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Há exatamente cinco anos atrás, um garotinho de 11 anos meteu medo no planeta inteiro depois de afirmar com todas as letras que era capaz de “enxergar pessoas mortas”. Hoje, um indiano de 34 anos domina o mercado cinematográfico americano, lançando um arrasa-quarteirão a cada dois anos. E tudo isto graças ao tal moleque que via fantasmas. Provavelmente nem mesmo M. Night Shyamalan teve as manhas de prever que conseguiria firmar uma carreira tão sólida e segura como cineasta depois do surpreendente sucesso de O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999), o longa que o jogou no topo da pirâmide. O cineasta conseguiu como poucos rodar bons filmes tanto para quem adora blockbusters como para quem procura conteúdo de qualidade (o chamado “cinema de autor”).
Nascido na Índia com o nome de Manoj Nelliyattu Shyamalan (o tal “night” veio de um apelido da época do colegial) no ano de 1970, mudou-se ainda pequeno para Philadelphia – palco freqüente de seus trabalhos. Filho de médicos, começou a alimentar desde cedo uma paixão muito grande por cinema, graças aos filmes de Alfred Hitchcock (com quem é freqüentemente comparado) e Steven Spielberg, e fez seus primeiros “trabalhos na direção” aos 8 anos, quando ganhou de presente uma câmera Super 8. A crítica o considerou um “nome a ser lembrado” já com seu primeiro filme, Praying With Anger (1992), que narra a viagem de um adolescente americanizado e alienado à Índia, em busca de suas raízes. O trabalho, inspirado numa viagem que o próprio Shyamalan fez à sua cidade natal quando adolescente e exibido no Festival de Cinema de Toronto, o fez arrecadar fundos suficiente para dirigir, escrever, produzir e estrelar seu próximo projeto, Olhos Abertos (Wide Awake, 1998), comédia dramática sobre um garoto (Joseph Cross, que depois só atuou no horrível Jack Frost, “aquilo” com o Michael Keaton) que passa a questionar a existência de Deus após a morte de seu avô. No elenco, Denis Leary (de O Árbitro), Rosie O’Donnell (a Betty do primeiro live-action dos Flintstones), Robert Loggia (o mafioso do divertido Inocente Mordida) e a tetéia Julia Stiles, de A Identidade Bourne. Ao que consta, nenhum destes dois títulos de Shyamalan estão disponíveis em DVD no Brasil, mas nada que um novo sucesso no cinema não faça uma distribuidora qualquer desenterrar!
Mesmo com Olhos Abertos sendo considerado apenas “mediano” pela crítica e pelo público (Público? Bem, poucos se deram ao trabalho de assisti-lo – eu vi, no Cinemax), o longa alavancou ainda mais a carreira de Shyamalan, que já preparava mais um roteiro. Na verdade, até hoje questiona-se a verdadeira culpa do fracasso de Olhos Abertos. Segundo o diretor, o trabalho foi muito mal-lançado pela Miramax, fazendo que Shyamalan rompesse o contrato com o estúdio e pedisse abrigo na Disney, para que pudesse rodar sem crises seu mais novo trabalho que envolvia um tal “pivete de 11 anos”. E o que veio a seguir é história. Conheça, então, um pouco mais sobre cada um dos filmes desse cultuado e controverso cineasta.
:: “POR FAVOR, YO NO QUERO MORIR, SEÑOR”!
O Sexto Sentido transformou M. Night Shyamalan em superstar. Bem, mais ou menos. O que o longa estrelado por Bruce Willis, Toni Collette (O Casamento de Muriel) e Haley Joel Osment (A.I.) tem de tão especial assim? Na verdade, nada de mais. Só o que toda película deveria ter: um roteiro muito bem construído, diálogos marcantes, atuações impressionantes e reais de todo o elenco, uma conclusão que deixa o espectador grudado na cadeira (e que se tornaria, mais tarde, marca registrada do cara)… Pra quem viveu em outro planeta nos últimos cinco anos, aqui vai um resuminho: o psicólogo infantil Malcolm Crowe (Willis) sofre um acidente, envolvendo um desequilibrado ex-paciente seu (Donnie Wahlberg, irmão de Mark Wahlberg e ator de O Apanhador de Sonhos), que destrói seu casamento. Alguns anos depois, Crowe resolve se dedicar a um estranho garoto (Osment), que em determinado ponto do filme, jura de pé junto que pode conversar com pessoas mortas. Eu, hein?
O longa, que custou US$ 55 milhões, rendeu mais de US$ 290 milhões só nos Estados Unidos e mais de US$ 650 milhões no resto do mundo, foi campeão de aluguel em DVD – 8 milhões de pessoas em 2000 -, ganhou 27 prêmios internacionais e ficou 5 semanas no topo das bilheterias. Além disso, foi indicado a 6 Oscars, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor (não levou nenhum), tudo por conta do “fator surpresa” do filme, que tirou o sono da platéia desavisada. O grande trunfo do trabalho talvez seja o fato de dosar igualmente terror, suspense, drama e o mais melodramático dos romances – não vou comentar nada aqui pra não estragar o prazer de quem possivelmente ainda não tenha visto o filme. O Sexto Sentido também ajudou a traçar o estilo inconfundível de Shyamalan, delineando detalhes que o diretor usaria em seus filmes seguintes.
