Ok, ok, quem costuma acessar frequentemente A ARCA deve estar cansado de ler que eu vivo falando mal da série Smallville aos quatro ventos. Obviamente, muitos me perguntam o porquê e até dei uma palhinha ou outra do meu ódio incondicional em relação ao programa. Pode me chamar do que você quiser: chato, fã xiita, mente fechada, etc. Tô pouco ligando. Mesmo.
O fato é que, como adaptação de um personagem de quadrinhos, a série não serve, não cumpre sua função.
Primeiro, vamos ao básico do básico: “Smallville” é sobre contar a adolescência de um ser que irá se tornar o Superman, e seu caminho até vestir o uniforme e ser o maior herói de todos os tempos. A premissa é simples assim. Mas antes de mais nada… que Superman? O pré-Crise? O pós-Crise? Pré ou pós-crise de meia-idade? Pós-menopausa? Há tantas facetas do Homem-de-Aço nos quadrinhos que os produtores e roteiristas tiveram que ver com qual iriam trabalhar e tudo devido a uma simples palavrinha: público.
Sim, público, pois tudo o que querem é audiência e nem todo mundo que senta com a bunda na poltrona lê quadrinhos. Muitos nem sabem da existência de um Superman pré e pós-Crise. A pergunta básica inicial deve ter sido mesmo com qual encarnação do herói começar e foi aí que o bicho começou a feder. A resposta foi: tudo e nada, ao mesmo tempo. Ou seja, misturaram todos. Pegaram elementos de uma versão, misturaram com outra, adcionaram uma pitadinha do Superman de outra era e deu no que deu. Uma colcha de retalhos que mal dá pra identificar como sendo a base do Clark Kent.
Pra quem está lendo este texto e não sabe a diferença entre os dois tipos principais de Superman, aí vai uma explicação rápida: quando foi criado, em 1938, Superman fez aquele sucesso estrondoso que todos sabemos e foi ganhando cada vez mais poder. Antes apenas saltava e dentro de pouco tempo, já voava. Corria mais rápido que uma locomotiva e dentro de pouco tempo, quebrava a velocidade da luz. E tudo isso aconteceu porque os roteiristas queriam dar cada vez mais emoção às histórias e deixar tudo mais incrível. Porém, conforme os poderes aumentavam, aumentava também o nível dos vilões, que ficavam cada vez mais absurdos e inacreditáveis. É nessa época que surgiu a brilhante idéia da kryptonita, mas que tornou-se uma fórmula mais do que esgotada porque além da verde, começaram a aparecer, sem explicação plausível, pedras de diversas cores. Sim, tínhamos um arco-íris de kryptonitas. Cada uma causando um efeito diferentes. Querendo ainda deixar tudo mais politicamente correto e atrair mais crianças, vários animais foram aparecendo: supercão, supermacaco, supergato, supercavalo, enfim, um superzoológico inteiro.
Os vilões, por sua vez, vinham com viagens no tempo, deslocamento de planetas (sim, certa vez, Superman simplesmente dá um empurrão na Terra, pra salvar nosso planeta do choque de um gigantesco cometa e depois “coloca de volta” a Terra em sua órbita natural… sem consequência ecológica alguma!) e outras atrocidades. Como se tudo não pudesse piorar, os coadjuvantes do personagem, como Lois Lane e Jimmy Olsen, ganhavam suas próprias revistas, mostrando como era diferente ser a namorada de um super-herói ou o melhor amigo dele. Uau, isso realmente me prende a ler uma revista todo mês!
O tempo foi passando, passando, passando e cada vez mais coisas absurdas, muito piores que as já citadas, aconteciam. Chegou um momento em que a grande maioria dos personagens do Universo DC (Batman, Flash, Lanterna Verde, etc) estava seguindo o mesmo barco. A DC parou, olhou, contemplou, analisou, olhou de canto de olho e disse: “Chega!”
E eis que decidiram arrumar a casa. Como?
Um mega-evento chamado Crise nas Infinitas Terras aconteceu, no qual as várias realidades alternativas eram exterminadas, muitos personagens morreram e tudo recomeçou do zero, como se nada antes tivesse existido. Foi então, que Superman, assim como todos os outros personagens remanescentes, tiveram sua origem recontada. Tudo feito de forma mais plausível, inteligente e sem ofender os leitores.
Nessa nova origem, Superman também chegou na Terra como um bebê dentro de uma nave, os Kents ficaram com ele, aquela baboseira toda. Porém, agora, ele era muuuuuuuuuuito mais fraco do que seu predecessor. Seu poder iria aumentar e muito, mas de forma mais lenta. Enquanto antes ele era um deus, agora ele tinha limites. E às vezes, problemas que ele simplesmente não iria conseguir resolver com o uso de seus poderes. Dessa vez, haviam as consequências (o que me faz pensar o que teria acontecido, caso, dessa vez, ele conseguisse tirar e recolocar a Terra em sua órbita…).
