Em 1969 surgiu o grupo que mudou a forma de se fazer comédia na tevê e no cinema: o lendário Monty Python. O sexteto inovou o tema com um humor visual, mas ao mesmo tempo textual e crítico. Ridicularizações às diversas instituições inglesas (e ocidentais), como a Igreja, os executivos engravatados, a polícia, o exército e até mesmo a realeza Britânica, andaram lado a lado com o nonsense comandado por puro besteirol.
Depois deles o humor nunca foi o mesmo, uma vez que influenciaram gerações de comediantes dos quais destacamos o pessoal do Saturday Night Live e do Kids in the Hall. Prepare-se para adentrar, através d´A ARCA, no abilolado mundo dos Pythons ou, então, falaremos Ni para você!
:: COMO TUDO COMEÇOU
John Cleese, Graham Chapman, Michael Palin, Terry Jones, Eric Idle e Terry Gilliam. Estes são os nomes dos indivíduos que se tornaram conhecidos por meio do ‘Monty Python’, grupo humorístico que começou a ser formado na época de faculdade de seus integrantes. Cleese e Chapman eram colegas na Universidade de Cambridge; o primeiro estudou direito e o segundo, medicina. Palin, estudande de História, e Jones encontraram-se em Oxford. Além das atividades relativas aos respectivos cursos, eles detinham o gosto em comum por escrever e pela comédia.
O tempo passou e não demorou muito para que os futuros membros do grupo se encontrassem e se conhecessem. De fato, iniciaram a produzir textos cômicos que de tão bons levaram-nos além da universidade; aos primeiros programas de tevê pré-Python, tais como o lendário The Frost Report – entre 1966 e 1967 – para o qual escreveram sketches humorísticas. O comediante Eric Idle, aliás, conheceu alguns de seus futuros companheiros naquela fase.
Juntos ainda produziram, após o cancelamento de ‘The Frost Report’, alguns programas memoráveis nos anos que se seguiram: At Last The 1948 Show, Late Night Line-Up, Complete and Utter History of Britain, How to Irritate People, The Magic Christian e outros. Em 1969 o grupo se decidiu por lançar um novo show criado exclusivamente por eles e para o qual os próprios escreveriam ao bel prazer, mas, o mais importante, também atuariam nos diversos papéis que surgissem. A idéia agradou ao produtor Barry Took, que os ajudou a concretizar o sonho.
Na primavera de 1969 foi ao ar, pela primeira vez, o programa Baron Von Took´s Flying Circus, em agradecimento à ajuda que lhes foi dada, recheado de sketches humorísticas produzidas por eles. Foi um tremendo sucesso e logo ganhou um horário fixo na grade de programação da BBC, ocasião em que teve o nome alterado para Monty Python´s Flying Circus. Uma curiosidade que muita gente sequer imagina: o novo nome do grupo resultou da co-autoria de Eric Idle e de John Cleese. Cleese sugeriu o nome ‘Python’ (espécie de cobra Australiana), talvez pela sonoridade, ao que Idle sugeriu ‘Monty’ (um nome próprio), pois se lembrou de um sujeito gordo e desengonçado que, sempre ao chegar a um determinado pub, perguntava ao barman se Monty havia estado ali. Todos gostaram do nome e eis que o programa foi rebatizado.
:: UM CIRCO AÉREO?
A trupe escrevia e atuava simultaneamente. Chapman e Cleese bolavam sketches em conjunto, ao passo que Palin e Jones também. Eric Idle, futuro compositor das músicas do grupo e escritor solitário, tinha dificuldades para fazer seu material ir ao ar, porque estava sempre em minoria. O programa era dirigido pelo ator-produtor-diretor Ian MacNaughton, falecido em 2002 devido a um acidente automobilístico.
Nossa! Esqueci-me de Terry Gilliam! Imperdoável! Sim, Gilliam foi o único estrangeiro a fazer parte do grupo. Americano que era, conheceu John Cleese em Nova Iorque numa turnê humorística do inglês, oportunidade em que o trabalho artístico do yankee foi-lhe mostrado. No início do ‘Monty Python’, Cleese soube que Gilliam estava de mudança para a Inglaterra por causa de outros trabalhos – e logo o contratou para criar os famigerados desenhos e vinhetas do programa, que eram colagens as mais diversas, com os quais estamos acostumados. Mas não pensem vocês, caros leitores, que a coisa parava por aí, porque quando o americano atuava, mostrava-se um dos mais desmiolados do grupo. Não duvidem! Vejam, por exemplo, a sketche da Inquisição Espanhola no one expects the Spanish Inquisition! – e comprovem.
