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Difícil conhecer alguém que nunca tenha brincado com um Autorama. O sucesso da Estrela popularizou-se no Brasil nas décadas de setenta e de oitenta, e dispôs até mesmo de garotos propaganda como o Ayrton Senna. Só há um senão: o brinquedo perdia um pouco da graça quando a gente se dava conta de que era impossível ultrapassar o carro adversário. Sim, ultrapassar no sentido pleno do verbo, pois é claro que passávamos à frente do outro, contudo, tratava-se de uma falsa sensação.
O TCR, brinquedo lançado pela Trol no início dos anos oitenta, chegou para matar a cobra e mostrar o pau: os carrinhos, finalmente, podiam mesmo ultrapassar uns aos outros, e com direito a fechadas e tudo o mais!
Entrevistamos, com exclusividade pr´A ARCA, um dos maiores especialistas brasileiros em TCR, o engenheiro Eduardo Marcovecchio, que nos contou tudo a respeito do brinquedo que competiu com o sucesso da Estrela.
A ARCA: Olá, Eduardo, tudo bem? Para começar, quando e como o TCR chegou ao Brasil?
Eduardo Marcovecchio: Existem algumas teorias e dúvidas a respeito disso, ainda é um assunto nebuloso. Mas o que se sabe é que a Ideal Toy lançou o TCR (Total Control Racing) originalmente nos E.U.A. em 1977. Em algum momento entre aquele ano e 1980, a Trol licenciou o brinquedo junto ao fabricante e passou a fabricá-lo aqui no Brasil.
AA: Qual era o público do TCR à época? Era um brinquedo muito caro?
EM: Ele foi direcionado ao público infantil e pré-adolescente. Não era encarado como um hobby, um brinquedo adulto. Era um brinquedo mesmo, para crianças. Pelo que me lembro, era um brinquedo caro. Hoje em dia ele deveria custar quase o que um autorama da Estrela custa.
AA: Naquela época, o TCR realmente “ameaçou” o reinado do Autorama no país?
EM: Acho que por um curto período de tempo, sim. Tanto aqui como nos EUA, o TCR foi um furacão, apareceu como algo revolucionário, que acabaria com o autorama. Mas o tempo passou e o rumo da história foi outro. Ele acabou nunca sendo visto como um hobby, como um motivo para organização de competições, de clubes e coisas assim. Ele acabou sendo visto apenas como um brinquedo para crianças.
AA: Houve muitas propagandas do brinquedo? Como foi o marketing da Trol?
EM: Eu me lembro apenas das propagandas de tevê. Acho que existiram propagandas em revistas em quadrinhos infantis também. Lembro-me bem da campanha da tevê, pois aconteceu comigo uma coisa engraçada: eu era pequeno na época, devia ter uns 7 ou 8 anos, e a propaganda do TCR Rallye mostrava um carro na pista, em close, batendo naqueles famosos barris que serviam como obstáculo. Na cena seguinte, um novo close no carro o mostrava todo quebrado em sua parte frontal. Quando eu vi aquilo, pensei o seguinte: “Esse brinquedo é muito legal, mas quebra fácil. Eu não quero isso. Só depois de alguns anos é que entendi que aquilo era apenas uma propaganda, que os carros não se quebravam de verdade. Acabei pedindo meu TCR de presente só com 12 anos, em 1986, por causa disso.
AA: Há quantas versões do TCR? Há muitas pistas?
EM: O TCR era dividido em séries. Cada série tinha um tema diferente. Existiram as séries Grand Prix, Rallye, Auto-Estrada e Super Kart. A série Grand Prix, a primeira, foi relançada pouco tempo depois com novo layout de caixa e com carros diferentes. Em seguida foram lançadas as outras três séries: Rallye, Auto-Estrada e Super Kart, provavelmente nessa ordem. Cada série teve três tipos diferentes de circuitos, com exceção da Super Kart, que aparentemente teve apenas duas. Foram, ao todo, umas 14 versões diferentes (eu ainda não consegui chegar a uma conclusão sobre o número final). Perto da metade da década de oitenta, a Trol lançou o TCR Série II, mantendo as séries e pistas originais, mas utilizando um novo tipo de chassis para os carros, conhecido nos E.U.A. como MK III.
