Mais cedo ou mais tarde você vai ouvir um grupo de pessoas comentando sobre uma sessão de RPG, onde fulano matou tantos e cicrano usou uma espécie de magia para curar beltrano. Bem, daí você resolve se informar para saber se eles são satanistas falando de alguma seita obscura e descobre que “Não! Eles estão falando de um jogo!”. Dúvida esclarecida, você pesquisa na Internet mais detalhes sobre ele, e percebe que ao contrário do que alguns proclamam, o RPG nada mais é que um jogo inofensivo que preza a imaginação, em que você cria um personagem e o interpreta, sem precisar fazer apostas com dinheiro ou vender sua alma a algum ser do além. Mas é quando você vai entrar na sua primeira partida de RPG que surgem inúmeras dúvidas…
A Srta.Ni foi tomada pelos espíritos ancestrais do RPG e psicografou as dúvidas mais freqüentes dos RPGistas iniciantes (antes que alguém se assuste, isso foi uma piada). E, é claro, sobrou pro mestre El Cid explicar tintim por tintim os detalhes básicos de como funciona a coisa toda. Se é que aqui n’A ARCA ainda existem leitores que precisam entender melhor sobre RPG, esse aqui é um manual de sobrevivência muito bom para aqueles que, assim como a Srta.Ni, estão dando seus primeiros passos em algum jogo de interpretação.
:: FAQ: Um guia de sobrevivência para os RPGistas novatos
Minha avó sempre me disse que RPG era um método de correção postural. Mas tem gente que me diz que é uma espécie de jogo. O que é esse tal de “Role Playing Game”?
Esta é a dúvida mais comum de todas. Devo ter respondido isso umas quinhentas vezes para uma série de pais confusos. Então, vamos à “quinhentos e um”: o RPG ao qual você se refere é uma mistura de jogo de estratégia – daqueles que você joga em tabuleiro, tipo War – e teatro. É todo baseado na interpretação de papéis, mas sem roteiro pré-definido. Cada jogador cria seu personagem e o interpreta de maneira totalmente improvisativa – à medida que as coisas acontecem no jogo, você reage da maneira que seu personagem reagiria.
Quem é o mestre e por que ele me manda fazer coisas?
Hahahahahahahahahahahahahaha. Bom, o nome “mestre” assusta mesmo. Acontece que vem de “gamemaster” – o mestre do jogo. Mas eu, particularmente, prefiro a nomenclatura dos jogos da editora americana White Wolf, que chama o mestre de “storyteller” (narrador). Este é o papel do cara: ele vai narrando a história, dizendo: “então, vocês seguiram por aquela estrada de terra batida, ladeada por mata fechada, e, lá no final, encontraram aquele cavaleiro…”. Como o RPG é um jogo 100% imaginativo, o narrador fica com a função de descrever as situações e os cenários para mexer com o imaginário dos jogadores. Além disso, é ele quem interpreta os NPCs – que são os personagens coadjuvantes que vão aparecendo na história.
Pra que tantos dados coloridos e cheios de números?
Pra nos fazer gastar ainda mais dinheiro…Mas, falando sério (!), os dados são a forma que a maior parte dos RPGs encontrou para dar mais pimenta ao jogo. São o jeito que o mestre tem de manter as regras. Afinal, o RPG é uma forma de reproduzir a vida real – por mais que se passe num ambiente de fantasia medieval a la Tolkien. Já pensou se fosse tudo como na infância, quando brincávamos de polícia e ladrão? “Eu matei você!”. E o outro: “não, não matou não, o tiro pegou de raspão”. Com os dados, que são rolados de acordo com as habilidades descritas na planilha do personagem, é a sorte quem decide o que aconteceu. Afinal, é assim na vida, não?
Quem ganha num jogo de RPG?
Ninguém. Um jogo de RPG não precisa necessariamente ter fim (certas campanhas duram anos), ter vencedores ou perdedores. Às vezes o seu personagem perde, às vezes ele ganha. Normal. Como acontece na vida. No fim das contas, todo mundo tem é que se divertir. Este é o objetivo final. Não tem nenhum chefão no fim da fase.
Já ouvi falar de RPG de mesa, RPG na Internet, em jogos de computador e em cartas. Quem é quem?
Quanto a isso, sou beeeeeeeeeeeeeeem radical. A sigla RPG quer dizer, em português, jogo de interpretação de papéis. Isso é possível no tabuleiro ou nos live actions (jogos ao vivo nos quais você abandona a imaginação e REALMENTE se veste como seu personagem, ficando ainda mais próximo do teatro). Também é possível nos RPGs jogados por e-mail, em listas de discussão ou em blogs coletivos. Mas um jogo de computador não pode ser um RPG. Como diabos você vai entrar na pele de um personagem de computador? Você pode fazer o que quiser? Claro que não, só vai poder entrar naqueles movimentos pré-programados que o programador permite. São o que eu chamo de “adventures”. No máximo. Quanto aos jogos de cartas, eles também não são RPGs. São só…jogos de cartas. Uma espécie de truco mais nerd.
Vendo-me entre uma ficha cheia de detalhes para preencher e um livro cheio de regras, fico realmente confuso. É preciso entender do livro de cabo a rabo pra jogar bem? E pra mestrar?
