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Sou fã assumido do Chaves desde que eu era pivete. Coisa de cinco, seis anos de idade. O Seu Madruga ainda é meu ídolo. E arrumo briga toda vez que ouço alguém dizer que o programa era bobo e mal-feito. Era de se esperar, portanto, que eu ficasse de um sorriso de orelha a orelha e meu coração batesse muito mais forte se tivesse a oportunidade de me deparar, cara a cara, com um dos intérpretes do elenco original da série. Aconteceria com qualquer um. É o sonho de todo ‘chavesmaníaco’. E eu realizei. Na última quinta-feira, aniversário dos atentados do WTC, eu estava mais preocupado em conhecer o ator Edgar Vívar – intérprete de ninguém menos do que… Seu Barriga. Estive cara a cara com um dos ídolos da minha infância. Alguém que achei que só veria nas telinhas de TV. Foi simplesmente lindo.
Pra começar: rapaz, o cara está muito mais gordo do que nos episódios que vimos aqui no Brasil!!! Convidado do programa Falando Francamente, da apresentadora Sônia Abrão, Vívar ficou impressionado com a penetração que o programa tem no Brasil e com o carinho dos fãs tupiniquins. “Na internet, a maior parte dos sites dedicados ao ‘Chaves’ é em português. A repercussão que seu trabalho tem torna a sua dedicação a ele ainda mais importante”, afirmou o ator de 53 anos. “Me dá muito alegria ver que, mesmo depois de tanto tempo, algo que eu fiz com muito amor ainda mexe com muita gente. É como um sapateiro que faz um par de sapatos e, ao viajar para um outro país, com outra cultura diferente, se depara com um dos sapatos que ele fez sendo usado por alguém, muito satisfeito”. Em 92, antes da represa de Itaipu, Vívar já tinha visitado Foz do Iguaçú. Mas é a primeira vez que ele é convidado a conhecer mais do país.
Gravado de 1972 até 1995, ‘Chaves’ teve mais de mil episódios gravados, segundo informações do próprio Vívar. Portanto, dá pra entender que nós, povo tupiniquim, não chegamos a ver nem metade disso – boa parte dos episódios que o SBT reprisa incansavelmente são da década de 70. Atualmente, a série é exibida em mais de 40 países. “E não só naqueles que falam espanhol”, revelou o ator ao contar que as aventuras do garoto órfão já foram dubladas para japonês, chinês, italiano, russo… “Nos EUA, está saindo o quarto DVD com o melhor do Chaves”. A pergunta que não quer calar: como diabos eu faço pra conseguir o meu?
Mas não o sucesso não pára por aí: a criação de Roberto Goméz Bolaños está para entrar no Guiness Book como a única série que já ocupou, pelo menos uma vez, o primeiro lugar na audiência em todos os países onde foi exibido. “Na Colômbia, recebemos a nacionalidade colombiana como honra ao mérito. É tudo muito gratificante, não esperava todo este retorno”, disse o Seu Barr…quer dizer, Edgar Vívar.
E qual é o segredo de tamanha longevidade? Afinal, a produção simples e de baixo orçamento continua atraindo diversas gerações de crianças e adolescentes mesmo num mundo dominado pela tecnologia dos videogames e da computação gráfica. “Acima da tecnologia estão os valores. A situação e os personagens são a coluna vertebral de qualquer produção. Não importam a cenografia pomposa ou a tecnologia que gerou personagens por computador. Se não houverem personagens cativantes, as pessoas não vão se interessar”.
Médico formado, Vívar só chegou a exercer a profissão por dois anos, preferindo se dedicar ao ofício da interpretação. Seu papel mais conhecido, é claro, foi sob o surrado terno do azarado dono da vila onde vivem Chaves e sua turma. Intérprete e criatura têm muita coisa em comum. “Eu empresto meu corpo, minha boca, meus sentimentos aos personagem, Temos muita coisa em comum. O que afeta ao Seu Barriga, com certeza vai afetar a mim”. Além de Barriga, Vívar também era seu filho Nhonho, igualmente reconchudo e divertido (como o Fanboy, só que com menos barba). Mas ele não consegue escolher o seu favorito. “Ah, os dois são maravilhosos. O Seu Barriga foi o primeiro, um homem de bom coração. Já o Nhonho é um Seu Barriga em miniatura, me permitiu entrar em contato com a criança interior que todos nós temos”.
