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Harry Potter que se cuide. Afinal, no ano em que o bruxinho voltou com tudo aos cinemas num filme mais adulto e ousado, fazendo crescer novamente a euforia em torno do personagem, o jovem aprendiz de Hogwarts vai ter que enfrentar, pelo posto de maior bilheteria do ano, a concorrência desleal de um herói desastrado, cheio de defeitos e que costuma se balançar fantasiado pelos telhados da cidade. “Concorrência desleal” justamente por se tratar de Homem-Aranha 2, continuação que já chega aos cinemas rodeada de expectativa pelos fãs que, só pelo que puderam vislumbrar nos trailers, já gritaram aos quatro ventos: “vai ser demais!”. Pois podem parar de roer as unhas, caríssimos fanáticos: o filme realmente é demais. Aliás, respondendo de bate pronto à sua dúvida mais comum: sim, “Homem-Aranha 2” consegue ser muito melhor do que o primeiro. De longe.
O grande responsável pelo sucesso desta aventura, é claro, só podia ser novamente o diretor Sam Raimi. Fã confesso do personagem, o cineasta agora está livre da obrigação de apresentar os personagens a uma nova geração de fãs e encontra o espaço ideal para preencher a tela com referências que, além de enlouquecerem aqueles que conhecem o gibi original, ainda vão dar mais peso ao universo que gira ao redor de Peter Parker (Tobey Maguire, novamente perfeito no papel). Sim, Peter Parker – porque o maior mérito de Raimi é entender justamente que, para se ter uma boa história do Homem-Aranha, o protagonista deve ser o seu alter-ego magrelo e bobalhão, e não o super-herói mascarado. Em “Homem-Aranha 2”, as façanhas do cabeça-de-teia sempre ficam em segundo plano. Em destaque, estão os problemas financeiros de Parker e sua tia May (Rosemary Harris, simplesmente maravilhosa), sua relação conturbada com a amada Mary Jane Watson (Kirsten Dunst) e ainda o desejo de vingança do melhor amigo Harry Osborn (James Franco) contra o Aranha – que o jovem culpa pela morte de seu pai, Norman (Willem Dafoe). E, principalmente, a crise de identidade de Parker, que acaba culpando a existência do aracnídeo por ter virado sua vida de cabeça pra baixo.
Logo, é de se supor que o tão falado Dr.Octopus (Alfred Molina), o novo vilão da saga, seja uma espécie de coadjuvante de luxo. Verdade. Mas isso não tira o brilho da interpretação inspirada de Molina. Ou mesmo a adrenalina sufocante das sequências de luta entre o vilão e o Aranha no trem, na torre do relógio e nos telhados nova-iorquinos – tão rápidas e bem-executadas que chegam a tirar o fôlego. E, graças a Deus, sem precisar recorrer a qualquer daqueles efeitos tipo Matrix.
Raimi também consegue liberdade para exercer o seu lado mais experimental, brincando com ângulos de câmera e cortes de cena – além de fazer uma sequência inteira, quando uma equipe de médicos tenta retirar os tentáculos enxertados em Octopus, que é referência direta aos filmes da série Evil Dead. E é claro que Bruce Campbell, protagonista destes filmes e ator obrigatório de Raimi, volta a aparecer num ponta que é simplesmente de rolar de rir.
Por falar em risos, “Homem-Aranha 2” tem muito mais humor do que o primeiro filme. Humor sempre presente na maior parte dos gibis originais e do qual a maior parte dos fãs sentiu falta na película anterior. A história é toda inspirada nos quadrinhos estrelados pelo Aranha na década de 70: Parker vê sua vida desmoronar graças às suas façanhas como defensor dos fracos e oprimidos. Sem emprego estável, ele mora num cubículo sujo em NY e não consegue sequer ajudar a tia, prestes a ser despejada. Suas notas na faculdade estão despencando – afinal, o sujeito está sempre com sono e nunca consegue fazer os trabalhos. Para completar, ele ainda tem que ver Mary Jane, garota que secretamente ama, se envolver com John Jameson (Daniel Gillies), astronauta e filho do editor do Clarim Diário, J.Jonah Jameson (J.K.Simmons) – vejam só, justamente um dos sujeitos que mais odeiam o Homem-Aranha e que acaba usando seu jornal para difamar publicamente o herói. Só para completar, durante um experiência de fusão nuclear sancionada por seu amigo Harry, o brilhante Dr. Otto Octavius, que só buscava uma nova forma de energia para ajudar a humanidade, acaba causando um acidente e tem quatro tentáculos mecânicos implantados em seu corpo. É claro que Octavius enlouquece e se torna mais uma dor-de-cabeça para o teioso. Mas, numa cena inspirada na clássica capa desenhada por John Romita, Parker resolve abandonar o uniforme. E agora? Quem vai defender Nova Iorque?
Para quem conhece o gibi, alguns detalhes interessantes:
1) O Octopus de Molina se parece muito mais com a versão criada por Brian Michael Bendis em “Ultimate Spider-Man” (publicada atualmente no Brasil na revista “Marvel Millenium”, da Panini Comics). Totalmente maluco, Octavius meio que conversa com seus tentáculos – que chegam a sibilar como serpentes mecânicos. Brrrrrr, assustador. A única coisa inédita nos quadrinhos, no entanto, é a existência de uma esposa para o doutor, de nome Rosalie (Donna Murphy).
2) O diretor consegue dar maior ênfase ao núcleo do Clarim Diário. Não só Jameson, como Betty Brant (Elizabeth Banks) e Robbie Robertson (Bill Nunn) são melhor retratados. Por sinal, fica clara a tensão entre Robbie e Jameson quando o assunto é “Homem-Aranha”.
3) O inquilino do buraco que Peter chama de casa chama-se “Sr.Ditkovitch” – referência direta ao recluso co-criador do Homem-Aranha, Steve Ditko.
4) Por falar em criadores, Stan Lee volta a fazer uma ponta no filme. Pode ficar de olho.
5) O professor favorito de Peter na faculdade é ninguém menos do que Curt Connors (Dylan Baker). Nos quadrinhos, vale lembrar, Connors se torna o terrível vilão conhecido como Lagarto. Será que estaria aí uma dica de vilão para um terceiro filme?
Quanto ao final…bem, tudo que dá pra dizer é que vamos ter uma continuação. Sem sombra de dúvidas. Sem mais comentários.
Resumindo a coisa toda: como fã do Homem-Aranha há quase 15 anos, eu chorei. Quer dizer, não era isso. Vamos tentar de novo.
Resumindo a coisa toda: na verdade, não é só Harry Potter que vai ter que se preocupar com Peter Parker. Afinal, personagens de gibi como John Constantine (Keanu Reeves), Halle Berry (Mulher-Gato) e Justiceiro (Thomas Jane) ainda vão tentar mostrar serviço nos cinemas até o final do ano. Depois de “Homem-Aranha 2”, é bom estes caras todos darem um belo trato nos uniformes e fazer o serviço direito. Porque Sam Raimi conseguiu, mais uma vez, fazer um filme de super-herói sensível e delicado, sem exageros, no qual o ser humano por trás da máscara é o ator principal. Coisa de fã mesmo. Definitivamente, os nerds estão dominando Hollywood. Graças a Deus.
(PS: Mas que eu chorei, isso eu chorei)
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