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Agora vamos falar sobre os longas-metragens de Batman… a partir dos anos 20. Estranho e incoerente? Não, nem um pouco. Se não fosse um único ponto a ser frisado: todos nós, inclusive eu, que nem sou tão fã de HQs, sabemos que o glorioso senhor Bob Kane gerou seu mais famoso personagem em… 1939. Mas hein? Não, você não leu errado.
Ok, eu explico: não é segredo pra ninguém que Bob Kane assumidamente inspirou-se num célebre personagem que, nos anos 30, conquistara os gibis, os livros e também o cinema: Zorro. Mais exatamente A Marca do Zorro (The Mark of Zorro, 1920), inspirado na história “The Curse of Capistrano”, de Johnston McCulley, e dirigido por Fred Niblo. Se compararmos o histórico de Batman com esta produção protagonizada pelo eterno Douglas Fairbanks, não será difícil encontrar algumas semelhanças. Don Diego de La Vega, por exemplo, também possuía uma caverna-esconderijo nos porões de sua mansão, assim como desfrutava da companhia de um criado fiel e mudo chamado Bernardo (o ator Tote Du Crow). E a característica maior e mais visível é o próprio uniforme de Zorro, composto de uma capa e uma máscara.
A maneira de agir de Zorro, sempre na surdina, e o fato de esconder sua real identidade até a morte também inspiraram Kane, que chegou até a homenagear o personagem quando contou a origem de Batman nas HQs. Para quem não sabe, os pais de Bruce Wayne foram assassinados em frente a um cinema. Neste cinema, “A Marca do Zorro” estava sendo exibido.
:: UM MORCEGO LADRÃO DE JÓIAS?
Diz a lenda, porém, que Bob Kane também bebeu de uma outra fonte para gerar seu rebento. Esta tal fonte é uma pequena produção norte-americana de 1926, um filme mudo que atende pelo nome de O Morcego (The Bat). Esta fita foi dirigida por Roland West e inspirada numa peça teatral escrita por Avery Hopwood que, por sua vez, utilizou como base um conto de Mary Roberts Rinehart publicado na coletânea “The Circular Staircase” em 1908. No enredo do filme, acompanhamos a trajetória de um ladrão de jóias astuto, impiedoso e determinado (que auto-intitula-se “o Morcego”) e a caçada incessante que a polícia local empreende para capturar o maníaco. Ainda há uma subtrama que narra o desespero de um grupo de pessoas trancafiado numa mansão que pode estar à mercê do Morcego. E, pra completar o caldo, o bandido, cuja identidade é desconhecida, pode ser qualquer um ali dentro…
Isso não diz nada? Diz, sim! Então dêem uma olhada nas características do personagem central de “O Morcego”: o tal ladrão está acabando com os nervos da polícia por conseguir entrar em qualquer lugar sem ser visto. O cara invade um local qualquer impenetrável e, depois de “fazer a limpa”, ainda deixa um cartão de visitas em forma de… morcego. Para botar seus crimes em prática, o indivíduo usava uma roupa preta, com um capuz preto e duas “anteninhas”. Além disso, levava consigo uma série de acessórios que poderiam ser usados caso algo desse errado. E ainda tinha a audácia de marcar os pontos invadidos com um… sinal. Suspeito, não? Hehehe… O visual deste misterioso personagem, por sua vez, é claramente baseado na figura central de uma série de filmes policiais franceses chamados Fantomas, dirigido pelo conceituado cineasta Louis Feuillade em 1913.
Bem, independente de ser um “precursor renegado” de Batman, este “O Morcego” é um ótimo exemplar do cinema de suspense e horror da década de 20, usando como base o clima soturno da obra-prima O Gabinete do Dr. Caligari (Das Kabinett des Doktor Caligari, 1920) e inspirando outra jóia do cinema, M: O Vampiro de Dusseldörf (M, 1931). O sucesso de “O Morcego” também gerou outros longas baseados na mesma história: O Sussurro do Morcego (The Bat Whispers, 1930) e The Bat (1959). “O Morcego” existe em VHS no Brasil, mas é quase impossível encontrá-lo.
:: O QUE DIABOS É UMA SERIAL?
Mudemos totalmente de assunto agora: os seriados, ou serials, como são conhecidos lá fora, influenciaram praticamente noventa por cento das produções cinematográficas do século que passou. Mas não vamos confundir os seriados com as séries de TV que dominam (e em alguns casos, assombram) a programação de hoje em dia. Na década de 30, alguns estúdios investiram pesado num formato até então inusitado: rodavam uma trama bem simples – mas engenhosa – em longa-metragem e dividiam este longa em vários episódios curtos (cerca de dez a quinze capítulos por longa), a ser lançados nos cinemas. Heróis como Flash Gordon, Buck Rogers, Superman e Capitão Marvel ilustravam as séries.
As histórias, mesmo sendo bem modestas visualmente – herança do cinema B da época -, eram estreladas por heróis puros e perfeitos, recheadas de ação desenfreada e façanhas incríveis de seus protagonistas (realizadas por dublês, claro) e estrutura típica de gibis – fator imprescindível, já que o público-alvo desta iniciativa era justamente a molecadinha ávida pelas aventuras dos heróis de HQs. As sessões de cinema nesta época geralmente eram compostas de um episódio de cada serial em uma mesma projeção, o que fazia atrair uma parcela maior de espectadores.
A maior vantagem que os estúdios viam nas serials era a economia e a garantia de retorno. Afinal, era um único longa dividido em capítulos, portanto o público que se interessasse pela primeira parte, automaticamente voltaria a pagar ingresso para ver a segunda, a terceira e o restante. Mas para isso, os produtores precisavam segurar o interesse da platéia.
