Ratos mutantes, baratas chapadas e outras dezenas de animais pequenos e grandes invadiram as estantes das livrarias. Não! Não é o caso de avisarem a vigilância sanitária urgentemente, é apenas o lançamento da quarta e mais nova coletânea de tirinhas do cartunista-biólogo-veterinário Fernando Gonsales.
Vá Pentear Macacos é o nome desse lançamento da Editora Devir, que vem somar-se aos outros livros da coleção que reúne os melhores momentos do rato Níquel Náusea e companhia: Nem Tudo que Balança Cai, Botando os Bofes de Fora e Com Mil Demônios. Quem está familiarizado com as tirinhas do autor já sabe o que esperar – 48 páginas (coloridas!) do mais puro humor maluco de Gonsales, que sempre retrata animais em suas historietas da turma do Níquel Náusea.
E esses animais não são fofos, não são bonitinhos, tampouco normais. São insanos, desde seus traços propositalmente tortos (olhos esbugalhados, falta de proporção e de lógica) até sua personalidade.Ora, ora… Uma barata viciada em naftalina não é uma coisa muito corriqueira, é?
:: AS CRIAS DE GONSALES
Níquel Náusea: O personagem principal da trupe, o rato Níquel foi o único azarado em sua ninhada que ganhou um nome similar àquele outro rato famoso, o Mickey Mouse. Não que Gonsales abomine o rato feliz da Disney – é apenas seu personagem que considera essa confusão no nome um infortúnio. Níquel é casado com a rata Gatinha, e com ela, como todo rato que se preze, tem vários filhotes, criados com os melhores métodos de educação (ou não!).
Rato Ruter: Um rato mutante, enorme e gordo, com uma capacidade intelectual limitada e um apetite incontrolável.
Fliti: Como diria seu próprio criador, Fliti não é uma barata, é um barato. É totalmente viciado em naftalina e em venenos aerossóis, como o Baratox, e não perde uma oportunidade de alimentar seu vício: adora quando humanos perseguem a ele e seus amigos doidões, com venenos e chinelos nas mãos. O “barato” quase tirou o reinado de Níquel Náusea, pois caiu na graça do público, que estava ficando cansado dos arroubos revoltados do rato. Em uma época em que a tirinha estava ameaçada de extinção na Folha, Fliti surgiu e salvou a pátria; mas Gonsales nunca deixou que o inseto tomasse as rédeas como protagonista, porque suas histórias seriam muito repetitivas e se esgotariam logo.
Sábio do Buraco: Um rato velho e decrépito, mas com grande sabedoria. Na realidade é um sábio meio esclerosado, o que confunde aqueles que o ouvem – eles nunca sabem se o que o ancião está dizendo é verdade ou não (não que faça muita diferença no caso desses “sábios do buraco”). Ele geralmente é usado no início de algumas tirinhas que tratam de assuntos não muito conhecidos, explicando o contexto para que o público leigo possa captar a graça do quadrinho final.
Esse é o núcleo básico das tiras de Gonsales; mas existem também os coadjuvantes nessa bagunça toda: algumas tirinhas mais gerais não contam com a presença dos protagonistas, e sim com outros bichinhos reais (entre eles, os humanos), ou mitológicos. Paródias com super heróis ou contos de fada também são bem vindas. A única coisa difícil de encontrar no trabalho do quadrinista, ao contrário de seus colegas de espaço nos jornais, é alguma espécie de piada política – Fernando Gonsales não gosta de fazer humor político, simplesmente porque não liga pro assunto.
:: FERNANDO GONSALES
Paulistano nascido em 1961, Fernando Gonsales sempre teve uma veia artística, que foi o que impediu o rapaz de dedicar-se exclusivamente à veterinária e à biologia. Sim, o moço fala de animais com conhecimento de causa – por isso seus desenhos não têm um errinho fisiológico ou científico sequer (a não ser quando o autor resolve fazer por querer – porque ele pode!). Não é à toa que as tirinhas da turma de Níquel Náusea tratam quase só de animais. Mas também não é por um motivo muito “cósmico”, é apenas porque o autor gosta de saber sobre animais e de desenhá-los.
