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Nascido em São Paulo mas criado em São Bernardo do Campo, Rodrigo Ivan dos Reis (o Ivan Reis) sempre teve uma certeza na vida: queria desenhar. Hoje, aos 24 anos, ele chegou mais longe do que sequer teria imaginado, transformando-se de fã em ídolo. Desenhista preferido da Chaos Comics, ele dá vida às belas e pálidas curvas da Lady Death. No entanto, em seu currículo ele ainda tem passagens pela Dark Horse e pelas almejadas DC Comics e Marvel Comics. Mas o cara continua simples e humilde como se ainda desenhasse no fanzine do pessoal da rua…
A ARCA invadiu a Fábrica de Quadrinhos, onde o Ivan leciona aos sábados, e interrompeu o almoço do cara para tentar arrancar uma entrevista EXCLUSIVA. E não é que a gente conseguiu? 🙂
A ARCA: Quando foi que você tomou a decisão de ser desenhista de H.Q.?
IVAN REIS: Não lembro…eu era muito novo. Tinha só três anos de idade e sempre quis ser isso. Nunca quis ser bombeiro, nunca quis ser policial…
AA: Sua mãe também nunca insistiu para que você trabalhasse no Banco do Brasil, alegando que quadrinhos não davam futuro?
IR: Também não. Era sempre desenho. Sempre quis trabalhar com isso. Eu não queria ser outra coisa na vida.
AA: E o seu 1º trabalho? Como você se sentiu quando fez sua 1ª história?
IR: Não sei…também não lembro, mas se não me engano foi para a revista "Histórias Reais de Drácula", da Bloch Editora, e eu tinha uns 13 ou 14 anos. Não sei muito como eu fiquei não. Acho que fiquei feliz, apesar de não ter recebido por esse trabalho. Mesmo assim, fiquei feliz.
AA: Qual foi a 1ª editora de grande porte que se interessou pelo seu trabalho?
IR: Ah, foi a Dark Horse. Foi pra lá que eu mandei (material) primeiro, e eles já me aceitaram logo de cara.
AA: E foi legal trabalhar com eles?
IR: (Fazendo cara de felicidade, com um sorriso enorme) Foi…foi bacana. Me pagaram direitinho.
AA: Quer dizer que pagando…?
IR: Pagando, eu faço qualquer coisa, cara.
AA: Até quadrinho pornô (risos)?
IR: Pornô…o que vier. eu faço. Desde que me paguem. Pagando meu cachê, eu topo qualquer coisa.
AA: E o acabamento do seu desenho? Você gosta de ver como ficou, seu trabalho depois que você tem uma revista pronta em mãos e que foi você que fez?
IR: Ah, eu acho legal, mas nunca me preocupei com isso. Ficar me preocupando com arte-finalista, colorista… acho bonito, acho legal, mas eu sou desencanado com isso. Se ficar bom, ficou… Se ficar uma porcaria, ficou… Desde que me paguem…
AA: Sempre pagando?
IR: É isso aí…me pagando, tá valendo. O cara pode cagar na revista e eu não tô nem aí.
AA: Mas tem alguma edição que você gostou mais de fazer, alguma que você detestou, não sei se você lembra…
IR: O que eu gostei mais até agora? Deixa eu ver, deixa eu pensar… acho que foi a Lady Death Rapture. Foi a última que eu fiz…sempre vai ser a última. E a que eu menos gostei? Ah, também não sei. Na verdade, eu nunca gosto. Eu não gosto do meu desenho.
AA: Um monte de gente aqui tentando aprender a desenhar e você, desenhando do jeito que desenha, diz que nunca gosta do que faz?
IR: Ah, cara…Isso é verdade, eu detesto o que eu desenho…eu sou desencanado…
AA: E como está sendo pra você desenhar a Lady Death pra Chaos Comics?
IR: Como tá sendo? Olha, pelo menos essas últimas mini-séries que eu tô fazendo eu não tô aguentando mais não…tá um saco! Mas é legal trabalhar para a Chaos. Eles prometeram maneirar agora, dizendo que iam mandar histórias mais simples. Eu vou gostar se fizerem isso…caso contrário, não vou aguentar mais não, é muita coisa.
AA: Dizem que o Brian Pulido (dono da Chaos e principal roteirista) tem mania de exagerar na descrição das páginas…
IR: Não é isso. Ele tem mania de entupir a página com muita coisa. Ele põe muita coisa num quadrinho só. É que recentemente deu a louca nele de fazer "Crise nas Infinitas Terras" com a Chaos. Então tá uma loucura. Tá todo mundo na Chaos desesperado por causa dele. É muita coisa por página…mas é bacana.
AA: Você e o pessoal da Chaos já chegaram a trocar alguma idéia?
IR: Já, já trocamos algumas idéias, mas é coisa do tipo: "Oh, seu trabalho está melhorando muito!" – "Oh, muito obrigado, você gostou mesmo?" – "Gostei, tá muito bom…", coisa assim…
AA: Então o contato é bem informal?
IR: É, é mais ou menos assim, um puxando o saco do outro, é mais neste esquema mesmo…
AA: E sobre convenções de HQ? Você já foi em alguma? Eu pergunto isso porque nunca vi uma divulgação dessas que tenha seu nome no meio, então sempre achei estranho…
IR: No dia que me convidarem, eu vou. Nunca me convidaram. Sei lá, parece até trauma (faz cara de bebê chorão). "Buáááááááá! Eu quero ir numa convenção de HQ".
