|
Monte Cook é, hoje, uma unanimidade. Depois de planejar e lançar a tão falada 3ª versão do famoso Dungeons & Dragons, o designer de jogos cativa os fãs de RPG com seu carisma e seu conhecimento do mundo do RPG. Consegui que o cara tirasse alguns minutos para responder algumas perguntas. E a entrevista é show de bola, olha só:
A ARCA: Vamos começar do começo: como, por quê e quando você começou a trabalhar com RPG?
Monte Cook: Bem, um amigo meu visitou a Origins (uma grande convenção de RPG nos EUA) enquanto nós ainda estávamos na faculdade, em 1988. Na época, nós jogávamos Rolemaster, um jogo de fantasia desenvolvido pela Iron Crown Enterprises. Nessa convenção, esse meu amigo foi ao estande da ICE e conversou com o pessoal lá. Eles disseram que estavam procurando por um livro de monstros, e deram as guias do escritor para o meu amigo.
Ele trouxe essas informações de volta e me encorajou a trabalhar em cima disso. Eu acabei escrevendo uma proposta para o pessoal da ICE e, um mês depois, um editor me chamou e disse que estava interessado em meu material.
Então eu escrevi Creatures and Treasures II, um suplemento para ‘Rolemaster’. Quando ‘Creatures and Monsters II’ já estava à venda e os editores já haviam passado para novos projetos (meu editor foi Kevin Barrett, um grande amigo até hoje), eu enviei uma carta à ICE com novas propostas, novas idéias que eu tinha. Eles acabaram gostando de uma delas e pediram que eu começasse a escrever. Então surgiu um crossover entre ‘Rolemaster’ e Space Master, chamado Dark Space.
Quando eu me formei, escrevi novamente para a ICE, agora perguntando se eu poderia trabalhar lá. Eles disseram que tinham uma vaga de estagiário, que duraria o verão todo. Então, durante três meses eu fiz tudo o que ninguém na ICE queria fazer. Mas eu trabalhei duro, recebendo quase nada de salário, e lutei para me tornar indispensável para a empresa. Deve ter funcionado pois, logo que o período de estágio acabou, eu acabei recebendo a proposta de ser contratado! Alguns anos depois, eu deixei a empresa para trabalhar como escritor freelance, e acabei trabalhando na TSR. A TSR acabou comprada pela Wizards of The Coast alguns anos depois disso, e eu preferi sair e começar minha própria companhia, a Malhavoc Press.
E se você me perguntar o porquê disso, bem, quem não gostaria de transformar seu hobby em trabalho? Sério, é o melhor trabalho do mundo, pelo menos para mim.
AA: Qual o primeiro jogo que você desenvolveu?
MC: Se você estiver falando de um jogo completo e que tenha sido publicado, realmente teria que dizer o D&D 3ª Edição. Até este ponto, eu só havia feito aventuras e suplementos para jogos já existentes. Agora, se você quiser saber de algum jogo não publicado, eu acredito que o primeiro jogo que eu desenvolvi foi um jogo de tabuleiro quando eu tinha entre 5 e 6 anos de idade, jogago com cards de baseball e dado, e o tabuleiro era desenhado numa folha de papel.
Agora, o primeiro produto para um jogo, sem ser um sistema inteiro, realmente seria ‘Creatures and Treasures II’, como eu havia comentado antes.
AA: Agora uma pergunta difícil. Dos jogos que você já desenvolveu, qual é seu favorito?
MC: Provavelmente eu diria Arcana Unearthed. É realmente um produto com diferente do que as outras companhias estão desenvolvendo, e um dos objetivos da Malhavoc é oferecer um material original e interessante.
AA: Não é comum um desenvolvedor de jogos se tornar tão famoso entre os fãs, mas o nome ‘Monte Cook’ é conhecido por praticamente todos os jogadores. Como você explica isso?
MC: Olha, eu não sei se isso é realmente verdade. Eu imagino que se você entrar numa loja especializada em jogos e RPG e mencionar meu nome, muitos sequer saberão quem sou eu. Se eu fiz um nome, uma reputação, espero que ela esteja ligada à qualidade.
Francamente, eu acho que qualquer reconhecimento que eu possa ter provavelmente veio pelo meu trabalho com a 3ª edição do ‘D&D’, que vendeu extremamente bem. Um fato que pode ter influenciado essa fama também é o fato de que sempre estou indo a convenções e conhecendo pessoas, tenha meu próprio website, e frequente vários websites, postando meus comentários, respondendo perguntas, e assim por adiante.