Falando em desenhar – Gonsales nunca fez um curso oficial de desenho. Ele aprendeu a desenhar e desenvolveu seu traço inconfundível em sua casa, rabiscando junto ao seu irmão. Fernando tirou a sorte grande quando, em 1986, participou de um concurso no jornal Folha de São Paulo (na época em que cartunistas ainda eram contratados através de concursos), e pôde começar a publicar as histórias de sua mais recente criação, Níquel Náusea.
Hoje, o autor tem um currículo invejável: suas tirinhas são publicadas não só em jornais de São Paulo – aparecem também em jornais de Brasília, do Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, e também no estrangeiro! Em Portugal, Lisboa, mais precisamente.
Fernando Gonsales não desenha e escreve apenas para seus próprios domínios, não. Quem folheia a revista Superinteressante ou vê algumas campanhas publicitárias certamente já se deparou com um desenho do pai de Níquel Náusea perdido por uma delas. Outro detalhe curioso é que Gonsales escreveu roteiros para TV também! Ele foi o culpado por alguns dos quadros da TV Colosso. Lembram?
E todo esse trabalho lhe rendeu bons frutos: ele faturou várias vezes o troféu HQ Mix, e ganhou outros prêmios tanto relacionados ao roteiro quanto ao desenho.
A inspiração para suas histórias provém do gosto de Fernando Gonsales em relação a animais, e de horas folheando enciclopédias sobre o reino animal. Já cartunistas consagrados como Carl Barks, os autores da revista Mad e os criadores da turma do Asterix e Lucky Luke também podem ser considerados um incentivo a sua carreira, por serem os favoritos de Gonsales. Já a inspiração para seus traços vem de Canini e de Quino, embora a personalidade “gonsalesca” nos traços seja bem característica, sem resquícios de cópia.
Níquel Náusea já é agora um moço: completou 18 anos em 2004. O rato revoltado tinha até uma revista há alguns anos atrás, que manteve-se nas bancas durante dez anos, mas que infelizmente acabou no seu número 29. Hoje ao menos podemos nos consolar com as mais de 4 mil tirinhas feitas por Gonsales, que são publicadas diariamente no jornais citados acima e nas coletâneas, como esse lançada pela Devir.
:: OS OUTROS
Mas não é só de Níquel Náusea e Fliti que sobrevive a fama de Gonsales. Existem também outros personagens que não são tão animalescos, e que atualmente não andam tanto em voga. O Vostradeis, por exemplo. Ele é um personagem clássico, e um dos mais queridos tanto de Fernando Gonsales quanto de seus fãs. Vostradeis é um profeta, cujo nome é uma paródia do Nostradamus (mudando-se apenas o pronome e a conjugação do verbo). Infelizmente para os saudosistas, esse cidadão só aparecia nas HQs com histórias mais longas, e não dá o ar de sua graça nas tirinhas. Se um dia ele retorna? Gonsales diz que adoraria ressuscitar o personagem, e deixa esse projeto para um dia, quem sabe…
Outro personagem fora do núcleo animal é o Benedito Cujo. Ele é só mais um vestibulando fracassado e confuso, que tem um amigo cdf, um primo pentelho e um casal de pais prontos a deixá-lo cada vez mais paranóico.
Enfim, quem lê as tirinhas de Gonsales sabe: está certo que humor é uma coisa muito pessoal, mas é muito difícil alguém entender as piadas da trupe do Níquel Náusea e não rir alto de suas histórias originais, e invariavelmente engraçadas. Na minha modesta opinião, Fernando Gonsales é o melhor autor brasileiro de tirinhas cômicas atualmente – sem desmerecer seus concorrentes, mas suas tiras são as únicas que me fazem rir de verdade ao ler a seção desses quadrinhos no jornal. Não basta ter uma idéia bem elaborada em mente: tem que saber transmiti-la em um roteiro simples, mas que diz tudo ironicamente. E ainda fazer rir.
|