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Guillermo Del Toro e Sam Raimi são duas faces da mesma moeda. Assim como Raimi com o Homem-Aranha, Del Toro realizou o seu sonho nerd ao dirigir um longa estrelado por Hellboy, seu personagem de quadrinhos favorito, criação do americano Mike Mignola. Com um fã sentado na cadeira de diretor, era de se esperar que a adaptação fosse no mínimo fiel. A qualidade das respectivas películas, no entanto, é garantida pelas habilidades de Raimi e Del Toro como cineastas, ambos muito talentosos. A grande diferença entre os dois é o tom: enquanto Raimi lida com um herói adolescente cheio de problemas existenciais, Del Toro fica completamente à vontade ao contar a história bizarra de um demônio que luta pela humanidade.
Quem viu A Espinha do Diabo ou mesmo Blade 2 sabe que Del Toro tem certa predileção pelo sombrio, pelo sobrenatural, pelo obscuro. Aliás, além da direção precisa e coerente, o maior acerto de Del Toro foi justamente a escolha de um ator “obscuro” para o papel de Hellboy. O queixudo Ron Perlman encarnou o personagem com perfeição, fazendo nascer um diabão divertidíssimo, totalmente sarcástico e politicamente incorreto. Hellboy, de charuto na boca, adora desobedecer as regras do bureau governamental para o qual trabalha e está sempre tirando sarro dos monstros que combate.
A trama pode parecer bastante esquisita, pelo menos à primeira vista, para aqueles que não são iniciados no mundo dos quadrinhos. Mas se baseia essencialmente no arco “Sementes da Destruição”, que introduziu o herói: no final da Segunda Guerra, os nazistas apelaram para o ocultismo como uma tentativa desesperada de vencer o conflito. Num ritual comandado por um estranho homem chamado Grigori Rasputin (Karel Roden), eles acabam conjurando um bebê demônio… que, depois de uma emboscada, acaba caindo nas mãos dos americanos. Mais especificamente, do Prof. Trevor ‘Broom’ Bruttenholm (John Hurt, perfeito).
Bruttenholm acaba criando o pequeno demônio como um filho, ensinando-lhe as virtudes da humanidade (o que era óbvio). E o garoto, batizado pelos soldados de “Hellboy”, torna-se o principal agente do projeto comandado por Bruttenholm: o Bureau de Pesquisa e Defesa Paranormal, que combate as mais estranhas ameaças de natureza demoníaca sem se revelar ao público. Combatendo as sombras…nas sombras.
Ao lado de Hellboy, um dos operativos mais estranhos desta organização secreta mantida pelo governo americano é o homem-aquático Abe Sapien (dublado por David Hyde Pierce, da série Frasier). Isso se não contarmos a ex-agente Liz Sherman (Selma Blair), uma pirocinética pela qual Hellboy é apaixonado e que passa seus dias num sanatório. Embora isso seja apenas citado levemente nos gibis, sem maiores pretensões, a mudança funciona e gera algumas das melhores sequências do filme.
E é no meio desta loucura que John Myers (Rupert Evans, um tanto quanto dispensável) é convocado para juntar-se ao Bureau. Justamente quando uma criatura ancestral de nome Sammael começa a mostrar garras e dentes por aí…
O mais interessante é perceber que esta mistura estranhíssima de personagens, aliada ao visual um tanto retrô, funciona muito melhor do que em A Liga Extraordinária – que, esteticamente, acabou caminhando pela mesma linha…sem sucesso, é bom lembrar.
Um dos maiores méritos deste “Hellboy” é, sem dúvida, abrir os olhos de uma Hollywood sedenta por filmes com heróis de quadrinhos para as editoras fora do eixo Marvel-DC. Assim como Del Toro trouxe a criação de Mignola direto da Dark Horse, outras HQs, independentes talvez, podem almejar também uma chance nas telonas. Quem sabe até tirando o lugar de uma possível continuação de Mulher-Gato…
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