“Há uma quinta dimensão além daquelas conhecidas pelo Homem. É uma dimensão tão vasta quanto o espaço e tão desprovida de tempo quanto o infinito. É o espaço intermediário entre a luz e a sombra, entre a ciência e a superstição. E se encontra entre o abismo dos temores do Homem e o cume de seus conhecimentos. É a dimensão da fantasia. Uma região… Além da Imaginação”.
Poucas séries de tevê foram tão longe quanto Além da Imaginação. Produzida numa época ímpar da história ocidental, os tumultuados anos cinqüenta e sessenta, o seriado atingiu em cheio o âmago das pessoas e fez aflorar nelas o pavor mais ancestral do Homem: o do desconhecido. Guerra atômica iminente, avistamentos de OVNIS e o medo de uma invasão alienígena, a perseguição aos comunistas, a corrida espacial; isso tudo mexia com o imaginário do espectador, que era diariamente bombardeado por diversos questionamentos existenciais e que, por conseguinte, não sabia de qual lado viria a destruição final tão alardeada.
Rod Serling, o mítico criador da série, soube explorar esses pavores diversos, transformando-os em pioneiras histórias que compuseram os episódios dessa que se transformou numa das produções mais vistas e copiadas de todos os tempos: A Zona do Crepúsculo ou, conforme conhecida no Brasil, ‘Além da Imaginação’.
:: SERLING, O CRIADOR DE ALÉM DA IMAGINAÇÃO
O imaginativo ‘Rodman Edward Serling’, filho de um comerciante do ramo de carnes, nasceu em 1924 na cidade de Syracuse (Nova Iorque), mas foi criado em Binghamton. Apesar do desinteresse inicial por livros, ‘Serling’ e o irmão mais velho, ‘Robert’, apaixonaram-se por filmes e por revistas de ficção científica, tais como a Astounding Stories.
Depois de completar o colegial, alistou-se no exército e acabou por engajar-se na Segunda Guerra Mundial. Ferido por um estilhaço de granada, o futuro criador da série foi dispensando em 1946, quando entrou na universidade Antioch College, em Ohio, para estudar Educação Física. Logo se desinteressou pelo curso e mudou-se para o de Letras, no qual cursou Idiomas e Literatura.
O amor pela escrita começou a aflorar e, subitamente, ‘Serling’ viu-se trabalhando em uma estação de rádio local, para a qual escrevia, dirigia e atuava num programa semanal. Ainda na faculdade, escreveu tanto que também chegou a produzir scripts para tevê, dentre os quais, de forma inédita, conseguiu vender Grady Everett for the People para a NBC; material que foi usado na série Stars Over Hollywood entre 1950 e 1951.
Em 1948 casou-se com Carolyn Kramer e, após ter se formado na faculdade, mudaram-se para Cincinnati. Lá passou a escrever para uma rádio, a WLW, época em que viu diversos de seus roteiros televisivos serem rejeitados. O reconhecimento veio somente em 1955, quando Serling vendeu Patterns, um roteiro usado no programa Kraft Television Theatre. O episódio foi um sucesso de crítica, ao passo que o primeiro Emmy da carreira de ‘Rod’ foi ganho. Passou, então, a escrever roteiros para a MGM e para o famoso programa da CBS: Playhouse 90. Produziu, por exemplo, o episódio-piloto dessa série, Forbidden Area, e o premiado Requiem for a Heavyweight ganhador do ‘Emmy’.
Em 1957 deixou ‘Playhouse 90’ para se dedicar a uma nova série, ‘Além da Imaginação’, que seria concebida, escrita e apresentada por ele.
:: HORROR ANCESTRAL: A ALMA DA SÉRIE
As temáticas dos episódios de ‘Além da Imaginação’ têm a ver como os medos ancestrais do Homem, principalmente com o medo do desconhecido. Pessoas comuns, do dia a dia, são surpreendidas por situações inusitadas e, ao sofrerem algum tipo de alteração em seu paradigma humano, mudam; quer seja para melhor ou para pior. Quase que constantemente a humanidade existente em nós é colocada em xeque; nossas certezas e nossa aparente segurança são rapidamente contestadas e, por conseguinte, vão por água abaixo. A máxima Shakespeareana, por meio da qual supostamente existem mais coisas entre o Céu e a Terra do que a vã Filosofia, sempre permeia as tramas do seriado. Quase nada está, como entendia ‘Serling’, realmente sob nosso controle.
Uma das fórmulas de ‘Além da Imaginação’ reside no fato de se colocar o ser humano, qualquer pessoa típica, à frente de si próprio como se esse se olhasse no espelho e visse o pior que existe em nós, embora o melhor estivesse bem ali na esquina. Como resultado, o criador nos conduz ao seguinte questionamento: será que, apesar de alienígenas, de monstros e de toda a sorte de esquisitices sobre-humanas, o temor verdadeiro não se encontra em nós mesmos, quando ficamos frente a frente com nossos próprios limites, imperfeições, maldades e moralismo?
Serling, gênio que foi, colocava o homo sapiens numa posição incômoda e mostrava que há mais no mundo do que se pode ver com olhos humanos.
A marca registrada, além da abertura antológica e da apresentação feita pelo próprio criador, são os finais surpreendentes. Se você, caro leitor, achou o final de O Sexto Sentido diferente, saiba que cada episódio de ‘Além da Imaginação’ procura dar uma guinada de 180 graus na mente do espectador. O fã já sabe, de antemão, que não deve tentar adivinhar nada previamente, tampouco seguir uma linha de raciocínio lógica (não se trata de Jornada nas Estrelas!).