AA: O TCR quebrava muito? Conte para os leitores d´A ARCA sobre a manutenção das peças. Eu, por exemplo, tive uns dois TCR, e lembro-me que sempre um dos carrinhos corria mais do que o outro. Isso tirava um pouco da graça do brinquedo.
EM: Com certeza, isso era um problema muito sério do TCR. Sempre um carro corria mais do que o outro e os carros só conseguiam atingir pleno rendimento se estivessem muito bem limpos, lubrificados. Ele sempre foi muito mais sensível a isso tudo do que autoramas convencionais, que são mecanicamente bem mais simples. Uma coisa que pouca gente sabe é que nos EUA foi criada uma solução para o problema de um carro correr mais do que o outro. Essa solução era uma pista terminal, especial, chamada de “Speed Equalizer”, que tinha um botão deslizante capaz de regular a velocidade dos carros. O próprio Jam Car foi outro jeito de tornar as corridas mais equilibradas, dando mais ênfase à habilidade do piloto do que ao rendimento do carro em si.
AA: O que era, afinal, o tal Jam Car?
EM: O Jam Car (também chamado de carro trapalhão) é um terceiro carro, que anda sozinho na pista com o objetivo de atrapalhar os outros dois. Ele anda a uma velocidade mais baixa e pode ser colocado para andar na contra-mão, inclusive. Ele não mudava de pista, entretanto, a Ideal Toy lançou nos EUA o Super Jam Car, que tinha a habilidade adicional de ficar mudando periodicamente, tornando-o ainda mais perigoso e “chato” para os competidores!
AA: Você, como engenheiro eletrônico que é, fez uma série de melhorias no TCR. Poderia, por favor, comentar um pouco sobre isso? Qual o motivo que o levou a fazê-las? As idéias partiram de você ou copiou-as de alguém?
EM: Na verdade, tenho uma série de coisas em mente, mas consegui colocar poucas em prática até hoje. O objetivo sempre é tornar o TCR mais atraente, mais interessante e divertido. Eu tenho algumas peças de coleção, que ficam guardadas, mas a maior parte do que tenho é para brincar e usar mesmo. As idéias vão desde meios de melhorar a performance dos carros até meios de se fazer, em casa, cópias de carenagens em resina. A maioria das idéias é inspirada em conversas que tenho com americanos com os quais mantenho contato, uns colecionadores de autoramas HO de pino. Eu só adaptei algumas das sugestões para o TCR, apenas isso. Na lista de discussão TCR Brasil, que eu criei no ano passado, existem diversas pessoas que estão empenhadas em colocar em prática esses projetos. Muita coisa boa deve aparecer por aí em breve!
AA: Quando se decidiu por criar o primeiro website nacional sobre o tema? O que há nele? Poderia contar detalhes para os nossos leitores?
EM: O TCR Brasil foi criado no início do ano. Lá se pode encontrar, principalmente, um texto sobre a história e a evolução do TCR, mas também páginas de dicas e melhorias de performance, seção de downloads (onde se pode encontrar alguns manuais originais digitalizados), páginas dedicadas a cada série do TCR, seções de cadastro e de classificados. Eu decidi fazê-lo por diversos motivos. O primeiro foi pela falta de um site, principalmente no Brasil, sobre TCR. Eu cheguei à conclusão de que se eu não o fizesse, ninguém mais faria. Outro motivo foi o grupo de discussão. Eu notei que vivia escrevendo as mesmas coisas, respondendo às mesmas perguntas o tempo todo para cada novo membro da lista. Por que não escrever uma vez só e disponibilizar para todo mundo? O terceiro motivo, e talvez o mais importante, foi simplesmente o seguinte: existe muito que se falar sobre o TCR.
O site ainda está pequeno, não estou tendo tempo para publicar o volume todo de informações e material que tenho para colocar lá. Estou fazendo isso aos poucos, espero que dentro de um ano o site esteja bem completo.
AA: Existem muitos colecionadores no Brasil? Hoje existe um mercado ativo?
