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Artigo adicionado em 30/10/2006, às 07:45

O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS: sutileza é a palavra de ordem
Cao Hamburger, dá um curso sobre “como fazer cinema direito” aos seus colegas cineastas, por favor! :: Trailer: acesse o site oficial Humm… direto ao ponto? Sem enrolação, sem blá-blá-blá, sem nada? Então tá. O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias (2006) é simplesmente o melhor filme nacional do ano. Bem, quer dizer… […]

Por
Leandro "Zarko" Fernandes


:: Trailer: acesse o site oficial

Humm… direto ao ponto? Sem enrolação, sem blá-blá-blá, sem nada? Então tá. O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias (2006) é simplesmente o melhor filme nacional do ano. Bem, quer dizer… Cinema, Aspirina e Urubus é deste ano? Então, vamos corrigir: “O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias” é o SEGUNDO melhor filme do ano. Hehehe! 🙂

Agora, vamos deixar a empolgação de lado para detalhar melhor isso aqui. Claro que não estamos falando de um clássico absoluto do cinema tupiniquim; a questão é que já cansamos de falar aqui n’A ARCA sobre como os nossos filmes andam fracos. Ultimamente, a produção cinematográfica brazuca tem crescido bastante, mas a grande maioria dos títulos lançados são, no mínimo, vergonhosos – na boa, assisto muitos filmes nacionais e não consigo me lembrar de qualquer título em 2006 cujo resultado seja acima acima da média, à exceção de “Cinema, Aspirina e Urubus”. O negócio anda no nível de Gatão de Meia-Idade, pra não dizer pior. E para encontrar uma película digna de nota, é necessário garimpar, e garimpar muito bem.

“O Ano” sai na vantagem, mas não por ser tão excepcional, até mesmo porque, numa escala de 0 a 10, sendo 0 = Coisa de Mulher e 10 = Lavoura Arcaica, este aqui leva um 7,5. “O Ano” sai na frente não ser um filmaço no meio de filmes bons, mas por ser um trabalho muito bom no meio de muita coisa ruim. E tudo isto porque seu comandante, o ótimo e meu mais novo herói (!), Cao Hamburger, entendeu perfeitamente aquilo que poucos cineastas brazucões conseguiram captar. Cao Hamburger entendeu que, para ser bom, um filme nacional:

a) Não precisa obrigatoriamente ter favelas, morro, sambão, violência e gente soltando 752 palavrões a cada diálogo;
b) Não precisa obrigatoriamente ter uma linguagem burra, didática e ofensiva chupada de novela da Globo – e protagonizada por atores furrecos de novela da Globo que acham que são os novos Edward Norton da história só porque dão as caras em novela da Globo;
c) Não precisa obrigatoriamente, no caso de um filme de comédia, ser lotado de piadas de baixo calão que fariam corar até mesmo o Costinha e tão ruins que poderiam ser melhor desenvolvidas até pela minha tartaruga de estimação;
d) Não precisa obrigatoriamente, no caso de filmes “para a família”, se passar nas belíssimas praias e/ou em algum cartão-postal qualquer de plástico do Rio de Janeiro (como se o estado fosse mesmo o único lugar bonito do Brasil);
e) Não precisa obrigatoriamente ter uma história levinha e mastigadinha, afinal o público sabe pensar (quando quer).

E olha que o enredo tinha tudo para fazer a fita cair nestas armadilhas. Logo no início da projeção, conhecemos o simpático Mauro (Michel Joelsas), de 12 anos de idade, apaixonado por futebol e naquela fase de descobertas e afins. O ano é 1970, ano de Copa do Mundo, mais exatamente o ano na qual a Seleção Brasileira conquistaria o tão sonhado tri-campeonato; 1970, ano do auge da ditadura do governo militar e do autoritarismo do famigerado Ato Institucional 7, que dava aos milicos o direito de fazer o que lhes desse na telha, e o que mais lhe atraía era “combater” a livre-expressão do povo, o que ocasionou o surgimento de diversos grupos de resistência de esquerda, que lutavam por seus direitos, pelo voto e pelo fim da Guerra do Vietnã – e geralmente acabavam torturados, mortos, desaparecidos.

Mauro está diretamente ligado à história política do Brasil daquela época pois seus pais, Daniel (Eduardo Moreira) e Bia (Simone Spoladore, ótima), são militantes de esquerda, mas o garoto não faz idéia do que isto significa – e nem se preocupa com isto, até mesmo porque sua cabeça está muito ocupada com a iminência da Copa do Mundo. O filme começa no exato momento em que o mundo de Mauro vira de cabeça pra baixo: quando seus pais arrumam as malas, desovam o garoto na porta de um prédiozinho em São Paulo, declaram que estão “saindo de férias” e vão embora; forçados a esconder-se por conta da ditadura, Daniel e Bia decidem deixar Mauro aos cuidados de seu avô (pontinha minúscula de Paulo Autran) e, sentindo a necessidade de não traumatizar ou confundir o menino, não dão maiores explicações.