Todos os coadjuvantes foram bem trabalhados, os vilões tinham motivos pra odiar o Superman e seus próprios objetivos a atingir. Eles não eram simplesmente maus e é isso aí. Não havia superanimais e nem kryptonita colorida, apenas a verde. Tudo aquilo de grotesco e que ofendia a inteligência do leitor foi tirado ou, na melhor das hipóteses, reformulado. Deus existia e era fã de quadrinhos. ^_^
Aos poucos esse novo Superman foi sendo modificado, mas essa já é uma outra história.
E isso nos faz voltar a “Smallville”.
Já deixo claro que odeio o Superman pré-Crise, ou seja, esse com o super-zoológico, kryptonitas coloridas e tal. Eu, antes da reformulação, quando era pequeno, viajava no personagem, mas pô, eu tinha 5, 6 anos de idade e tava indo na onda dos filmes (sim, aqueles com o Christopher Reeve). Hoje, eu olho pra tudo aquilo (menos os dois primeiros filmes, é claro!) e torço o nariz. Era tudo muito emburrecedor.
Enfim, e eis que algum produtor de TV tem a “brilhante” idéia de fazer uma série contando a adolescência do Superman e como ele vestiu a capa vermelha. Hmm… ok, vamos ver no que dá, né? Lembro que eu tinha um misto de ansiedade e medo quando começaram a anunciar os atores, quando surgiram as primeiras fotos, quando apareceram os primeiros vídeos. E aí, eu assisti ao primeiro episódio.
Fiquei meio chateado, mas esperançoso de que pudesse melhorar, afinal, era apenas o primeiro episódio. Achei a idéia da chuva de meteoros excelente. Isso explicaria a existência das kryptonitas na Terra e poderia ameaçar a futura identidade secreta de Clark. É questão de apenas um vilão chegar e pensar: “Onde posso arranjar kryptonita pra matar esse maldito? Ah, Smallville? Peraí, se as pedras são do planeta dele e ele caiu aqui com um foguete, o foguete deve ter caído lá, pois ouve a tal chuva de meteoros. Ah, quer dizer então que o cara foi criado lá? Hmmm…”
Simples, não?
Porém, eu fiquei indignado quando botei os olhos, pela primeira vez, em Lex Luthor. O que diabos Luthor faz em Smallville? Ok, deixa eu explicar. Na época do Superman pré-Crise, Luthor e Clark eram amigos na adolescência e o riquinho culpa o Superman por sua perda de cabelos (que na série, acontece devido à chuva de meteoros), fazendo os dois se tornarem inimigos (uau, olha só o motivo que a primeira versão do Superman nos dá pra ter conseguido seu maior inimigo: “Seu alien maldito! Veja só o que você fez! Perdi toda a minha linda cabeleira! Eu te odeio, morra! Tenho toda a grana do mundo e poderia reimplantar, mas os roteiristas não querem assim, então morra! Morra porque eu tenho que te odiar de alguma forma!”).
Luthor e Clark, amigos na adolescência? É claro que no Superman pós-Crise, tudo isso foi reformulado. E tudo por causa da fraquíssima razão de Luthor odiar Clark e, principalmente, por causa da identidade secreta. Não entendeu? Eu explico: pensa assim… eu e você somos os melhores amigos por anos. Saímos juntos, vamos ao cinema, jogamos sinuca, boliche, vamos a shows, vamos a bares para paquerar e tal. Aí, do nada, devido a um acontecimento x, não nos vemos mais. Você vai para um canto do mundo e eu, vou pra outro. Aí, do nada, anos depois, surge um alienígena que banca o herói. Uau, ele é a sensação mundial. Todos voltam sua atenção para ele. Aí, acontece o dia em que você fica cara-a-cara com o alienígena. E você não nota que ele é o seu melhor amigo da época da adolescência. E o pior: mais tarde, você reencontra seu melhor amigo, dessa vez, usando óculos. E você nem nota que ele é o alienígena sensação do momento. E olha que você é um gênio que constrói máquinas futuristas, de tecnologia de ponta, coisas superdetalhistas!
E outra: se eu tenho a riqueza que Lex tem, o que eu estaria fazendo num fim de mundo como uma cidade interiorana no meio do Kansas, onde não existe nada? Não sei de você, mas se você costuma assistir ao E! Entertainment Television, eu, com certeza, estaria no meio dos Wild On da vida, no mínimo. Pô, eu sou rico!
