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Foi no início da década de 80, quando os primeiros jogos de RPG ainda estavam nascendo (o primeiro livro de RPG oficial, Dungeons & Dragons, foi lançado nos EUA em 1974), que um tipo de livro interativo começou a fazer sucesso entre as crianças e novos-nerds do Brasil e do mundo. Essas “aventuras-solo” , como o próprio nome diz, eram histórias feitas para jogadores solitários. Daí que, em vez de um storyteller criar uma história e narrá-la conforme dita sua imaginação, preparando situações que envolva vários jogadores ao mesmo tempo, a história é narrada pelo próprio livro.
Em alguns casos, os livros traziam fichas a serem preenchidas pelos leitores, com as características e habilidades de seu personagem – então o jogador-leitor precisava iniciar sua leitura ao lado de um dado, um lápis e uma borracha. Já em outros, os livros fugiam das fichas e pontuações, fornecendo apenas histórias com diferentes finais para seduzir os leitores.
A despeito dessas diferenças entre um e outro tipo de aventura, um livro-jogo funciona basicamente assim: não é um livro normal, que possa ser lido na ordem, da primeira a última página. Nessas aventuras, o leitor vai sendo levado pelo enredo, indo e voltando nas páginas (por isso, a Ediouro chamava suas publicações desse gênero de Enrola e Desenrola). Na primeira página, o autor apresenta-nos a história, onde o leitor geralmente é o personagem principal. Então, um primeiro incidente acontece, e são apresentadas ao leitor-protagonista duas opções. Assim, por exemplo: “Você está caminhando em um deserto e encontra um oásis. Se quiser correr até ele, vá para a página 5. Se achar que é uma miragem, e quiser continuar seguindo reto, vá para a página 10”.
Então, o cidadão faz sua escolha a sua própria conta e risco, e assim pode se dar bem ou terrivelmente mal, acabando sua história em dois minutos. No caso dos livros mais “burocráticos”, o leitor pode encontrar adversários pelo caminho, então resolvendo as disputas munido de sua ficha, seu dado e das características atribuídas ao inimigo pelo autor do livro.
:: RPG x Livros-jogos
RPG e esse estilo de livros têm em comum o fato de narrarem uma história de aventura, que conta com a sua participação (ou minha, ou do seu tio, do seu avô, do seu papagaio…). Fora isso, são bastante diferentes: os gamebooks não exigem interpretação, e não oferecem liberdade narrativa – afinal, tudo está escrito lá. Essas aventuras solo são adequadas para aquelas tardes de chuva em que todos os jogadores de uma campanha de RPG estão com a agenda lotada. O barato delas é também a oportunidade de ler várias histórias diferentes a partir de um livreto só, torcendo para que você (ou seu personagem) não tenha um final deprimente.
:: As coleções
Aqui no Brasil, fomos brindados com o lançamento de algumas coleções de livros do gênero. Uma delas foi a série E Agora Você Decide, da Editora Ediouro – ela trouxe sucessos estadunidenses, como a coleção Twistaplot (“Enrola e Desenrola”) e a Choose Your Own Adventure (Escolha sua Aventura). Mais de 40 livros foram traduzidos pelo escritor Orígenes Lessa e trazidos pela Ediouro. Os nomes de algumas dessas aventuras eram (só para lembrar aos esquecidos): A Fórmula da Confusão, A Gruta do Tempo, O Viajante do Tempo, O Vingador do Vídeo, O Abominável Homem da Neve, A Tribo Perdida, A Caverna dos Dragões – esses livros foram escritos de 1979 a 1998, mas publicados no Brasil de 1985 até 1992. A série “Choose Your Own Adventure” também teve uma versão dedicada ao público infantil.
Os livros dessas coleções, apesar de divertidíssimos, não eram jogos propriamente ditos, já que o leitor só precisava ler, escolher seu caminho e passear pelas folhas dos livros conforme o ordenado pelo rodapé das páginas. Já a coleção Aventuras Fantásticas, da Editora Marques Saraiva apresentava o formato mais parecido com RPG, com dados, fichas e outras coisitas mais.
Esta última fez sucesso por aqui, mas foi ainda mais bem sucedida na Inglaterra, no Japão e na França; e foi criada por Ian Livingstone e Steve Jackson. Exato! Esses nomes são conhecidos dos mais viciados RPGistas, e foram eles que atuaram juntos na série “Aventuras Fantásticas” (em inglês, Fighting Fantasy). Em 1982, após terem lançado na Europa o então recém-nascido Dungeons & Dragons, Steve Jackson e Ian Livingstone tiveram a idéia de criar uma espécie de RPG-solo, misturando o conceito de RPG com os livros interativos já existentes na época. Dessa idéia nasceram as “Aventuras Fantásticas”. Assim, já em agosto de 1982, O Feiticeiro da Montanha de Fogo estava nas livrarias, e, em poucas semanas, as 20 mil cópias da tiragem já tinham sido vendidas.
