Os cinéfilos fãs de Alfred Hitchcock têm muito o que comemorar esse mês. Afinal, não é sempre que livros desaparecidos das estantes de livrarias, e até de sebos, ressurgem das cinzas. E foi o que aconteceu com Hitchcock/Truffaut: Entrevistas, que a Companhia das Letras relançou, no começo desse mês, com nova tradução e novo projeto gráfico. O livro, pra quem não sabe, foi o marco no reconhecimento internacional do diretor Alfred Hitchcock. Isso mesmo: a obra pode não ter sido sozinha a responsável pela fama de seus filmes, mas ao menos melhorou seu reconhecimento na crítica norte-americana.
Truffaut era um reconhecido diretor cult francês, autor de filmes como Os Incompreendidos, e um enorme fã de Hitchcock. O livro foi um projeto almejado por ele durante anos, até que conseguiu realizá-lo: 50 horas de entrevista gravadas e transcritas integralmente nesse relançamento da Cia. das Letras.
Nas 364 páginas de entrevista, Truffaut não se deixa manobrar por Hitchcock, e conduz as perguntas a aspectos técnicos e gerais da cinematografia do diretor inglês. O mérito do livro está aí. Para os interessados nos detalhes técnicos, muitas coisas são reveladas, mas para os leigos, é interessante perceber o clima de admiração e amizade, e divertido ler o “papo entre amigos” entre os dois diretores.
É fato que diretor de cinema já é, por si só, insano. E Alfred Hitchcock faz jus a essa idéia muito bem. Na longa entrevista, o inglês nascido na sinistra data de 13 de agosto de 1899, ataca com suas tiradas ácidas, mas mescladas com frases preciosas para os futuros profissionais do cinema, e com curiosidades sobre seus filmes ou modo de trabalhar.
Truffaut, na época, era da juventude francesa crítica de vanguarda, que gostava de polêmica e influenciava de certa forma a crítica internacional. Antes dos críticos do Cahiers du Cinema (do qual Truffaut fez parte) apontarem Hithcock como um gênio do cinema, seus filmes eram enxergados apenas como um bom programa-pipoca e comercial. E foi querendo mudar esse pensamento que François Truffaut idealizou seu projeto. Pegaria um gravador e sairia em busca de seu “ídalo”, e conseguiria então, através de sua entrevista, mudar essa imagem. Depois de algumas tentativas em que viu seu trabalho indo literalmente por água abaixo (com a ansiedade, Truffaut deixara o gravador em cima de um bloco de gelo que, derretendo, acabou com o aparelho e, por tabela, com a entrevista), o jovem cineasta enviou uma carta convincente a Hitchcock, na qual chamava-o para uma nova entrevista, e dizia: “se um dia o cinema se visse novamente privado de som, muitos cineastas estariam condenados ao desemprego, mas entre os sobreviventes estaria Hitchcock. E todo mundo finalmente compreenderia que ele é o melhor diretor do mundo.”
E o porquê de tanta admiração? Porque o cara entendia dos detalhes técnicos de seus filmes, escolhia roteiros bem elaborados, e ainda conseguia misturar trash, humor negro, suspense e tramas detetivescas em filmes que funcionavam. Por isso Alfred Hitchcock é considerado como um dos grandes diretores da história do cinema.
Por menos que você tenha ouvido falar nesse cidadão que adorava fazer tipo, com toda aquela imagem de sinistro debochado, conhecida nas suas fotos com pássaros; ao menos algum de seus filmes não deve ter fugido aos seus ouvidos. Pois nunca viu Psicose, aquele terror com a cena clássica da morte na banheira? E aquela música com os violinos estridentes? Saiba que é tudo obra do tio Hitchcock.
Alfred Hitchcock ingressou em um estúdio de cinema para trabalhar quando tinha 21 anos de idade. Seu primeiro trabalho foi como designer dos créditos de filmes e das “falas” (quando ainda não havia som, e eram usadas legendas). Em 1922 apareceu para ele sua primeira oportunidade – o diretor que produzia um filme no estúdio de Londres em que Hitchcock trabalhava adoeceu, e o jovem agarrou o projeto com as duas mãos. Sua criatividade e personalidade transmitidas ao filme espantaram os executivos do estúdio, e esse foi o primeiro passo para sua grande carreira. Após rodar alguns filmes na Inglaterra, Hitchcock decidiu ousar, e, no final dos anos 30, rumou à Hollywood, onde sua carreira atingiu o ápice.