Ao contrário do americano William Shatner (que viveu durante décadas o Capitão Kirk de Jornada nas Estrelas), o mexicano não tem medo de ficar estigmatizado para sempre como um único personagem – ou, no caso, dois. “É algo perfeitamente normal. ‘Chaves’ é parte importante do meu trabalho, da minha vida. Tenho muito carinho por este capítulo da minha vida. Depois da série, fiz teatro, produzi comédias musicais… Nunca fiquei preso a nenhum estereótipo”. O assédio dos fãs também é encarado como parte do trabalho. “Nunca persegui a fama, ela veio com o trabalho. Nunca me preocupei com o assédio dos fãs. É perfeitamente normal, adoro conversar com as pessoas, saber quem elas são…”
:: SEGREDOS DOS BASTIDORES
Será que as gravações eram perigosas para Vívar? Afinal, toda vez que chegava para cobrar o aluguel, ele era recepcionado com uma pancada, cortesia do atrapalhado Chaves. “Ele (Bolanõs) me acertava de verdade em quase todas as vezes”, diverte-se o ator. Segundo ele, eram três câmeras trabalhando ao mesmo tempo e o diretor e protagonista sempre foi muito perfeccionista. “Se alguma tomada não ficava boa, fazíamos quantas vezes fosse necessário. E eram doses e mais doses de pintura, água, farinha e por aí vai…”. Apesar da tradição televisiva mexicana, nenhum membro do elenco usava ponto eletrônico. “Valia a espontaneidade. Mas ninguém improvisava nas gravações, apenas nos ensaios. Porque era lá que Roberto decidia o que entrava ou não no produto final”.
As gravações de ‘Chaves’ eram semanais – eram mais ou menos quatro episódios a cada duas semanas. “Trabalhávamos e saíamos juntos, éramos mesmo uma família”. Mas… esta família se dava mesmo bem? “Nunca tive problemas com o Roberto. Tenho um circo do Nhonho e posso usar o personagem tranquilamente, sem qualquer problema”. A referência, é claro, diz respeito ao processo que Bolaños move contra a atriz Maria Antonieta de Las Nieves, a Chiquinha, por quebra de direitos autorais. “Ela chegou a registrar o nome, mas os direitos do personagem são de Roberto, foi ele quem criou a Chiquinha”, opina Vívar. Para ilustrar o caso, ele faz uma comparção: Sean Connery, primeiro intérprete de James Bond, não pode dizer que o personagem é dele, porque Bond é criação do inglês Ian Fleming. “Ela se apossou do personagem e vem fazendo uso dele desde então. Roberto está muito desapontado com tudo que vem acontecendo. Mas eu espero que tudo acabe bem”, tenta minimizar.
Embora tenha afirmado, brincando, que a trupe era uma família e que “se houvesse romance entre nós, seria incesto”, Vívar confirmou uma história que muitos já sabiam: antes de casar com Bolaños, Florinda Menza (a enfezada Dona Florinda), teve um ligeiro romance com Carlos Villagrán, o Kiko. Teria sido esta a verdadeira razão de sua saída da série, ainda envolta em muitas histórias e boatos? Vívar, polidamente, não quis comentar.
Sobre o desenho animado envolvendo os personagens de Chaves, o astro mexicano só pôde revelar que o projeto será gerado por computador, como em Toy Story. “A idéia é justamente esta: dar nova dida aos personagens dos colegas que já faleceram, como o Seu Madruga. Mas não posso dar mais detalhes do projeto”, completou, já cortando o assunto.
Além disso, Vívar está co-produzindo uma série de TV chamada Post Data. Já foram encomendados 24 capítulos. “Serão histórias de suspense com final inesperado. Estamos gravando em Buenos Aires, justamente por causa dos custos de produção. Queria fazer isso no Brasil, mas a língua dificulta bastante”, explicou.
:: OS FÃS MARCAM PRESENÇA!
Além dos jornalistas, também estavam presentes na coletiva muitos fanáticos pelo seriado. O mais destacado deles era com certeza Gustavo Maçana Silva, 20 anos. Trajado dos pés à cabeça com as roupas do protagonista da série, ele encarou duas horas de viagem direto da cidade de Americana só para presentear o ídolo com um belo retrato desenhado por ele. “Gosto de ‘Chaves’ desde os 5 anos de idade. Lembro de falar do programa para os meus amigos quando eu era pequeno”, contou o fã, que está em nossa galeria de fotos.
De filmadora em punho, Pablo Mendonça, 21, veio de mais longe. Diretamente do Rio, o estudante de Rádio e TV esta pronto para tentar descolar uma entrevista exclusiva com Vívar para completar o seu trabalho de conclusão de curso. A tese vai tentar explicar porque ‘Chaves’ faz sucesso até hoje entre tantas pessoas diferentes, de faixas etárias e classes sociais tão diversas. “É um programa com uma abordagem bem infantil, bem ingênuo, que não apela para a violência e nem para a sensualidade”. O jovem arrisca que a estética simplória, quase tosca, fala alto aos países de Terceiro Mundo. “Tanto é que nos países latino-americanos que ‘Chaves’ tem mais repercussão”.
A idolatria do trio de jornalistas Fernando Thuler (21), Luis Joly (23) e Paulo Franco (28) foi muito mais além: eles estão escrevendo um livro sobre o cultuado seriado mexicano. Embora o nome não esteja definido, eles devem usar uma expressão famosa da série. “Um dos nossos ex-professores da faculdade já teve um livro publicado e está tentando nos ajudar com seus contatos em editoras”, revelam eles. A publicação vai tratar do ínicio do programa no México e promete tentar explicar o fenômeno com a ajuda de psicólogos, produtores de TV, humoristas… “Quem sabe o SBT não ajuda a gente com o livro?”, provocam.
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