:: QUANTAS VEZES VOCÊ FICOU DOENTE NOS ÚLTIMOS TEMPOS?
Em seguida a O Sexto Sentido, Shyamalan escreveu o roteiro do divertido O Pequeno Stuart Little (Stuart Little, 1999), de Rob Minkoff, diretor também de Mansão Mal-Assombrada. Em 2000, Shyamalan conquistou mais algum prestígio (pelo menos entre nós, nerds) com seu próximo longa, o incompreendido Corpo Fechado (Unbreakable), mistura de sci-fi e drama que conta a história de um segurança chamado David Dunn (Bruce Willis, repetindo a parceira de O Sexto Sentido), que se torna o único sobrevivente de um trem descarrilhado que matou 131 pessoas. O mais assustador, no entanto, é que o indivíduo sai sem um único arranhão. É, então, procurado por Elijah Price (o grande Samuel L. Jackson), um homem acometido por uma doença que fragiliza todos os seus ossos. Price, viciado em HQs (yeah!), teoriza que os heróis dos gibis são apenas versões romanceadas de pessoas reais. Se existe alguém tão frágil como ele, diz Price, há de existir alguém que nunca se “quebra”. Assim, Dunn passa a se descobrir e aceitar seu destino de “super-herói”, até que caminha para uma revelação estarrecedora. Filmaço!
Além de Willis e Jackson, o elenco ainda conta com a fantástica Robin Wright Penn (esposa de Sean Penn), que já trabalhou em películas como Forrest Gump e o ótimo She’s So Lovely. Corpo Fechado – cujo título não tem nada a ver com o original, Inquebrável, e mais parece tirado da minissérie global “Riacho Doce”, hehehe… -, que custou 75 milhões de doletinhas, não fez o sucesso esperado, rendendo somente cerca de 97 milhões, provavelmente por causa de seu ritmo. Mesmo assim, é o melhor trabalho do cara até agora e conquistou uma legião de fãs, se tornando o candidato a cult do ano com um excelente trabalho de roteiro e direção que merece ser descoberto. Só as infinitas referências ao mundo dos quadrinhos já alegrarão qualquer fã de gibi! Quando Corpo Fechado sofreu este golpe, todo mundo pensou que o cineasta não se recuperaria mais nas bilheterias. Até que veio o ano de 2002.
:: ESTÁ ACONTECENDO!
Shyamalan abraçou de vez a fantasia com o sucesso de bilheteria Sinais (Signs, 2002). Mais uma vez, o cara tirou o sono dos espectadores, mas desta vez nada de garotos que vêem espectros ou homens com poderes extras. O fazendeiro e ex-padre Graham Hess (Mel Gibson em um papel completamente sério) encontra misteriosos sinais em forma de círculos em sua plantação. A ínicio, o cético Hess, que perdeu sua fé em Deus após a morte trágica de sua esposa, acredita se tratar de uma brincadeira, preferindo ignorar a perfeição com que as marcas foram feitas. À medida que o tempo passa – e novos sinais surgem em diferentes locais do mundo – Hess e sua família, incluindo seu irmão Merril (Joaquin Phoenix, o sádico imperador de Gladiador) e seus filhos Morgan (Rory Culkin, que em breve poderá ser visto no cultuado Mean Creek) e Bo (a engraçadíssima Abigail Breslin) se convencem de que as marcas são avisos prévios de uma suposta invasão alienígena.
