque já tinha desenvolvido um estilo próprio. Por enquanto seus quadrinhos são ilustrados por outras pessoas, mas se pintar ocasião, você segue o caminho como desenhista também, ou prefere deixar isso só como hobby?
FB: Eu desenho… pouco. Na verdade há uns anos atrás antes de escrever para a editora, eu queria mesmo é fazer as duas coisas, mas meu traço não combina muito com alguns dos meus roteiros, então prefiro deixar isso pra quem faz direito. O que é uma pena, porque infelizmente algumas pessoas acham que uma revista, pra ser boa, tem que ser bem desenhada e ponto: acabam não dando valor ao conjunto da obra. O desenho é o que vai chamar a atenção primeiro, mas o roteiro é que fará com que as pessoas continuem comprando ou não. Acho que se eu fosse desenhista, algumas pessoas reconheceriam mais meu trabalho…
É verdade, freqüentei um pseudo-curso sim, só que o motivo de minha saída foi porque eles não respeitavam o que eu já havia desenvolvido e queriam que eu trabalhasse à maneira deles. Por exemplo, eu já havia desenvolvido meu desenho de perfil dos personagens e por insistência da professora do curso para que eu fizesse seguindo a apostila que ela usava, acabei ficando com meu estilo de perfil totalmente diferente e prejudicado. Depois dessas aulas não voltei mais… e pra piorar, era longe pra chuchu da minha casa (quase duas horas pra chegar) e parecia que a professora estava sempre de mal humor… eca!
Hoje em dia desenho apenas algumas de minhas estórias para fanzines e os “model sheets” dos meus personagens. O desenho acabou ficando mais como um hobby mesmo…
É aquela coisa, pra que mexer em time que tá ganhando? Com pessoas tão talentosas como Erica Awano, Cláudia Medeiros, Denise Akemi e Edu Francisco, pra que vou me meter à besta de estragar a coisa toda? Eu não!!
AA: Como você e a Petra trabalham em um roteiro, já que você está no Rio, e ela em São Paulo?
FB: Internet, minha gente. Nós sempre marcamos um horário durante a noite e conectadas criamos tudo pelo Messenger (taí, o Messenger poderia patrocinar Mercenário$, que tal?). Depois juntamos a coisa toda, fazemos uma revisão e enviamos para a editora.
AA: E como funciona esse processo de escrever em dupla? Vocês buscam um consenso nas idéias, conseguem dar liberdade criativa para as duas? Fale um pouco sobre como funciona esse processo de elaboração.
FB: Trabalhamos bem juntas. Sempre que criamos uma situação ou uma piada buscamos a opinião da outra. Claro que às vezes há opiniões contrárias sobre o que se deve ou não, já que cada uma tem a sua forma de criar e pensar sobre o argumento e personagens; mas nada que uma conversa não resolva.
O roteiro começa sempre com o argumento principal, com coisas do tipo: O que acontecerá, o motivo, a solução do problema e o final. Depois vamos trabalhando o meio disso tudo, os detalhes da trama e as falas e reações dos personagens. Acho que nunca aconteceu de termos a estória toda pronta na cabeça… acontece às vezes da gente começar a escrever sem ter idéia alguma do que fazer, mas depois de meia hora de conversa, a imaginação começa a funcionar. Por vezes precisamos parar, respirar, olhar pra cima e continuar (se não houver tempo para um descanso). Nem sempre podemos esperar a tal inspiração vir. Como diria Alan Moore: “Quando se tem contas pra pagar, filhos pra sustentar e uma casa pra manter, a gente não tem tempo para pensar em inspiração.” Até porque você pode passar horas bolando uma baita trama cheia de intrigas e desafios e na hora de passar para as trinta páginas de uma edição especial, não vai caber. Ou o editor acaba tendo que fazer cortes e ajustes necessários.
AA: Como nasceu a idéia dos Mercenário$?
FB: Na verdade foi de uma forma estranha. Acho que a primeira conversa sobre o projeto surgiu quando eu e a Petra decidimos criar personagens para protagonizar talvez um futuro fanzine de HA. Passados alguns dias, enviamos cartas para a editora assinando com o nome de Domenik Windslasher e Puck A Insana. Sempre pensávamos em tramas e aventuras para os dois, mas nunca chegamos a desenvolver algo além. Logo após surgiram Max e Shen para completar o grupo oficial, e a oportunidade de utilizar Domi e Puck no Especial 00.
Após o lançamento desse, resolvemos criar um site de Mercenário$, entre outras coisas, com uma série protagonizada por eles… mas a desenhista que trabalharia nas HQs não pôde continuar, e mais uma vez Mercenário$ ficou de lado (apesar de trabalharmos idéias para o roteiro, não tínhamos como leva-las a público).