Um dos charmes da trupe reside no fato de se travestirem e de se disfarçarem dos mais diversos personagens, especialmente de mulheres, para que atuassem em seus quadros humorísticos. O episódio em que vemos o supervilão Mr. Neutron, por exemplo, mostra engraçadíssimas velhinhas fofoqueiras e, adivinhem, vividas pelos próprios. É simplesmente hilário!
Apesar dos personagens travestidos, houve uma mulher real no grupo e que mulher! Trata-se de Carol Cleveland, considerada como o sétimo integrante do ‘Python’, uma linda loura inglesa que punha os homens na linha e fazia o contraponto nos episódios.
:: ESCULACHO TOTAL
O material de trabalho do grupo lançava farpas aos quatro ventos. O pioneirismo do ‘Python’ estava, em grande parte, no ataque aos convencionalismos e às tradições britânicas, muitas das quais forjadas na época Vitoriana. A Igreja, a polícia, o feminismo, os banqueiros, a medicina, o sexo, a pompa inglesa, o imperialismo norte-americano e até mesmo a rainha Elizabeth eram sumariamente massacrados por eles.
Outra parte do humor, porém, advinha de puro material nonsense, o famoso besteirol, como no episódio em que se mostra ao espectador o Ministério do Andar Tolo (Ministry of Silly Walks). Também como no episódio em que Michael Palin, apresentador de um programa sobre ciência cerebral, o It’s the Mind, discorre sobre o tema do Deja-Vú e, de forma inédita, acaba por sofrer do fenômeno ali mesmo durante a apresentação. Totalmente infame!
Os quadros do grupo, hoje antológicos, foram muito bem aceitos durante as primeira e segunda temporadas. No período que se situa entre a segunda e a terceira, importante comentar, lançou-se o primeiro longa-metragem, Monty Python’s And Now For Something Completely Different, que foi, na verdade, uma grande refilmagem de alguns sketeches já vistos no seriado. Por incrível que possa parecer, o filme aportou primeiro nos Estados Unidos, ao passo que a série apareceu depois. Os americanos, especialmente os jovens, aceitaram bem o humor do ‘Python’, apesar do sotaque e das diferenças sutis do inglês britânico para o inglês yankee.
:: CANCELAMENTO DA SÉRIE
Durante a terceira temporada, em 1973, uma bomba explode: John Cleese, um dos cabeças do grupo, decide-se por abandonar a trupe para partir para trabalhos solos, além de achar que o material humorístico se repetia.
Embora a notícia os tenha abalado, o restante do ‘Python’ decide-se por continuar, e a quarta temporada é, então, produzida. Infelizmente, a ausência de ‘Cleese’ é visível e não apenas como um trocadilho de minha parte, porque as piadas já não apresentam a mesma graça e parecem, nalguns casos, arrastar-se demasiadamente.
Nessa ocasião eles lançam um especial para a tevê, o Monty Python’s Fliegender Zirkus, que consiste de duas aparições dos ingleses na tevê alemã, gravadas em 1971 e em 1972. Em alguns dos sketches, acreditem, eles até falam o idioma germânico.
Após 45 episódios, um especial e um longa-metragem, o grupo se separou em dezembro de 1974.
:: DEMAIS LONGA-METRAGENS & APRESENTAÇÕES
Não demorou muito e a turma novamente se reuniu para a realização do segundo filme do bando: Monty Python and the Holy Grail (Monty Python e o Cálice Sagrado), que foi lançado em 1975. Repleto de nonsense de cabo a rabo, o longa-metragem fez sucesso ao destruir a maior das lendas britânicas, a do Rei Arthur. Os Cavaleiros da Távola Redonda, que cavalgam cavalos imaginários, o valente Cavaleiro Negro, que não se dá por vencido depois de ser esquartejado, o inóspito resgate encabeçado pelo bravo Lancelot, Sir Galahad e a tentação vivida no Castelo Anthrax, A Besta Negra de Aaaarrghh a la Gilliam, a Santa Granada de Mão, os franceses de sotaque terrível, e diversos outros personagens hilários compuseram um dos filmes mais engraçados da história do cinema. Curiosidade: a produção foi co-dirigida pela dupla Jones-Gilliam.
Ainda que o besteirol reinasse, houve espaço para algumas críticas nas entrelinhas; marca registrada do ‘Python’. O final, surpreendente, propõe que, se acreditarmos muito em algo, realmente, por mais que seja sem sentido para outrem, para nós será verdadeiro.