:: OS EPISÓDIOS
A série, produzida pela CBS, foi inaugurada em 1959 com o episódio Where is Everybody (Onde Estão Todos?) no qual a solidão, um de nossos temores, é discutida. Um homem se descobre só numa cidade e não se lembra de como foi parar lá. Desesperado, faz de tudo para achar alguém. O final, surpreendente, é de estremecer e mostra que não estamos tão preparados assim para enfrentar o desconhecido. O enredo foi escrito por ‘Serling’ em pessoa.
Os capítulos são apresentados em branco e preto, mas com bela fotografia, direção competente (Richard Donner, de Os Goonies, dirigiu seis) e iluminação meio expressionista, e têm duração aproximada de 25 minutos. Na quarta temporada, porém, passaram a dispor de cinqüenta minutos. A trilha sonora, composta por magos como Jerry Goldsmith, Bernard Herrmann e Marius Constant, cai como uma luva. Gosto particularmente dos dois temas intitulados como Jazz Theme, os quais podem ser ouvidos em diversos momentos.
Há pequenas obras de arte no seriado que, indiscutivelmente, influenciaram os futuros (atuais) escritores do gênero. São episódios cujas realizações brindam o espectador com belas histórias. A Beleza Está Nos Olhos De Quem Vê (The Eye Of The Beholder), por exemplo, é um espetáculo visual de sombras e de sugestão no qual se mostra uma distopia similar à que pode ser lida em Admirável Mundo Novo, obra do britânico Aldous Huxley. O Monstro Da Rua Maple (The Monsters Are Due on Maple Street) revela que nosso maior inimigo somos nós mesmos, e que, para se dominar um planeta, não são necessárias naves imensas como as de The Independence Day. A coisa é bem mais sutil e está sob nossos narizes.
A ficção científica reina absoluta nos enredos, cheios de robôs, de discos voadores e de viagens no tempo, mas também podemos constatar temáticas como o velho oeste americano, as guerras mundiais e até mesmo a imortalidade. A maioria das histórias, cinqüenta por cento pelo menos, foram escritas pelo próprio ‘Serling’, cuja mente brilhante fervilhava de idéias. Noutros casos, adaptava-se obras de escritores conhecidos como Richard Matheson, Ray Bradbury e Charles Beaumont.
Alguns atores, hoje famosos, começaram a despontar em ‘Além da Imaginação’. Os nomes são diversos: William Shatner, Robert Redford, Burt Reynolds, Dennis Hopper, Roddy McDowall, dentre outros.
:: O CANCELAMENTO E AS CONTINUAÇÕES
Após 156 episódios, que foram ao ar de 1959 a 1964 e perfizeram 5 temporadas, a série foi cancelada. Haja idéias para tamanha quantidade de material! A produção recebeu diversos prêmios, tais como os tão falados Emmy e Hugo. Influenciou inúmeros diretores da atualidade, Steven Spielberg que o diga, e incentivou muita gente a escrever para a tevê. Além disso, criou uma estética que é seguida até hoje, basta ver, por exemplo, programas como Amazing Stories, Creepshow, Tales from the Crypt, Nightmares, Quarto Escuro e Night Visions.
Em 1970, Serling apareceu com outro programa mais ou menos similar ao original: Night Gallery (Galeria do Terror), para o qual escreveu e apresentou. Infelizmente, as rédeas do show foram tomadas das mãos de Rod que, descontente, passou a não mais trabalhar nele.
Em 1983 a Warner, Steven Spielberg e John Landis produziram No Limite Da Realidade (Twilight Zone: The Movie), um longa-metragem dividido em quatro partes, cada qual como se fosse um episódio da série. Tributo ao trabalho de ‘Serling’, cada segmento foi dirigido por um diretor diferente: Landis, Spielberg, Joe Dante e George Miller. Infelizmente, a película não foi muito bem aceita pelos críticos, que se aproveitaram de um acidente, ocorrido durante as filmagens e que vitimou o ator Vic Morrow, para o desmerecimento do trabalho.
Em 1985 a ‘CBS’ resolveu produzir a nova ‘Além da Imaginação’ (chegou a passar no Brasil), colorida e mais dinâmica, que esteve sob a tutela de um criativo autor de ficção científica, Harlan Ellison, e que dispôs das participações de nomes como Wes Craven, William Friedkin e Joe Dante. Alguns episódios clássicos foram refeitos e outros, novos, produzidos.
Em 2002 uma nova série foi criada. Apresentada por Forest Whitaker e com gente como Jonathan Frakes (William Riker de Jornada nas Estrelas: A Nova Geração) na direção, a nova produção foi cancelada ainda na primeira temporada. Com enredos fracos e até mesmo bobos, de ‘Além da Imaginação’ recebeu somente o nome.
Infelizmente, amigos leitores d´A ARCA, nos dias atuais aquele medo que povoava o imaginário das pessoas nos anos sessenta não mais existe. Hoje não há mais a Guerra Fria, a corrida espacial estagnou-se e o holocausto nuclear não é uma realidade. Será que o material de trabalho, farto àquela época, não existe mais? Ou será que a falta do criador é a culpada?
Serling faleceu no dia 28 de junho de 1975, aos 50 anos de idade. Fumante inveterado e workaholic assumido, ele chegava a virar madrugadas escrevendo, pois temia que sua criatividade se esvaísse. Rod deixou a todos com aquele gostinho de quero mais e tornou-se uma lenda da televisão mundial. Ele ensinou para nós que muita criatividade e um pouco de efeitos visuais foram suficientes para gerar uma lenda. A tevê, de certo, nunca mais foi a mesma após ‘Além da Imaginação’.
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