Não, pra jogar você precisa entender o básico. Não é necessário ser um “advogado de regras”, aqueles viciados que conhecem cada meandro das regras. Já para mestrar seu conhecimento da ambientação e do sistema precisa ser bem maior… embora a principal qualidade de um mestre ainda tenha que ser, na minha modesta opinião, a habilidade de divertir o grupo. Não adianta nada saber o livro de cabo a cabo e fazer uma aventura chatéssima, que não empolga. O cara tem que ser um pouco diretor de cinema.
O que seria um “Sistema” de jogo? Existem vários jogos diferentes com um mesmo sistema?
Um sistema de jogo é uma forma de jogar RPG. É um sistema de regras. Por exemplo: o GURPS é diferente do Dungeons & Dragons porque eles usam sistemas de regras diferentes. E sim, existem vários jogos diferentes com o mesmo sistema. São ambientações diferentes – o “GURPS” tem livros que se passam no espaço, na era medieval, no Japão feudal, na Era Hiboriana do Conan…
Primeira sessão de RPG: um player chorou quando o personagem que era seu filho morreu, o outro deu um show de interpretação ao mobilizar um exército, por exemplo. Então o novato fica com vergonha, e escorrega pra baixo da mesa, ou então resolve interpretar um personagem mudo. Pra não acontecer esse tipo de constrangimento, fica mais interessante “aprender” a jogar com outros que ainda estão iniciando sua “carreira” no RPG?
Eu acho bem mais interessante. Todo mundo aprende junto, brinca junto, sem preconceitos, sem as idiotices típicas de muitos jogadores veteranos que detestam jogar com os iniciantes.
Pra construir bem o personagem, é legal ter uma boa interpretação, baseada nas características escolhidas na ficha. Pra quem está começando a jogar, com uma interpretação meio deprimente na maioria dos casos, existem certas características ou raças mais fáceis de serem interpretadas? (Por exemplo, alguém escolhe ser um hobbit, porque estes estão quase sempre alegres e bem humorados; e é mais fácil para ele interpretar esse tipo de coisa logo de início)
Na verdade, quando se começa a jogar RPG, é inevitável que você crie um personagem parecido com você. Sempre acontece. O exemplo do hobbit realmente funciona – vá direto naquelas características que estão mais próximas de você, da sua vida, do seu cotidiano. Vai ser muito mais fácil, pelo menos no início. Com o passar do tempo, você vai acabar ficando como eu: vai querer sempre os personagens problemáticos, malucos, bêbados…
Como saber utilizar minha ficha direitinho, com as vantagens e habilidades correspondendo com a minha interpretação?
Foi o que eu disse antes: pense sempre no conceito básico do seu personagem. Quando você o criou, o que você pensou que ele seria? E siga esta linha. Sem querer ficar inventando só pra impressionar os outros jogadores. “Isso combina com um hobbit ladrão?”. Vai ser muito mais fácil.
Quanto à ambientação e à história descritas no livro, quem está mestrando deve seguir à risca?
Alguns responderiam, na lata, que sim. Eu discordo. Acho que o mestre tem total liberdade para criar em cima do que o livro apresenta. A própria “White Wolf” apresenta a sensacional “regra de ouro”: não existem regras. No final, a última palavra é do mestre. Ele tem que decidir o que vai tornar o jogo mais divertido pra todo mundo. Nem que, para isso, passe por cima das regras. Regras sux total! 🙂
Como escolher bem as melhores habilidades quando estou montando uma ficha ou quando recebo alguma evolução?
Fácil: nunca esqueça de quem seu personagem realmente é. Não pense em combos, em ser mais forte que o resto da mesa. Pense naquilo que combina com o personagem, que vai torná-lo mais real, mais vivo, mais tridimensional.
Aliás, baseado em quê se sabe quantos pontos de evolução alguém deve ganhar?
Você se refere aos “pontos de experiência”, ou XPs. Isso quem decide é o mestre. Cada sistema sugere uma forma diferente, mas, como eu já disse, a decisão final é sempre do mestre. Eu sempre analiso, a cada sessão de jogo, como foi a interpretação do cara, como ele contribuiu para a história, coisas assim.
Eu preciso sair por aí de sobretudo e batom preto pra ser uma RPGista de verdade?
Bwahahahahahahahahahahahahahahaha. Não, claro que não. Aliás, as pessoas que andam sempre assim e confundem realidade e ficção são responsáveis justamente pela péssima imagem que o RPG ganhou nos últimos anos.
Enfim, a dica de melhor jogo/sistema para iniciantes é…
Eu sempre aconselho começar pelo Storyteller, de Vampiro: A Máscara e afins. Além das regras serem bem mais simples, é um sistema que privilegia a interpretação – que é o elemento mais importante do RPG. Mais do que rolar dados ou dar golpes mirabolantes.
Agora que já tem uma noção do que é RPG, mãos à obra e bom jogo! Lembre-se que, como o El Cid diz, no fim das contas o que importa é se divertir! Só, por favor, não saia por aí babando sangue em velhinhas indefesas, pra depois reclamar que o RPG tem má reputação… ;o)
:: Leia mais:
:: Se ainda não captou a idéia direito, leia esse artigo, em que El Cid explica detalhadamente o que é RPG
|