Há, porém, uma situação insólita e imprevista – a morte do avô momentos antes da chegada de Mauro. Assim, o garoto termina sozinho em pleno bairro do Bom Retiro (berço de diversas etnias como negros, italianos e judeus), sem qualquer espécie de contato com os pais e sendo forçado a passar um tempo com o bitolado vizinho do avô, o velho judeu ortodoxo Shlomo (Germano Haiut), para não ficar na rua. A convivência entre os dois começa com zilhões de pedras na mão, já que Shlomo não consegue deixar de relevar o fato de Mauro não ser judeu e este, por sua vez, não pretende fazer outra coisa a não ser passar seus dias ao lado do telefone, à espera de uma ligação dos pais.

Bem, se até aqui você imaginou se tratar de um filme sobre a ditadura militar, você imaginou errado, e estamos falando do primeiro grande acerto de Hamburger: o foco da narrativa de “O Ano” não é na política em si, que serve apenas como pano de fundo; aqui, a trama é única e exclusivamente sobre Mauro, sobre o processo de amadurecimento forçado ao qual o menino passou quando se viu longe dos pais, em um lugar estranho, carregando nas costas a imensa responsabilidade de cuidar de si mesmo aos 12 anos de idade. A amizade com uma vizinha de sua idade, Hanna (Daniela Piepszyk); a cumplicidade com o rebelde Ítalo (Caio Blat), tendencioso ao movimento; a paixonite aguda pela garota mais cobiçada do bairro, a bela Irene (Liliana Castro)… e claro, o amor desenfreado por futebol, representada por infinitas partidas na rua e jogos de futebol de botão.

O enredo escrito a oito mãos acerta em cheio ao desviar-se do foco sócio-político – um clichê inesgotável do cinema nacional – para focar a história nas descobertas de Mauro e em sua própria (falta de) idealização deste momento delicado.

Para o bom resultado final, muito ajuda a bela reconstituição da época – incluindo aí um ótimo uso de músicas como o hit da Jovem Guarda Eu Sou Terrível na trilha sonora, muito bem empregada por sinal – e o impressionante desempenho da dupla central, Germano Haiut e Michel Joelsas. Enquanto o primeiro, na pele de Shlomo, dá um show de interpretação como há muito não se via em nosso cinema, o segundo, como Mauro, demonstra uma incrível maturidade e um domínio impecável de seu personagem – coisa, aliás, que muito veterano “global” à solta por aí ainda não aprendeu a fazer. O talento de Joelsas é visível quando consideramos que seu Mauro, que oscila o tempo todo entre as responsas do mundo adulto ao qual foi forçado a evoluir e às características da infância, é um personagem bem difícil de se lidar.

Um exemplo: em uma cena, Mauro tenta se virar na cozinha com os restos de comida deixados pelo avô, para não ter que pedir socorro a Shlomo; em seguida, encontra as economias do falecido e não hesita em torrar o dinheiro em figurinhas. Isto na tela é de cortar o coração – e a entrega de Michel Joelsas é imprescindível para que estes pequenos detalhes funcionem. Em contraparte, temos a PÉSSIMA atuação da menina Daniela Piepszyk – sério, dá convulsões ouvir a voz da menina! – e um problema que nem chega a ser exatamente um problema… mas particularmente senti falta de algumas coisas. Os papéis de Simone Spoladore e principalmente de Caio Blat (talvez em seu melhor momento até então) são muito bons e defendidos com extrema competência, mas permanecem muito pouco em cena; e mesmo com quase duas horas de projeção, “O Ano” termina de forma tão brusca que fica a sensação de que havia mais a ser dito – embora sua seqüência final seja praticamente perfeita. Não são defeitos, mas deixam um gostinho de “quero mais”.

Em suma, “O Ano” é um longa que emociona sem apelar à sacarina, faz rir sem usar piadinhas chulas e provoca reflexão sem precisar expôr os fatos ou uma inclinação. A fita acerta em cheio por não se render a qualquer espécie de padronização do cinema nacional – assim como o belíssimo Casa de Areia, é um filme aparentemente indeciso entre o comercial e o “alternativo” que, na verdade, sabe muito bem equilibrar as qualidades destas duas espécies de cinema; a direção e o roteiro de Cao Hamburger respeita seu público ao apresentar uma trama cuja narrativa é centrada em sutilezas e mensagens escondidas nas entrelinhas. Para Hamburger, não precisa mastigar tudo para deixar cada detalhe compreensível ao espectador. Não precisa e nem deve! O maior trunfo de “O Ano” é exatamente se impor como uma obra absolutamente inteligente no meio de tanto troço burro que tem explodido por aqui.

E ainda vai explodir: vem aí Religião Urbana e O Magnata, respectivamente o filme sobre Renato Russo e o longa escrito pelo sujeito do Charlie Brown Jr. Agh! Onde estão os militares para impedir esta tragédia??? Ah sim, e se o Michel Joelsas quiser, ele pode ser meu filho, visto que o pivete é muito engraçado e A ARCA nunca me dá férias mesmo. 😛

P.S.: A Srta.Ni, também presente na sessão, mandou dizer que achou o filme bem supimpinha.

O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias (Título original: Idem) / Ano: 2006 / Produção: Brasil / Direção: Cao Hamburger / Roteiro: Cao Hamburger, Bráulio Mantovani, Cláudio Galperin e Anna Muylaert / História original: Cao Hamburger e Cláudio Galperin / Elenco: Michel Joelsas, Germano Haiut, Simone Spoladore, Eduardo Moreira, Caio Blat, Daniela Piepszyk, Liliana Castro, Paulo Autran / Duração: 110 minutos.


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