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Antes de ser o excelente e aclamado longa-metragem que é, a aguardada nova versão da história do símio Kong, dirigida por Peter Jackson, empreende também um milagre sem precedentes. Afinal de contas, King Kong talvez seja o primeiro remake na história do cinema que o Zarko aqui não aguardou com bastante ódio no coração, e sim com muito carinho, amor e ansiedade. Alguém aí reparou neste pequeno detalhe? Se o céu ficar vermelho e começar a chover bolas de fogo, não se preocupe, é o Fanboy que acaba de conseguir uma namorada. 😀
Brincadeiras à parte, esta empolgação toda de minha parte justifica-se. A verdade é que o novo trabalho de Peter Jackson, como todos devem saber, é uma releitura direta de um pequeno filme do início dos anos 30 que revolucionou a indústria do cinema, arrastou multidões às salas de exibição e é considerado por muitos especialistas uma das maiores obras-primas da história da sétima arte e o verdadeiro precursor dos chamados blockbusters – pequeno filme este da qual sou fã inveterado: King Kong, o original de 1933. Não à toa, o novo “King Kong” só está aí, perfeito deste jeito, porque Jackson cansou de declarar que descobriu as maravilhas do cinema com “King Kong” e rodar a sua versão da história do macacudo era simplesmente o sonho de sua vida.
A idéia central da primeira película surgiu da mente do produtor e cineasta Merian C. Cooper, que escreveu um rascunho de roteiro depois de um pesadelo na qual via Nova York sendo arrasada por um gorila gigante. Com um minúsculo texto em mãos, Cooper chamou o roteirista e amigo de longa data Edgar Wallace (que morreu em 1932, antes de conseguir concluir seu trabalho) para ajudá-lo a desenvolver a idéia melhor. Em seguida, Ruth Rose e James Ashmore Creelman (que suicidou-se em 1941) construíram o roteiro completo. Roteiro pronto, Cooper contratou o cineasta Ernest B. Shoedsack para co-dirigir o filme, inicialmente batizado The Beast (A Fera) – até sair do papel, “King Kong” seria rebatizado mais três vezes: “The Ape” (O Macaco), “Kong” e “The King Ape” (O Rei Macaco).
O primeiro problema enfrentado pelos produtores Cooper e Shoedsack surgiu na forma da RKO Radio Pictures, a única produtora a realmente se interessar pelo projeto. Em pleno início dos anos 30, “King Kong” era um belo de um tiro no escuro, já que gastaria rios de bufunfa para viabilizar os maneirismos técnicos que o roteiro exigia. Mesmo concordando em bancar a produção, orçada em suados 670.000 dólares, os representantes da RKO, totalmente temerosos, desacreditados e à beira da falência, fizeram marcação cerrada em cima do projeto – o que dizem ter atrapalhado o andamento das filmagens.
Mal sabiam eles que “King Kong” tornaria-se um enorme sucesso em seu lançamento, rendendo US$ 90.000 em seus três primeiros dias (a maior abertura do cinema norte-americano até então) e, mais tarde, a bagatela de US$ 1,75 milhão só nos EUA (uma marca absurda para os padrões daquele ano) e salvando a RKO da falência. Uau! 🙂
O enredo de “King Kong”, ambientado em Nova York, retrata o desespero do diretor de cinema Carl Denham (Robert Armstrong) em encontrar uma protagonista para um drama romântico que pretende filmar na África. Nenhuma grande atriz quer aceitar o papel. Acaba contratando Ann Darrow (Fay Wray, que assumiu depois da recusa da diva Jean Harlow e ficou marcada para sempre por este papel), garota pobre que sonha em ser estrela de Hollywood. No caminho para a África, entretanto, a equipe técnica encontra uma ilha perdida no meio do oceano, habitada por nativos que têm a estranha mania de oferecer “noivas” a um gorila gigante que vive por lá… Assim, Ann é seqüestrada por Kong, que apaixona-se pela bela donzela e força a equipe do filme a resgatá-la em meio a dinossauros assassinos e ultra-selvagens.