AA: Agora vem a hora daquelas perguntinhas clássicas. Quem você gostaria de desenhar?
IR: Ah, qualquer um desde que me paguem. Eu até tenho uma quedinha pelo Conan…
AA: Hummmm…uma "quedinha pelo Conan"? (maliciosamente)
IR: (risos) Lógico, você já viu o tamanho da espada dele? (mais risos)
AA: Tem algum roteirista com o qual você gostaria de trabalhar?
IR: Não, cara…pra mim, quem estiver escrevendo, tá bom. Nunca me encanei com nenhum roteirista, mesmo porque não faço questão. Pra mim…é indiferente.
AA: E quais são as influências no seu desenho?
IR: É uma tremenda salada. Deixa eu tentar lembrar…Adam Hughes, Kevin Nowlan, Paolo Serpieri (Drunna), Adam Kubert, John Buscema, George Pérez, Joe Madureira…é…(Greg) Capullo…ah, sei lá! É todo mundo, mas por quem eu mais me interessei foi John Buscema. Depois dele…foi uma salada. O que aparecia e achava legal…
AA: E pra quem quer desenhar, qual é aquele conselho infalível?
IR: Conselho infalível? Desencana! O negócio é você…curtir, cara…não se desesperar com seu desenho porque é uma coisa demorada. É desencanar e curtir.
AA: Então, por causa do aprendizado ser difícil e demorado, o jeito é ir levando?
IR: É isso aí. Você tem de continuar desenhando. Uma hora você chega no ponto. Tem que desencanar e fazer, fazer, fazer, fazer…e fazer.
AA: E em relação a Fábrica de Quadrinhos? Como está sendo seu relacionamento com eles?
IR: Ah, é um pessoal muito bacana. Já estou com eles há um tempinho. Todo mundo aqui é legal. Meu contato com eles além das aulas é puro bate-papo, jogar conversa fora mesmo. Curto muito dar aulas aqui, dou aula porque eu gosto. Escuto um monte de baboseira dos alunos…é isso aí. É legal.
AA: E está sendo possível conciliar seus trabalhos na Chaos com as aulas na Fábrica?
IR: Só dou aula sábado de manhã, então não atrapalha em nada.
AA: Ah, mas dizem que você chega atrasado de vez em quando…
IR: De vez em quando não…de vez em sempre! É que sempre que eu tenho que vir pra Fábrica, eu tenho que passar na ArtComics (gerenciadora de artistas brasileiros para o mercado americano) para levar as minhas páginas! Aí, às vezes eu pego um trânsito lotado, é muito farol fechado e acaba embaçando tudo…mas são só alguns minutinhos.
AA: E aqui no Brasil? Você tem vontade de fazer alguma coisa por aqui, tem algum projeto que gostaria de fazer…
IR: Antes de desenhar para as editoras americanas, cheguei a trabalhar para o Mauricio de Souza. Eu já fiz a Mônica… Mas eu nunca me preocupei com estas coisas. Nunca parei para pensar sobre isso. Pra mim, tanto faz se é pro mercado americano, se é pro mercado brasileiro…desde que me paguem. O importante é pagar. Eu penso assim, porque não pago minhas contas com ideologia.
AA: Então, você não tem personagens próprios?
IR: Ter eu tenho. Se eu tivesse uma oportunidade com eles, eu ia achar legal mas não é algo com que eu me preocupe se fizesse ou não. Não é o tipo de coisa com que eu fique encanado.
AA: E o que você achou das tentativas com Spirits of Amazon e Terra-1? São coisas que o pessoal brasileiro tentou fazer…
IR: Faltou roteiro, cara. O brasileiro é muito bom como desenhista, mas pra escrever deixa muito a desejar. É um pouco fraquinho. Faltou um pouco mais de clima. Achei tudo muito legal, mas ainda falta o brasileiro aprender a criar uma boa trama, uma história mesmo.
AA: É que em relação aos EUA, que já têm as raízes das HQs em sua cultura, o Brasil é fraco, falta tradição, né?
IR: Olha, o Brasil tem uma ótima tradição no caso de histórias infantis. As histórias desse gênero são fantásticas. Acho que o trabalho infantil brasileiro é o melhor do mundo. Cada um é bom naquilo que dá, não dá pra ser bom em tudo.
AA: E como tem sido seu contato com o resto dos desenhistas brasileiros? Tirando o pessoal da Fábrica, claro…
IR: Converso com o Luke Ross, o Manny Clark, o Fábio Laguna…de vez em quando eu ligo para o (Mike) Deodato pra pedir alguma referência, ele também pede pra mim…conversamos um pouco sobre nossos trabalhos, coisas assim…
AA: E como você acha que está o cenário do mercado americano e do mercado brasileiro e HQ?
IR: Eu sou o cara mais mal-informado sobre isso. Para cada um que pergunto, ouço uma resposta diferente. Alguns dizem que tá melhorando, outros dizem que tá piorando, outro fala que tá rendendo bem, outro fala que estabilizou. Então eu acabo não me importando com isso. Eu…eu continuo trabalhando e eu nunca senti uma crise nos quadrinhos até agora, mas sou muito desinformado pra falar a verdade. Acho que eu sou o desenhista de HQ mais desinformado do Brasil. Não decoro nome de muitos desenhistas, roteiristas…mas eu tô aí.
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