Em meados de julho de 2003, estávamos aqui em casa conversando com o Marcelo Cassaro e então ele nos pediu para escrever a minissérie.
Ok, esse foi um resumo muito rápido do processo, mas secando aqui e ali e cortando as rebarbas, foi quase isso! ^^
AA: E o futuro da revista?
FB: A Deus pertence!
AA: Você só está se dedicando à revista ou está fazendo algo mais?
FB: Eu gostaria de poder me dedicar só a Mercenário$, mas infelizmente não adianta trabalhar em um só projeto enquanto ele não passa de uma minissérie em três partes. Eu tenho uma necessidade enorme de criar, gosto de escrever vários roteiros ao mesmo tempo, abrangendo assuntos diversos… Então enquanto escrevemos o terceiro capítulo e criamos o site dedicado a Mercenário$ (que espero continue além dessa mini), continuo cuidando de minhas outras estórias e projetos.
AA: Você, pelo jeito, está fazendo o que gosta. Deve ser muito bom ver seu nome estampado numa revista nas bancas. Até agora, com sua experiência, você acha que vale a pena trabalhar com quadrinhos no Brasil? Quais são os prós e os contras disso?
FB: Hehehe… Ainda não vi meu nome estampado na capa de uma revista na banca, só na contra capa ^^().
Posso dizer que estou fazendo o que gosto, mas gostaria de criar mais e da forma como eu vejo que agradaria mais os leitores, mas quando se trabalha numa empresa, você tem de se submeter às regras dela, nada mais comum. Acredito que a melhor forma de me realizar seria por meio de uma criação independente, o que infelizmente não quer dizer comida na mesa, já que com trabalhos assim é mais difícil manter um lucro para o projeto continuar. Porém, já é um grande ganho para quem começou do nada poder escrever uma mini como Mercenário$, com personagens de criação própria. Mas se tem uma coisa que me deixa muito chateada, é que a cada dia vejo que trabalhar com HQ no Brasil não vale tanto à pena. Já que o nosso povo tem o péssimo hábito de acreditar que o que vem de fora é melhor, que o melhor julgamento é aquele feito pela capa, que um tema já criado não pode ser trabalhado de uma outra forma com um humor diferente porque a primeira publicação já falava daquele assunto, isso tudo acaba contribuindo, infelizmente, para o meu desânimo. Parece que o brasileiro tem nojo e vergonha de dar uma chance ou mesmo admitir que gosta de alguma coisa criada em nossa terra. No meio da turminha da internet, do colégio ou do bairro sempre tem vários indivíduos (a grande maioria) que prefere criticar de forma ofensiva algo que no fundo pode até gostar, mas não querem dar o braço a torcer. Eu queria saber por que podemos desembolsar mais de quatro reais para conhecer uma revista importada, e reclamar que não temos dinheiro para pagar R$ 2,99 num lançamento nacional. Se submeter a traduções e a adaptações medíocres (como eu já vi, onde até se explica piadas no pé da página) em vez de ler algo criado por brasileiros para brasileiros… Isso é algo que me deixa muito decepcionada com o brasileiro: A vergonha e o preconceito com sua própria cultura e semelhante. Esquecem que Japão, EUA e outros países desenvolvidos não chegaram onde estão por valorizar somente o que vem de fora, e sim por reconhecer o que seu povo tem a oferecer. E se crescem e nos fazem dançar conforme sua música, é por causa dessa atitude de muitos daqui.
Sendo assim, as editoras não lançam produtos nacionais porque não há leitores suficientes. Vai ver que nossa cultura é tão parecida com a japonesa que acabamos nos identificando e idolatrando as HQs de lá. Pena que nunca avisaram que o correto é de dizer “kawai” e não “fofinho”.
AA: Você sempre gostou de escrever? Fazia estorinhas quando era criança?
FB: Ô! E como. Enchia meus cadernos com estorinhas… acho que comecei com essa “doença” aos dez anos. Mas o que me ajudou a desenvolver o gosto pela escrita foi o prazer que sempre senti na leitura. Acho muito triste quando vejo alguém dizer que não gosta de ler, já que quando você não lê não é apenas seu vocabulário que fica reduzido, é o seu conhecimento geral sobre o mundo e a vida que se torna escasso.
AA: E bloqueios criativos? O que você faz quando a inspiração trava?
FB: Acho que eu nunca tive um bloqueio. O que já me aconteceu foi me aborrecer com alguma coisa e não conseguir escrever por esse motivo, mas nunca por falta de inspiração… Se bem que se tiver gente demais falando na minha cabeça, tudo vira uma confusão só e aí não sai nada.
AA: Seus roteiros são sempre bem-humorados, cheios de tiradas engraçadas. Quais são suas maiores inspirações no território do humor?