Ok, aí vêm os roteiristas e criam o argumento de que Lex está de castigo, imposto por seu pai. Tudo o que ele tem que fazer é aprender a virar um “homenzinho” ao controlar uma subsidiária do império da família no meio do nada durante um tempo. Opa, opa, argumento bom, mas tem um detalhe aí que ferra tuda. O tempo. Tudo bem, desculpa bem bolada, mas… quanto tempo dura esse castigo? Seis, sete temporadas? Um amigo meu me perguntou, no início da série, como fariam com o Lex, e eu disse: “Não tem mistério, ué! Quando a idéia do castigo ficar batida, eles arranjam outra desculpa. E assim vão ficar arrastando o personagem na série durante trocentésimas temporadas. Nada mais óbvio e ridículo, fazer o quê?”
Acho que já ficou claro que Luthor em Smallville foi a primeira coisa que odiei, logo de cara, por mais que Michael Rosenbaum tenha ficado perfeito no papel…
Aí veio o Krypton freak of the week. O que é isso? Na tradução literal, é: “A aberração Kryptoniana da semana”. A idéia é simples e genial (mesmo!). As pedras da chuva de meteoros, por serem radioativas, afetavam as pessoas que entravam em contato com elas, dependendo das condições do contato, dando os mais bizarros poderes para tais pessoas. Ok, idéia boa, bacana, mas aí… abusaram do plot. Toda semana tinha alguém superpoderoso pra Clark enfrentar, toda semana tinha alguma aberração criada pelas pedras e que causava confusão. Chegou uma hora que ficou forçado demais, pois os roteiristas usavam esse recurso à exaustão. Claro que, uma hora se tocaram e pararam de usar os krypton freaks e tentaram focar as histórias mais na origem do personagem.
E isso também parecia uma boa idéia, afinal, ele deixava de enfrentar aberrações e íamos ver o personagem em busca de quem ele é. Com certeza, me animei muito mais. Os episódios seguintes foram melhorando e eu tinha plena esperança de que pudesse continuar assim.
E eis que a pior coisa que poderia acontecer na série, aconteceu. Jeph Loeb, roteirista de quadrinhos, vira consultor (e às vezes, roteirista) do programa. Sim, Jeph Loeb, é, pra mim, o pior roteirista dos quadrinhos de Superman da era pós-Crise (mesmo porque, pra ganhar dele, só as bizarrices feitas na época dos superanimais e coisas do gênero). Loeb sabe contar histórias. Loeb sabe mexer com plots, conhece todas as ferramentas para se escrever um roteiro, mas o maior problema dele é seu gosto, no mínimo, duvidoso. Ele adora as coisas da era pré-Crise. Eu até previ o que iria acontecer, numa notícia que escrevi, quando a presença dele no programa foi anunciada.
Na minha cabeça, meus piores temores aconteciam: kryptonitas coloridas (kryptonita preta, PRETA!!!!), Jor-El lidando com Clark, o surgimento da Supergirl e muitas outras coisas.
E qual o primeiro episódio escrito pelo figura? O do surgimento da kryptonita vermelha!!! Tá-dãããããã!!!
E Jor-El está morto, não? Ou tá vivo? Sei lá, pois não faz mais diferença nenhuma, já que, mesmo morto, o cara consegue influenciar o que está acontecendo aqui na Terra. E mais: ele dá poderes para Jonathan, pai adotivo de Clark, para brigar com o filho, que está sob influência da kryptonita vermelha. Jonathan… com poderes? Ah, meu, vai catar coquinho, pra não dizer outra coisa…
E quando pensei que Loeb não poderia piorar a coisa toda, eis que surge… Lois Lane! Nem na era pré-Crise ele conheceu Lois em Smallville!!! O que ela tá fazendo lá??? Não, não tente me explicar ou me convencer, porque não dá. Se já era difícil o esquema da identidade secreta com Luthor, imagina com Lois, que é alguém que ele verá todo dia em seu futuro ambiente de trabalho e que, quando não o vê assim, o vê enquanto é resgatada no ar por ter sido arremessada de um arranha-céu pelo vilão da vez? Meu, não dá! Sim, o “chove não molha” com Lana Lang ainda não é o suficiente (e olha que já tem a Chloe, lá, que é a única coisa realmente boa da série! Por falar nela, engraçado como a única coisa boa na série é algo que não existe nos quadrinhos, hehe)?
Porém, os roteiristas não poderiam deixar de mostrar, na série, todos os aspectos que compõem Superman. E eis que um deles lembra: “É mesmo, o Super é também vulnerável à magia! Vamos trabalhar com isso?”. Ok, ótima idéia, execução nem tanto.