Com claras influências de Vampiros de Almas (1956), A Noite dos Mortos Vivos (1968) e Os Pássaros (1963), Sinais, cuja história da invasão dos aliens é só um pano de fundo para questionar a fé nos dias de hoje, custou mais ou menos US$ 72 milhões e rendeu mais de US$ 220 milhões só nos States. Foi com este filme que Shyamalan também ganhou sua primeira acusação de plágio, promovida por um roteirista que afirmou que as idéia do longa do indiano vieram de um texto seu recusado pela Disney um ano antes (xiii…). Dúvidas sobre sua origem à parte, trata-se de um dos trabalhos mais assustadores e emotivos dos últimos anos, servindo também para dar uma nova injeção de ânimo na carreira de Mel Gibson – que saiu do set de Shyamalan para dirigir o ultrapolêmico A Paixão de Cristo – e também pra firmar Joaquin Phoenix como um dos grandes atores de sua geração. E se depender do indiano, nós estamos “com a vida ilhada”, uma vez que o Brasil é um dos primeiros países invadidos pelos monstrengos de outro planeta! Hehehe… É, a nossa moral tá daquele jeito… 🙂
:: OS PRÓXIMOS PROJETOS
Além de A Vila (The Village, 2004) – que também já foi acusado de plágio por uma escritora cujo livro de 1995 é idêntico ao filme -, que estréia em todos os cinemas do “país do bronze que deveria ser ouro” nesta sexta-feira, ainda não há nenhum novo projeto na agenda do cineasta. Nem precisa, por enquanto: o indiano já faz parte daquele seleto grupo de diretores que pode tranqüilamente trabalhar num projeto o tempo que for necessário. Seu nome no cartaz (ele sempre assina “M. Night Shyamalan’s” antes do título do filme) é o suficiente para atrair qualquer pessoa ao cinema, e o cara ainda sabe construir um trailer como ninguém – quem não se apavorou com o pouco que foi visto no teaser de A Vila, que atire a primeira pedra! Enfim, se o cara copia histórias dos outros, ou se seus filmes são meio superficiais (como já foi acusado também), ou se dizer que o indiano é o “novo Hitchcock” é exagero, tudo bem. Pode até ser. Mas não há como não concordar que Shyamalan soube marcar muito bem o seu território ao mesmo tempo nos blockbusters e nos longas de autor. O homem, realmente, faz uns troços de louco! E enquanto você está lendo este artigo, eu com certeza já estarei providenciando o meu pacote de fraldas para o novo trabalho de M. Night Shyamalan! Hehehe…
:: ALGUMAS CURIOSIDADES
– Todos os filmes de Shyamalan, à exceção de Praying With Anger, se passam na Philadelphia, cidade em que o diretor reside. Outros elementos idênticos a todos os seus trabalhos: sempre há um final surpresa ou uma reviravolta na trama, sempre há tomadas de pessoas refletidas em objetos, sempre há cortinas flutuando ao vento, sempre há pessoas envolvidas em situações extraordinárias e sempre há a água como símbolo de medo ou fraqueza.
– Mais elementos idênticos: todos os longas de Shyamalan falam, de uma forma ou de outra, sobre religião. As cenas mais reveladoras e importantes se passam sempre em um porão (não vou descriminar pra não estragar as surpresas – aluguem os filmes e reparem nisso). Acidentes de carros também são panos de fundo para situações importantes em toda a filmografia do cara. Em cada uma das seis películas, há pelo menos uma cena em que dois personagem estão conversando a uma certa distância da câmera (imóvel) e os diálogos são quase silenciosos.
– Com exceção de Olhos Abertos, Shyamalan atua em pontas em todos os seus trabalhos. É uma forma de prestar homenagem a Alfred Hitchcock, seu diretor preferido (e um dos meus também).
– É o roteirista mais bem pago de Hollywood (recebeu US$ 5 milhões pelo roteiro de Sinais). Shyamalan tem a mania de gastar muito dinheiro com gibis. Pois é, o cara é um dos nossos!
– Há muitas semelhanças entre O Sexto Sentido e o já clássico Os Doze Macacos (Twelve Monkeys, 1995), de Terry Gilliam. Ambos têm personagens centrais com o nome “Cole”, ambos possuem números no título e ambos se passam na Philadelphia. Os Doze Macacos é declaradamente um dos longas preferidos de Shyamalan. Hmmm…
– Detalhe que só os mais ferrenhos conseguem reparar: a maioria dos frames de Corpo Fechado reproduz ângulos de desenhos de gibis. O personagem de Bruce Willis é identificado quase que todo o tempo pela cor verde e Samuel L. Jackson pelo roxo (assim como os heróis têm elementos de identificação nas HQs). Durante o longa, ainda há inúmeras referências ao Quarteto Fantástico, Superman e X-Men, entre outros heróis. Nas cenas que se passam no salão de Elijah Price, podemos ver um jornal cuja manchete é: “Vírus Assassino Encontrado em Aeroporto”. Referência clara à cena inicial e final de Os Doze Macacos, cuja ação também acontece em Philadelphia. Hmmm…
– Corpo Fechado foi concebido originalmente para ser o primeiro de uma trilogia, mas os planos foram por água abaixo depois da fraca bilheteria do filme.
– O personagem de Mel Gibson em Sinais seria interpretado a início por um ator mais velho. Os planos de Shyamalan incluíam Paul Newman, e depois Clint Eastwood. Mas a Disney queria um ator mais jovem, para chamar público. É sempre a Disney… fiquei louco só de pensar no “Dirty” Harry como o padre revoltado! O papel de Joaquin Phoenix foi oferecido inicialmente ao excelente Mark Ruffalo (de Colateral), mas o ator foi obrigado a recusar por problemas de saúde. Tudo bem, neste caso foi como trocar seis por meia dúzia, já que os dois são ótimos.
– Ainda em Sinais, na cena em que Gibson conversa com Shyamalan (que interpeta o responsável pelo acidente que matou a mulher do primeiro), nota-se a excelente expressão facial de dor do diretor indiano. Isso não se deve apenas ao seu papel: a cena foi realizada um dia depois de Shyamalan perder um membro de sua família.
– Sigourney Weaver, que está no elenco de A Vila junto com Joaquin Phoenix, Adrien Brody (oscarizado por O Pianista) e Brendan Gleeson (de Extermínio), declarou que teve pesadelos durante duas semanas depois de ler o roteiro do filme. Não sei porquê, isso me lembrou uma música do Cazuza…
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