Passados alguns anos, em 1979, o grupo se reúne novamente para o lançamento do terceiro filme: Monty Python´s Life of Brian (A Vida de Brian). Uma sátira à história de Jesus Cristo, o longa-metragem está cheio de referências bíblicas que acontecem, de maneira inusitada, com Brian (Graham Chapman): um judeu que teve a sorte (ou o azar?) de nascer num local próximo ao de Jesus e na mesma data. Resultado: pelo resto da vida, ‘Brian’ é confundido com o grande mestre. Há passagens espetaculares na película: um Pôncio Pilatus (Michael Palin) que fala errado, extraterrestres que salvam Brian de uma queda fatal, a esmola para um ex-leproso, o voto de silêncio do ancião, bem como todo o tipo de bagunça com a qual estamos acostumados. ‘A Vida de Brian’, um filme genuinamente ateu, recebeu severas críticas à época, especialmente oriundas de fanáticos religiosos que não entenderam a brincadeira.
Em 1982 o grupo se reuniu de novo e se apresentou ao vivo no famoso Hollywood Bowl. Foi uma loucura! Lotação esgotada e mulheres atirando calcinhas para os integrantes. Verdade! Nessa apresentação, o ‘Monty Python’ realizou algumas sketches ao vivo e apresentou outras previamente gravadas. O quadro do jogo de futebol entre os filósofos alemães e gregos é formidável. A performance da canção do Lenhador é outro dos pontos altos do show. A apresentação foi gravada em vídeo e lançada sob o título de Monty Python: Live at the Hollywood Bowl.
No ano seguinte, 1983, o ‘Python’ reuniu-se mais uma vez para a realização do quarto longa-metragem. Trata-se do ótimo Monty Python’s The Meaning of Life (O Sentido da Vida), uma coleção de sketches nas quais o grupo questiona com o espectador o motivo de nossa existência na Terra. De onde viemos? Aonde iremos? Qual o motivo da vida?. As piadas iniciam-se no momento do nascimento, passam pelo ingresso na escola, pela maturidade, pela morte e vão ao post mortem. A cena do nascimento, inclusive, é pândega. Outro quadro fantástico tem a ver com um sujeito gordo que entra num restaurante, Mr. Creosote (Terry Jones), e, mesmo não cabendo mais nada em seu estômago, come e vomita incessantemente. A doação de rim com o sujeito ainda vivo é o must noutro dos sketches. Alguns números musicais também compõem esse longa-metragem que selaria a união do grupo para sempre. Ah! Quer saber qual o sentido da vida? Simples! Conforme dá para perceber ao assistir ao filme, a vida não tem sentido. É, coisa dos ‘Pythons’!
Infelizmente, no dia 4 de outubro de 1989 aconteceu o que os membros do ‘Monty Python’ chamaram de uma piada de mau gosto: a morte prematura de Graham Chapman aos 48 anos de idade. O comediante veio a falecer por causa de um câncer que lhe tomou a garganta e parte da coluna. O derradeiro trabalho do ator, o piloto da série de tevê Jake´s Journey, datou de 1988. Homossexual declarado e ex-alcóolatra, Chapman deixou órfão um dos maiores grupos humorísticos da história. Aqui cabe um trocadilho mais do que infame, pois a maioria dos membros da trupe eram altíssimos – ‘John Cleese’, por exemplo, mede 1,95 metros!
Ocorrida a separação, cada qual foi para o seu canto, como bem sabemos. A maioria continuou e continua até hoje nos meios cinematográfico-televisivo, tendo como exemplos de maior sucesso o comediante John Cleese (participando de papéis memoráveis em filmes como Um Peixe Chamado Wanda, além de participações especiais em filmes como 007: Um Novo Dia Para Morrer e Harry Potter e a Câmara Secreta) e o diretor Terry Gilliam (que dirigiu obras primas como Brazil – O Filme, e Os 12 Macacos).
O ‘Monty Python’, através de seu humor ferino e nonsense, deixou a própria marca nos anais do cinema e da tevê. Eles, os seis, são a maior prova de que se pode fazer humor de alto nível sem que haja a necessidade de recorrer-se às baixarias tão sedutoras. Provaram ser possível parodiar a História, de forma inteligente e maluca.
Só posso imaginar o que mais teriam produzido se ‘Chapman’ não morresse. É, nesse exato momento, o Céu ou o Inferno está de cabeça para baixo!
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