FB: Eu mentiria se desse um exemplo de inspiração pra mim, já que não me prendo nada a autores e sim a obras. E também não posso dizer que exista apenas uma obra ou um estilo que me guia. Acho que o mundo como um todo é meu campo de idéias, não apenas um ou outro livro/filme ou estilo, já que nosso cérebro acumula conhecimento e eu sou um arquivo ambulante. Tudo o que me chega de informação fica guardadinho ali, e um dia quando conveniente eu irei utilizá-la de alguma forma.
Não trabalho com fórmulas ou regras previamente estabelecidas, quando começo a escrever não sei exatamente em que quadro vai aparecer uma piada, deixo que o argumento e as circunstâncias em que o personagem se encontra me leve a isso. O que não quer dizer escrever sem a menor noção de onde vai parar a estória, planejo sempre o ponto de partida, o meio e o final, mas o que vier no interior dependerá do processo e do tipo de tema que estou abrangendo.
AA: Quais são seus personagens favoritos e quais são suas criações?
FB: Em HA eu gosto do Sandro, do James K e de algumas coisas na Niele. Em Mercenário$ criei o Domenik, ajudei na criação do Max ao lado da Petra e criei também a Savanna e os filhinhos do Sandro de Holy 41 e 42. Do nosso bando eu gosto do Domi (sim, eu sei que esse não vale ^^), do Max e acho o Shen um carinha muito, muito fofo!
AA: Muita gente tem mania de achar que HQs são uma espécie de sub-literatura. O que acha disso?
FB: Acho um julgamento errôneo e preconceituoso. Muito se pode aprender com uma HQ. Com os quadrinhos você não tem barreiras, fronteiras. Como o Allan Moore disse, é “um terreno ainda inexplorado”, muitas coisas ainda estão para serem exploradas neste solo fértil. Os quadrinhos estão num patamar superior ao do próprio cinema. Tudo que é feito nos filmes pode ser recriado nas HQs, já o contrário é muito difícil, quase impossível às vezes. Imaginem a Liga Extraordinária ou Watchmen adaptados fielmente para as telonas. Tarefa árdua passar o ritmo, a densidade e as nuances dos personagens, a ligação íntima que ela proporciona com o leitor, a total imersão no universo proposto ali… deveras complicado.
Mas as HQs também podem servir, claro, apenas como fonte de entretenimento. Mas esse também não é o caso de muitos livros de ficção, fantasia e afins? Ou tudo o que os letrados tem em suas estantes são livros educativos e científicos?
Eu só não concordo que se substitua ou que se dedique apenas à leitura de quadrinhos. Livros são importantes e devem ser lidos, não apenas servem de enfeite para a prateleira se você abrir aposto que pode achar coisas incríveis lá dentro!
AA: Você sempre foi fã de quadrinhos? Quais seus favoritos?
FB: Pra dizer a verdade, não. Li poucos quadrinhos de qualidade, mas estou corrigindo isso ultimamente. Dos que li recentemente gostei muito de Liga Extraordinária, A Balada de Halo Jones (Alan Moore), Marta Washington (Frank Miller), Deus e Overman (Laerte) e vários do Will Eisner.
AA: Que tal relembrar os tempos de cadernos de pergunta? Cite um
Livro: Os Três Mosqueteiros (Edição de 1950).
Filme: Nenhum em especial, mas ASSISTAM Os Incríveis. Maravilhoso! Assim como o Gigante de Ferro do mesmo diretor (Brad Bird).
Seriado: Friends (mas não sou fã roxa não), Third Watch e A Grande Família.
Desenho/anime: The Vision of Escaflowne, Simpsons, Macross, Liga da Justiça e X-Men Evolution.
Música: With Our Without You, Walk On (U2); Retorn to Inocence (Enigma); muitas da Loreena Mckennitt, Enya e Yoko Kano.
AA: O povo quer saber: quais são seus futuros projetos?
FB: Um site com HQs desenhadas por vários amigos extremante talentosos. Serão cerca de três estórias no mínimo. E uma outra HQ de dez páginas feita em parceria com o desenhista Flávio Hoffe, num universo criado por Danilo Faria, João Simões e Renato Simões Moreira.
AA: E é isso, acabamos aqui! Nós d’A ARCA agradecemos a entrevista! Agora, deixe uma mensagem para os leitores.
FB: Agradeço a todos aqueles que leram e puderam dar boas gargalhadas com meus/nossos trabalhos, agradeço também aqueles que não conseguiram achar tanta graça, mas entenderam que se tratava apenas de uma estorinha para divertir sem compromisso algum, a não ser te dar alguns minutos de relaxamento, longe da dura realidade. E claro, agradecer aqueles que não leram e não gostaram, por me mostrar mais uma vez que o importante é persistir e dar valor apenas às críticas construtivas, que buscam apenas nos ajudar a crescer como profissional.
Abração a todos os leitores e a vocês aqui d’A ARCA! Valeu!!
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