AA: Você desenvolveu a versão d20 de ‘Call of Cthullu’ e, através da Malhavoc Press, publica diversos suplementos para esse sistema. Todo esse comentário sobre o d20… você realmente acha que um sistema genérico “aberto” vai fazer alguma diferença no universo do RPG? Eu tenho ouvido alguns críticos dizendo que o d20 é o futuro, e que irá destruir muitos sistemas considerados “arcaicos”…
MC: Eu acho que o d20 já mudou muita coisa. É só olhar nas prateleiras das lojas especializadas e notar que realmente há um impacto. Há muito mais material novo de d20 do que qualquer outro sistema. Muito mais. Pessoalmente, eu acho a idéia do d20 sensacional. Bem, sensacional para aqueles que realmente se importam. Eu acho que os jogadores têm mais produtos para escolher agora do que no passado. É ótimo para desenvolvedores e editoras, claro, pois temos a oportunidade de colocar nossos produtos para nosso sistema favorito sem ter que passar pela Wizards of the Coast. E é ótimo para a WotC pois todos esses produtos apóiam os seus livros principais e mantém as pessoas jogando.
Mas eu não acho que isso vá destruir os outros sistemas antigos. Fãs de GURPS ainda são fãs de GURPS e fãs de Champions ainda são fãs de Champions. Se o d20 fez algo, foi tornar o surgimento de novos sistemas, que não sejam d20, de serem lançados e construir uma nova base de fãs. Claro que publicar um novo sistema de RPG e fazer com esse sistema se transforme num sucesso estrondoso já é muito díficil, então fica complicado julgar.
AA: Steve Jackson, em uma entrevista exclusiva para A ARCA, disse: “Eu não considero o sistema d20 genérico. Em primeiro lugar, muitos livros de d20 não são nem compatíveis entre si”. Você concorda?
MC: Eu concordo, mas apenas porquê não acredito que qualquer jogo possa ser totalmente genérico. Todo sistema tem aquilo que eu chamo de “bagagem de design do jogo” que às vezes funciona, mas em outros casos não tem apelo ao jogador ou ao universo sendo jogado. “Genérico” sugere algo que possa ser todas as coisas para todas as pessoas sem que seja necessária nenhuma modificação.
Mas nosso objetivo nunca foi criar um sistema genérico. Nós nos comprometemos a fazer do D&D o melhor D&D que jamais houve. O d20 foi desenvolvido em cima desse sistema. Eu acho que vários jogos baseados no d20 que estejam hoje nas prateleiras, de todos os gêneros, muitos diferentes das fantasias heróicas que estamos acostumados com o D&D, mostram o que designers talentosos, como aqueles que trabalham nos sistemas de Star Wars, Spycraft, Mutants and Masterminds, etc, podem fazer qualquer coisa com a mecânica do jogo. Acredito que isso mostra que o “Santo Graal” do verdadeiro sistema genérico nunca foi a melhor maneira de ver as coisas. Pegue as regras principais de um jogo popular (nesse caso, o jogo mais popular) e mexa nelas até que ela sirva para suas necessidade. Esse é o grande segredo.
AA: Goste ou não, temos que concordar que o d20 é a chance que todo autor precisava para publicar seu próprio trabalho. Vamos supor que eu crie meu próprio RPG baseado no sistema d20: como faço, então, para publicá-lo?
MC: Encontre uma editora. Não tente publicar por conta própria. Já há muitas editoras tentando publicar seus trabalhos para o sistema d20 hoje em dia. Entre em contato com editoras com reputação e respeitáveis como Green Ronin, Atlas Games ou Mystic Eye Games, por exemplo, e envie a eles sua proposta de idéias para um jogo. Talvez eles se interessem. Ah, aproveitando a deixa, no entanto, a Malhavoc Press não está procurando por material de fora, no momento.
AA: Sr. Cook, você poderia dar algumas dicas para os novos autores de RPG?
MC: Eu costumo receber muitas perguntas sobre como entrar nessa indústria de RPG, e a dica que sempre dou é tentar publicar um artigo na revista Dragon (*Nota do El Cid: Não é a ‘Dragão Brasil’, não, viu? Digo isso só para não gerar confusão…) ou na Dungeon. O motivo pelo qual digo isso é porquê é uma das melhores maneiras para conseguir um pouco de experiência e também de divulgação. Do jeito que a indústria se encontra hoje, se você não tiver experiência e nenhuma reputação com seu nome e ainda quiser lançar sua própria empresa d20, o público não terá razão alguma para confiar no seu trabalho – se ele será bom ou não – pois não há nenhum material seu em que eles possam se basear. Então use os canais atuais primeiro; eles poderão levar a coisas maiores no futuro. Para ajudar, você pode encontrar o guia do escritor no website da Paizo Publishing.