No ano seguinte, foram publicados A Cidade do Caos e A Floresta da Destruição, e então a coleção já se consagrou como grande sucesso. Durante 13 anos, novos livros-jogos (não apenas de autoria da “dupla dinâmica”) foram publicados ininterruptamente até que, atingindo o seu número 59, após alcançar a marca de best-seller e vender mais de 15 milhões de cópias, a série foi cancelada. Aa aventuras fantásticas, então, já haviam sido publicadas em 22 países – entre eles até alguns “esquecidos do mapa”, como Israel, Noruega e Bulgária. Recentemente, em 2002, a editora britânica Wizard Books ressuscitou a coleção, publicando novas edições dos livros, com capas e ilustrações diferentes das antigas.
:: Mas quem são Ian e Steve, mesmo?
Ian Livingstone, além de ter sido co-autor da famosa série britânica de livros-jogos, está muito ligado à indústria de “jogos para nerds” (leia-se: RPG e videogames). Também juntamente a Steve Jackson, fundou a Games Workshop (que, além de ter sido a responsável pelo lançamento de D&D na Europa, organiza eventos, publica revistas e lança miniaturas em resina). Já em 1985, entrou para a área de videogames, junto à Domark Games, concebendo a idéia e cuidando do design do jogo Eureka!. Uma década depois, acabou virando presidente da Eidos, e é, hoje, o Diretor de Criação da empresa. Ele é um dos responsáveis pelo sucesso de Tomb Raider, Championship Manager e Who Wants To Be A Millionaire.
Já Steve Jackson também enveredou pelos caminhos do videogame, e foi diretor da Lionhead Studios. O moço tem em seu passado incursões nas indústrias dos card games e dos jogos por telefone (…?!). E não, ele não é o criador do GURPS, apesar de seus nomes iguais (sorry, guys!). O tio do RPG é norte-americano, enquanto o “das Aventuras Fantásticas” é inglês. Hoje, ele tem se dedicado mais ao jornalismo, mas sempre falando sobre a indústria de games.
:: Relembre duas dessas aventuras!
– O VIAJANTE DO TEMPO (1982)
de R.L. Stine
Nessa aventura-solo que é uma das mais supimpas do gênero “apenas leia e seja feliz”, você é um jovem americano (assim geralmente começavam as aventuras do “Enrola e Desenrola”) que, um belo dia, vai visitar seu tio Edgar. Este é cheio de idéias mirabolantes, e resolve apresentá-lo ao seu novo invento: uma máquina do tempo. Então, por um deslize de seu atrapalhado tio, você acaba ligando a máquina sozinho, e deve fazer suas melhores escolhas para que não se perca em algum lugar do tempo, ao lado de seu medalhão verde de emergências. Essa história tem situações hilárias e bem diferentes, como por exemplo o imperador que exigia que seus súditos botassem ovos. Você pode escolher visitar o futuro ou o passado – no futuro, você corre o risco de encontrar uma civilização que vive em câmera lenta, e no passado, você pode encontrar seu pai e seu tio crianças.
Alguns dos finais trágicos: em um dos finais, o viajante do tempo caía numa “armadilha temporal”. A página X dizia que ele caíra numa armadilha e mandava-o correr para a página Y – esta dizia a mesma coisa em outras palavras, e enviava o leitor à página X. Em outro dos finais, o viajante não conseguia salvar seu pai de um lago de gelo, e acabava desaparecendo. Ou então era morto por amigos de seu pai, que assustavam-se com a máquina do tempo e, literalmente, quebravam tudo. Torturante.
– A NAVE ESPACIAL TRAVELLER (1983)
de Steve Jackson
“Sugada através do pesadelo assombroso do Vazio Seltsiano, a nave espacial Traveller emerge do outro lado do buraco negro em um universo desconhecido. VOCÊ é o capitão da Traveller, e o destino da nave está em suas mãos. Você será capaz de encontrar o caminho de volta para a Terra em meio aos povos e planetas alienígenas que encontrará, ou estará condenado, com sua tripulação, a vagar para sempre pelo espaço inexplorado?”
Após esse início animador, o leitor se depara com regras e uma ficha para a tripulação e para a nave, a Folha de Aventuras. Depois de uma explosão deixar toda a tripulação da nave inconsciente, a Traveller atravessa o buraco negro, e, quando todos recobram a consciência, seu Oficial de Navegação avisa: vocês foram parar em um universo paralelo. A primeira escolha do jogador é se a qual dos três sistemas encontrados nesse universo se dirigir.
Alguns dos finais trágicos: o capitão, cuidadoso com sua tripulação, arranja uma espécie de trepadeira para servir de alimento a todos. Daí que as trepadeiras começam a crescer e matam o pobre protagonista. Ou então, o leitor-jogador-personagem podia terminar seus dias mortalmente ferido por uma criatura de um pé só, em forma de um tronco de árvore. Outra opção era ter o seu corpo convertido em energia por uma estranha luz…
F I M
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