Foi aí então que surgiu um elemento utilizado à exaustão no cinemão de entretenimento americano e ainda usado até hoje: o cliffhanger. Este elemento consiste na situação em que o herói encontra-se em um estado de perigo terrível ao final do capítulo, somente para ser salvo pelo gongo logo no início do capítulo seguinte. Este e outros elementos tão bem estruturados pelas serials influenciaram quase 100% dos seriados televisivos de hoje e dezenas de cineastas e projetos a seguir, como por exemplo a cultuadíssima trilogia de Indiana Jones.
:: E O QUE O BATMAN TEM A VER COM ESTA HISTÓRIA, PÔ?
Na verdade, muita coisa. O Paladino da Justiça apareceu pela primeira vez em carne-e-osso nas telonas numa serial: O Homem-Morcego (The Batman), em 1943. Aqui, Batman – e seu fiel escudeiro Robin, que também dá as caras nesta película – nada mais é do que um vigilante das ruas, sem qualquer traço sombrio e amargo do personagem que conhecemos hoje. Na história desta saga dirigida por Lambert Hillyer e exibida em 15 capítulo, os heróis – vividos respectivamente pelos atores Lewis Wilson e Douglas Croft – estão na cola de um cientista louco japonês chamado Tito Daka (!), criador de uma máquina capaz de transformar qualquer pessoa em zumbi.
“O Homem-Morcego” foi massacrado pela crítica da época (sim, esses manés já existiam!) pelo teor preconceituoso e estereotipado do vilão. Nada que tenha prejudicado a bilheteria do filme, visto que Batman fazia um tremendo sucesso entre a garotada, o público-alvo das serials. Sim, sim. As roupas dos caras eram ridículas, não posso negar. Tão ruins que chegam a ser hilárias! Mas não acho legal descer o sarrafo na produção por causa disso. Sacanagem falar mal dos figurinos toscos, sabendo que o filme foi rodado em 1943. Pelo amor de Deus! 😛
Em 1949, estreou O Retorno do Homem-Morcego (Batman & Robin), nova serial de 15 episódios e outro grande sucesso nos cinemas. A fita, cuja direção ficou a cargo de Spencer Gordon Bennett, mostrava o Justiceiro Mascarado (Robert Lowery) e o Menino Prodígio (Johnny Duncan) tentando recuperar um perigoso mecanismo roubado pela gangue do maníaco The Wizard. O tal artefato tinha a capacidade de invalidar qualquer equipamento movido a eletricidade. Além de pegar o negócio de volta, a dupla dinâmica ainda precisava salvar a mocinha seqüestrada pelos bandidos, a repórter Vicki Vale (Jane Adams). “O Retorno do Homem-Morcego” é um dos campeões de falhas técnicas, erros de continuidade, figurinos toscos e interpretações pífias. Mas devemos levar em consideração o fato de os estúdios investirem um mínimo de dinheiro nas serials. Nem tinha como realizar alguma coisa bacana em termos visuais, mesmo. Ao menos, servem como comédia! 😀
Depois deste último longa, o herói voltou a aparecer nas telas somente em 1966, com o lançamento de Batman & Robin: A Dupla Dinâmica (Batman), uma espécie de “capítulo esticado” da hilária série de TV com Adam West. E depois, vieram os longas de 1989 e de 1992, pelas mãos de Tim Burton… e o resto é história! 🙂
:: ALGUMAS CURIOSIDADES
– “A Marca do Zorro” foi a primeira de mais de 20 aventuras do herói mascarado no cinema.
– A produção de “O Morcego” adotou uma técnica inédita na época: não divulgou publicamente o nome do ator que interpreta o ladrão. Foi a saída que os produtores encontraram para prender a atenção do público até o final do filme, já que eles poderiam “matar a charada” com antecedência. Esta tática foi usada recentemente por David Fincher no filmaço Se7en: Os Sete Crimes Capitais. Outro processo inédito adotado pela produção do filme eram as gravações somente durante a noite.
– Por muitos anos, “O Morcego” foi tido como “um filme perdido”, por ninguém saber o paradeiro da única cópia existente. Até que a tal cópia surgiu de repente. Eu, hein…
– O protagonista da segunda versão de “O Morcego” (1959) era ninguém menos que Vincent Price. O ator envolveu-se com o universo de Batman no infame seriado dos anos 60, onde incorporou ninguém menos que o tosco vilão Cabeça de Ovo.
– “O Homem-Morcego” introduziu ao universo do Homem-Morcego a tão famosa Bat-Caverna, que até então não existia nos gibis. O local foi incluído nas HQs logo depois. O mordomo Alfred, interpretado pelo ator William Austin, usava bigode e era magro, ao contrário do Alfred das HQs. Logo após a primeira exibição da serial, Bob Kane adotou o mesmo visual nos quadrinhos.
– Depois do enorme sucesso da série de TV de 1966, a Columbia aproveitou o gancho e imprimiu novas cópias de “O Homem-Morcego”, relançando a série com o título An Evening With Batman & Robin (Uma Tarde com Batman e Robin). Não havia mudança alguma, somente a união dos episódios, da mesma forma que fora exibida nos cinemas em 1943, com todas as aberturas e cliffhangers.
– Uma versão animada do Batman interpretado por Robert Lowery em “O Retorno do Homem-Morcego” pode ser vista na abertura de A Nova Transa da Pantera Cor-de-Rosa (The Pink Panther Strikes Again, 1976).
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