E para aqueles que já estão praticamente com o pé na indústria ou que acaba de entrar nesse universo, eu diria para vocês sempre terem como meta a qualidade. As pessoas compram qualidade. Elas não perderão tempo com esquemas e enrolações, e são espertas o suficiente para ver através de você se não souber o que está fazendo ou se apresentar seu trabalho de maneira amadora.
AA: Bem, você é um dos desenvolvedores, como já foi dito e repetido, da 3ª edição de D&D. Qual foi a parte mais difícil em adaptar um clássico?
MC: A maior dificuldade foi transformar o jogo em um sistema mais linear, mais jogável, sem alterar os aspectos que todos adoram. Nós temíamos que pudéssemos perder muitos jogadores que já tinham as edições anteriores de D&D por causa dessas mudanças. Mas fomos agraciados – não na totalidade, claro, mas em grande parte – pois muitos jogadores antigos aceitaram as mudanças que fizemos, e ficaram satisfeitos.
AA: E o que você acha do novo “Dungeons & Dragons 3.5”? Ele é realmente melhor que a 3ª versão ou é apenas algo do tipo “vamos fazer mais dinheiro”?
MC: Bem, eu fiz um longo review da versão 3.5. Você pode dar uma olhada no meu site, nesta URL: www.montecook.com/review.html.
AA: Você ajudou a desenvolver as versões da Marvel e da DC do jogo “Heroclicx” (que, em minha opinião, estão espetaculares). Isso significa que você também é um grande fã de quadrinhos, certo? Quais títulos que você lê?
MC: Eu adoro hqs e sou fã desde que me conheço por gente. Hoje em dia, eu leio Powers, Hellboy, Planetary, Os Novos X-Men, Bone, Lucifer, Vingadores, Y The Last Man e qualquer coisa feita por Alan Moore e Frank Miller. Outros escritores que admiro são Grant Morrison e Neil Gaiman.
AA: Como é sua rotina? Isto é, descreva um dia comum na vida de Monte Cook.
MC: Eu levanto perto das 9 da manhã, e vou direto ao meu computador, para dar uma olhada nos emails. Eu recebo uma faixa de 100 emails por dia, então isso leva uma média de uma a duas horas, particularmente se eu também tiro um tempinho para olhar as mensagens deixadas no meu site. Ah, eu também me atualizo com as notícias do dia-a-dia. Geralmente, Sue e eu fazemos ginástica por uma hora enquanto assistimos a alguns DVDs, como Arquivo X e Babylon 5. Depois do almoço, eu começo a escrever, descansando apenas na hora do jantar ou para ver um filme junto com Sue, jogos ou apenas dar uma volta com amigos. Eu costumo ir dormir muito tarde. Eu tento colocar minha leitura em dia, lendo algum livro por meia hora ou uma hora antes de dormir.
AA: Quantas horas você escreve por dia?
MC: Como você pode ver, eu trabalho por altas horas. Mais do que eu gostaria. Provavelmente trabalho de 10 a 12 horas por dia, quando tudo está certo. A Sue lida com a parte administrativa, mas faço muitas coisas além de escrever, que já é um trabalho em tempo integral (além disso, eu escrevo uma coluna para a ‘Dragon Magazine’ todo mês, uma história seriada na Game Trade Magazine também todo mês, e conteúdo para internet toda semana). É muito, eu sei. Mas estou feliz com isso.
AA: Você acha um risco fazer do seu hobby o seu trabalho? Por exemplo: nos fins de semana, você ainda joga RPG com seus amigos?
MC: Eu fico impressionado com pessoas que realmente curtem RPG e descobriram que não têm mais tempo para jogar. É ainda minha paixão. É sensacional o que uma sessão de RPG pode fazer com sua criatividade. Eu jogo pelo menos uma vez por semana e estou sempre ansioso pela próxima sessão. Mas a percepção que tenho do jogo mudou, sem dúvida. Há aspectos profissionais agora. Quando eu crio algo para um novo jogo, esse elemento pode acabar em um novo produto. Meus jogos são, em sua maioria, com designers de RPG e editores, e isso muda tudo; muda as expectativas. Mas ainda é muito divertido.
AA: Para terminar, gostaria que você me falasse mais sobre essa história de Legos! Dioramas todos feitos em Legos? ^_^
MC: De alguma maneira, eu consegui encaixar na minha agenda um pouco de brincadeira com Legos. O que eu mais gosto de fazer é pegar diversos cenários e combiná-los, transformando-os em dioramas (cenários complexos feitos com brinquedos), geralmente usando castelos e cavaleiros que ocupam uma mesa inteira. Legos são os melhores brinquedos já inventados, e eu simplesmente não canso de brincar!
|