EM: Acho que não pode se dizer que exista um mercado ativo. Existem alguns negociantes de brinquedos antigos que sempre têm itens de TCR à venda, mas é muito pouco. O próprio Mercado Livre sempre tem algo a oferecer. Mas o que me surpreendeu muito foi a evolução do grupo de discussão TCR Brasil nos últimos meses. Hoje são 45 membros de todo o Brasil, participando de uma lista dedicada única e exclusivamente ao TCR. Na minha opinião é um número bem expressivo. Com certeza existe muita gente espalhada por aí que gosta do brinquedo ou que pode voltar a gostar. À medida que esse pessoal vai se encontrando e se reunindo, pode aparecer potencial para um mercado ativo, na minha opinião.
AA: O que você diria a alguém que queira conservar o próprio TCR? Quais dicas você dá?
EM: Existem peças que se desgastam rapidamente no TCR, e aí não existe muito jeito, elas precisam ser trocadas (as sapatas de contato, principalmente). Fora isso, é necessário muito cuidado na montagem da pista (os encaixes são muito delicados e se quebram com facilidade) e também cuidado com os carros, pois algumas carenagens podem se quebrar em caso de choque. Os trilhos de metal dificilmente enferrujam, mas para garantir, sempre seque bem as pistas que forem lavadas com água. Para conservar o plástico delas, é legal utilizar spray de silicone. No site existem mais dicas úteis sobre esse assunto.
AA: O que diria a alguém que acabou de ler esta entrevista e que ficou doido para tirar o TCR da caixa, aquele que ficou no fundo do armário por 15 anos, e quer ligá-lo novamente?
EM: Eu diria para ir em frente e montar seu TCR novamente! Mas digo também o seguinte: não tenha grandes expectativas de que ele vá funcionar bem após tantos anos guardado. Provavelmente os pneus dos carros estarão ressecados, as pistas estarão sujas e por aí vai. Será preciso paciência e bastante trabalho para trazer o brinquedo de volta à vida, mas vai valer a pena.
AA: Atualmente, onde encontrar TCR para compra? Quem quiser comprá-lo, como proceder?
EM: O melhor lugar é o Mercado Livre. É o lugar mais ativo e movimentado para TCR hoje em dia. Alternativas são o eBay, onde é possível encontrar os TCR originais da Ideal Toy, e o próprio site TCR Brasil, que tem uma seção de classificados que deve começar a crescer. Outra alternativa ainda são as feiras de antiguidade, como a da Praça Benedito Calisto, em São Paulo.
AA: Esse brinquedo ainda é produzido em algum lugar do mundo?
EM: Os TCR da Ideal Toy e da Trol não existem mais. A Ideal foi comprada pela Tyco na década de oitenta, e a Tyco foi comprada pela Mattel há algum tempo. Portanto, presumo que os direitos estejam hoje com a Mattel. Entretanto, visitei recentemente o website de uma empresa coreana que parece estar fabricando um autorama com o conceito de mudança de pista, mas bem diferente do TCR, numa escala maior, inclusive. Fora isso, não tenho mais informações.
AA: Você, como colecionador e entusiasta, pretende montar uma exposição ou algo do tipo?
EM: Por enquanto não tenho nada em mente, mas acredito que, da maneira como a coisa está caminhando, com certeza isso vá acontecer no futuro.
AA: Eduardo, nós lhe agradecemos muito e gostaríamos de receber suas considerações finais.
EM: Eu gostaria de agradecer a oportunidade de falar um pouco sobre esse brinquedo maravilhoso, principalmente porque não estamos falando de algo que acabou, mas, sim, de uma chama que se acende novamente, uma tentativa de trazer de volta algo de que gostamos, mas de um jeito melhor, mais interessante e divertido. É uma oportunidade de mostrar às crianças de hoje, acostumadas com video games e computadores, um brinquedo diferente de todos os outros que conhecem. Quem quiser se juntar a nós será muito bem vindo. Vocês podem entrar em contato comigo através do TCR Brasil ou da lista de discussão.
Obrigado, Garrettimus!
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