Embora possua uma história rica em detalhes e cheia de significados nas entrelinhas, “King Kong” tornou-se mesmo uma febre por ter usado efeitos de mixagem de som pela primeira vez no cinema (o rugido de Kong é uma mesclagem de rugidos de tigres e leões tocados ao contrário) e também por conta de seus fantásticos efeitos visuais. A produção e as filmagens de “King Kong” duraram 16 meses (!!!) de muitas dores de cabeça para os produtores e diretores; muitas delas correspondiam aos incessantes ataques de estrelismo de Fay Wray, pela dificuldade na confecção dos cenários (as árvores, por exemplo, eram construídas com metal e folhas reais) e pela pressão sufocante da RKO.
Enquanto isto, Merian C. Cooper queria o máximo de perfeição em seu longa, e para isto utilizou-se dos mais inovadores e modernosos efeitos especiais (para a época, claro), como pinturas sobre painéis de vidro, animação em stop-motion (a preferida da Srta.Ni), réplicas e miniaturas de prédios e o efeito chamado rear screen projection (projeção de imagens pré-gravadas numa tela ao fundo), recurso este que viria a ser usado em 9 de cada 10 produções a partir daí. Tudo bem, hoje o resultado é risível, mas ainda assim não deixa de ser marcante. 🙂
A maior preocupação do estúdio era o próprio Kong. O macacão PRECISAVA parecer real. Para isto, a equipe convocou o especialista em animação Willis O’Brien, que aproveitou os animais criados para “Creation”, uma produção que acabou não sendo produzida, e elaborou vários modelos de Kong, todos de massinha e com 40 centímetros de altura. Os modelos, diga-se de passagem, eram bem tosquinhos – o gorila está sempre com a mesma “expressão feliz” e apresenta diferenças gritantes entre um outro, como por exemplo “crescer” e “encolher” a cada tomada. A RKO também achou, e tentou, de todas as maneiras, cancelar o trabalho por medo de uma recepção negativa do público.
Ledo engano: “King Kong” estourou nas bilheterias de tal maneira que a RKO relançou-o QUATRO vezes, entre 1933 e 1951, sempre com cortes de uma ou outra cena, além de promover um mega-evento em 1971, ocasião do lançamento de uma cópia totalmente restaurada. Platéias não acostumadas a freqüentar salas de cinema lotavam sessões atrás de sessões, encantadas com a descoberta de um universo místico habitado por dinossauros em convivência com seres humanos e gorilas gigantes dotados de personalidade e sentimento; formas de vida retratadas visualmente e emocionalmente de uma maneira nunca vista nos filmes. O sucesso do macacão gerou até uma bisonha continuação, O Filho de Kong (The Son of Kong, 1933), além de derivados horrorosos como a bizarrice King Kong vs. Godzilla (Kingu Kongu tai Gojira, 1962), que põe o nativo da Ilha da Caveira frente à frente com o lagartão japoronga. Trash! 😀
E o sucesso e o status de “clássico” que “King Kong” ostenta não é pra menos. Impossível esquecer a grandiosa seqüência da batalha entre Kong e o Tiranossauro Rex, o momento em que Kong escapa do Teatro e a famosíssima cena do ataque dos aviõezinhos no alto do Empire States (cena esta que foi rodada com um homem vestido de macaco, em cima de uma réplica do prédio recém-inaugurado). Se você assistir ao “King Kong” de 1933 hoje, certamente achará que a fita está beeeem envelhecida. Nem eu mesmo posso negar que as atuações são forçadíssimas (em especial a de Fay Wray, bem ruinzinha), os diálogos causam risos em certos momentos e, num saldo geral, a história não consegue atingir o ápice sentimental que sabemos que carrega. Ainda assim, esta pequena produção que, sem querer, mudou os rumos do cinema de entretenimento de hoje, continua resistindo ao tempo com a mesma glória de outrora.
Mas que o Kongão daqui tem uma cara de “sorvete na testa”… ah, isso ele tem! 😀
King Kong (Título original: Idem) / Ano: 1933 / Produção: Estados Unidos / Direção: Merian C. Cooper e Ernest B. Shoedsack / Roteiro: Ruth Rose e James Ashmore Creelman / História: Merian C. Cooper e Edgar Wallace / Elenco: Fay Wray, Robert Armstrong, Bruce Cabot / Duração: 93 minutos.
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