Sim, me refiro aos episódios em que bruxas dominam (adivinhe quem), Lana, Lois e Chloe, tornando-as malignas e ultra-poderosas. Meu Deus, do jeito que fizeram, nem se convocassem o Merlin, junto com o Gandalf, Elminster e todos os outros grandes bruxos das lendas e da cultura popular poderiam fazer frente à uma só delas! Sim, exageraram nas garotas! E ninguém na porcaria daquela cidadezinha menor do que o meu quarto nota nada!!! Não sei nem como Fox Mulder e Dana Scully não deram as caras ainda na série, de tanta coisa bizarra e sem sentido que acontece…
E de novo, quando mais uma vez você pensa que nada poderia piorar, eis que surge… o Universo DC!!!
Do que estou falando? Ora essa, dos outros grandes heróis surgirem em Smallvile! Sim, o Flash já apareceu. O Aquaman já chegou também. Pensaram em colocar o Batman em um episódio, mas ainda bem que voltaram atrás e fizeram o filme. Daqui a pouco teremos a Mulher-Maravilha, o Lanterna Verde (se bobear, com o Gnort a tiracolo, acompanhando o Hal Jordan), Ajax, Gavião Negro, Átomo e por aí vai. Imagina só como deve ser: em seu mundo, Smallville é tão pequena que nem existe no mapa, mas todos os heróis da DC, aos poucos, estão indo pra lá. Uau, que empolgante.
Só se você tiver QI – 130, meu caro – e não duvido nada se Loeb não resolvesse colocar a Lori Lemaris pra aparecer na série, já que até o Aquaman apareceu. Pra quem não conhece essa, é uma namorada que Clark teve na época da faculdade, que esconde o terrível segredo de ser uma… sereia! Ah, se bem que o Loeb saiu do programa faz pouco tempo, mas até aí, o estrago já tá feito…
Nessa sucessão de acontecimentos, quando Clark botar finalmente a roupa azul e vermelha, ele já será um deus e não falo só dos poderes, mas da sua experiência contra seres superpoderosos. Meu Deus, tanto na era pré-Crise quanto na era pós-Crise, quando Clark botou o uniforme pela primeira vez, ele era super (desculpe o trocadilho ridículo) inexperiente. Ele cometia erros atrás de erros. Era era falho e, portanto, mais crível.
Tenho milhões de outros erros e coisas ridículas como exemplo do porquê eu odeio Smallville. E teria ainda muito mais argumento se eu tivesse continuado a assistir. Porém, esse texto já está grande demais e preciso finalizar. O esquema é o seguinte: como adaptação do Superman pré-Crise, falha miseravelmente, e isso era o mais difícil de acontecer, já que o material escrito naquela época era ridículo. Como adaptação do Superman pós-Crise… que Superman pós-Crise? Nâo existe nada disso lá. Como mistura de várias encarnações do personagem, conseguiram fazer as piores escolhas criativas possíveis.
E pra que não lê quadrinhos e assiste à série, se um dia pegar os quadrinhos pra ler (empolgado com o que viu na TV), vai quebrar a cara. E vai quebrar feio, pois tudo o que há nos quadrinhos é beeeem diferente do que se passa na série. Ok, você pode dizer que são épocas diferentes, que na série Clark nunca usou o uniforme, sendo que nos quadrinhos ele já enfrentou todos os tipos de ameaça, mas não rola, o choque vai acontecer de qualquer jeito. E sabe por quê? Porque não há elemento algum na série que tenha repercutido nos quadrinhos e vice-versa. Pra quem não lê, vai tomar o que aconteceu com o personagem na série como sua verdadeira origem e o estrago é ainda maior para a nova geração de leitores/telespectadores, que não sabem de nada sobre a “Crise nas Infinitas Terras”, as diferenças entre Superman pré e pós-Crise e que não tiveram a sorte de crescer vendo os filmes de Christopher Reeve e o impacto que isso teve na época. Não vão conhecer a essência do personagem e sim essa versão deturpada e mal explicada de Smallville. Trocando em miúdos, destruíram o personagem e toda a sua mitologia.
Ah, mas aí você vem e diz que é outra mídia, é televisão, não tem obrigação de fazer como nos quadrinhos, pode ser um pouco diferente. Te respondo uma coisa só: se o personagem faz sucesso, isso acontece pelo jeito como ele é. Então… por quê mudar tudo? Claro que há coisas boas e ruins nos quadrinhos, mas fique no básico sobre o personagem, manja? É como nos filmes do Homem-Aranha, o básico, entende? É como dizem no Covernation MTV: “Se é pra adaptar, adapta direito, po$%!!!!”
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