Todo o sucesso e legião de fãs que o excêntrico diretor inglês angariou não é balela. Os telespectadores que se ligam em ângulos de câmera e edição se esbaldam com a originalidade de Hitchcock, que chegou ao ponto de, em Festim Diabólico (1948), filmar a película sem parar, efetuando apenas 8 cortes imperceptíveis para trocar o rolo de filme. E os menos interessados nessa “frescura toda” passam uns bons momentos sob o efeito de seu sutil humor britânico, de suas tramas bem amarradas, e de seus sustos. Sim, seus sustos não podiam ser esquecidos, afinal Alfred Hitchcock é conhecido como o mestre do suspense.
Psicose, Os Pássaros, Disque M para Matar e Um Corpo que Cai são apenas exemplos de filmes clássicos, que não só mostram sangue e gritos de donzelas indefesas, mas que possuem todo aquele mistério, em um jeito meio Agatha Christie de ser. Se suas histórias têm clichês? Se têm! E exageros? Vários. Mas o legal é lembrar que o pai de muitos clichês de suspense é ninguém menos que o próprio Hitchcock. Suas histórias intrincadas são repletas de passos no escuro, assassinos caminhando calmamente, portas rangendo e vilões surgindo de repente. Isso lhes é familiar? Na década de 60 isso não era tão banal quanto vemos hoje…
O telespectador mais acostumado com ação e mortes em todos os instantes do filme podem deixar escapar um bocejo ou outro, mas não deixa de se entregar ao suspense das tramas, que vai crescendo pouco a pouco.
É o que acontece nesses filmes, que representam momentos diferentes da filmografia de Alfred Hitchcock:
:: O Homem que Sabia Demais (1934/1956)
Esse filme foi regravado por Hitchcock após 22 anos. A versão mais nova conta com as atuações de James Stewart e Doris Day, que interpretam um casal norte-americano turista, passeando em Marrocos com seu filho. Aos poucos, o acaso empurra-os para uma situação inusitada, que envolve a morte de um recém conhecido, que antes de morrer lhes revela um segredo internacional; e o sumiço de seu filho. Ao contrário do costume que deu fama ao diretor, nesse filme não há toda aquela atmosfera de suspense, mas sim uma trama tão bem amarrada que até um detalhe banal como o som dos pratos da orquestra ao fim do filme possui uma importância.
:: Janela Indiscreta (1954)
Você detestou Por um Fio porque o filme se passa inteiramente numa cabine telefônica? Tente ver Janela Indiscreta e veja se percebe que toda a trama é gravada dentro de um apartamento e sua vista privilegiada… O mesmo James Stewart do filme anterior é Jeff, um fotógrafo que deve passar algum tempo de repouso devido à sua perna quebrada. Sem mais o que fazer, e de frente a uma janela que mostra uma vizinhança (in)comum, Jeff desconfia que seu vizinho deu cabo de sua própria esposa. Cada vez mais curioso, acaba se envolvendo na história toda, junto à sua namorada Lisa (a elegante Grace Kelly) e à sua enfermeira. O filme começa sem um cisco de suspense, mas vai aumentando o teor de unhas roídas de nervoso a cada olhadela do protagonista através de seu binóculo.
:: Psicose (1960)
É impossível falar de Alfred Hitchcock e não mencionar a sua mais famosa cria como cineasta. Psicose conta a história de uma secretária, Marion (Janet Leigh), que acaba caindo em tentação, afanando 40 mil dólares, e logo em seguida fugindo com a grana toda. Num motel de beira de estrada a moça pára e… Bem, e daí que a película em preto e branco ajuda muito para tudo ficar mais obscuro, e para que a senhora Bates, mesmo sem aparecer completamente, nos dê bons sustos. Sim, a trama é meio arrastada, mas a cena clássica da morte na banheira não foi eleita como a melhor morte do cinema em vão. Psicose teve uma refilmagem legal em 1998, mas não sei não… Clássicos originais sempre serão clássicos originais.
O diretor tinha uma mania divertida: adorava fazer participações especiais em seus próprios filmes. Suas “pontas” como figurante são bem conhecidas por seus fãs. Em “Janela Indiscreta”, por exemplo, ele aparece na casa de um pianista, ao longe, arrumando um relógio.
A filmografia de Alfred Hitchcock conta com 53 filmes, um Oscar de melhor filme (por Rebecca, a Mulher Inesquecível) e um prêmio especial da Academia pelo conjunto de sua obra. Em abril de 1980, em Londres, o cinema perdeu um de seus nomes consagrados, que carregou consigo a honra de ser considerado um dos gênios no que sabia fazer melhor: entreter, e fazer com que suas histórias excêntricas fossem admiradas por gerações diferentes.
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