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O diplomata britânico Justin Quayle, radicado na África, despede-se de sua esposa, Tessa Quayle, que embarca num avião na companhia de um médico rumo a um povoado. Um corte de cena, e um jeep capota num deserto, sendo invadido em seguida por algumas pessoas, que embrulham um corpo em saco plástico e o carregam consigo. Mais um corte, e Justin, em seu escritório, recebe a notícia de que Tessa fora assassinada.
Estas seqüências juntas, que não duram cinco minutos, formam a absurda seqüência inicial de O Jardineiro Fiel (The Constant Gardener, 2005), o tão aclamado longa de estréia lá fora de ninguém menos que o brazuca Fernando Meirelles, um dos responsáveis pelo cultuado Cidade de Deus e mais conhecido como “aquela figura que fez um sinal bisonho com os dedos no Oscar passado”. Ao contrário de seu conterrâneo, o camarada Walter Salles – que rodou uma série de longas intimistas e decidiu estrear nos States com Água Negra, uma fita bem comercial -, Meirelles preferiu explorar um terreno mais delicado e, diria eu, até mais perigoso. O resultado? Bem, a fita é realmente muito, muito boa. Sinceramente, não acho que seja a oitava maravilha do mundo, como muitos andam saudando por aí. Mas é, sim, uma película magistral, tanto como thriller de ação, quanto drama romântico. O que diminui levemente o impacto é justamente… “Cidade de Deus”. Mas hein? o_O (símbolo roubado da Srta.Ni)
Calma lá, que eu explico. Mas antes, o roteiro: a partir da seqüência inicial, o roteiro de Jeffrey Caine (cujo trabalho mais significativo é o roteiro de 007 Contra GoldenEye) divide-se em duas partes: na primeira parte, volta no tempo e acompanha o relacionamento de Justin (Ralph Fiennes, ótimo como sempre) e Tessa (Rachel Weisz, certamente no papel de sua vida). O comportamento anárquico e “xabuzento” da ativista contrasta com o modo tranqüilão do diplomata apaixonado por botânica, acostumado, por conta do trabalho, a manter a serenidade e o racionalismo em situações tensas. Ainda assim, o romance engata.
O casamento parece sofrer um abalo quando Tessa, que não é “mulher de falar” e sim “de agir”, começa a engajar-se em obscuras causas políticas ao lado do médico keniano Arnold Bluhm (Hubert Koundé). Tessa distancia-se cada vez mais de Justin, e este passa a desconfiar das atitudes da esposa, mas ainda nota-se uma ligação sentimental entre os dois.
Na segunda parte, Tessa está morta. Ao chegar do velório e fuçar suas coisas, Justin descobre evidências que comprovam que a morte de sua esposa pode ter sido nada menos que “queima de arquivo”. O fato é que Tessa descobrira há pouco que dois grandes conglomerados farmacêuticos usavam a população carente dos povoados africanos para testar novos remédios com nível de segurança zero, pouco importando-se com os efeitos colaterais. Ela sabia demais, e provavelmente foi apagada por isto. Dominado pela dor da perda e por um enorme sentimento de culpa, por ter duvidado de sua fidelidade ao matrimônio, Justin decide que é hora de honrar a memória da esposa assassinada e investiga seus últimos passos à procura da verdade.
Ok, este é o enredo. Um pusta dum senhor enredo, diga-se de passagem. E a fita não deixa por menos: a direção sutil e ao mesmo tempo corajosa de Fernando Meirelles entrega cenas de amolecer até mesmo o mais duro dos corações (ou seja, eu!); “O Jardineiro Fiel” não poupa o espectador, mergulhando fundo na paupérrima situação do povo africano e entregando seqüências bastante difíceis de engolir. Pois é, não pense que você encontrará tomadas belíssimas da África, com o Sol poente ao fundo e um elefante correndo ali no cantinho (!). Aqui, o negócio é mais embaixo. Se você se impressiona fácil, evite a sala de cinema em que “O Jardineiro Fiel” esteja sendo exibido e procure outra fita pra ver – menos Um Gigolô Europeu por Acidente, que é um pequeno e singelo cocô, mas isto é outra história. 🙂
O grande acerto da produção, a meu ver, é a excepcional e criativíssima montagem de Claire Simpson (de Platoon) e a escolha do elenco. Enquanto Ralph Fiennes – que não precisa provar pilombas a ninguém depois de seu maravilhoso desempenho em Fim de Caso, de Neil Jordan – entrega um Justin Quayle contido, centrado, mas cheio de conflitos internos e visivelmente prestes a explodir, Rachel Weisz, a mocinha de Constantine, dá um show de interpretação como a impulsiva e guerreira Tessa Quayle. Se dependesse de mim, o Oscar de Melhor Atriz do ano que vem poderia ser antecipado e entregue à indivídua sem maiores pepinos. E ela é linda. Isto não tem nada a ver com o filme, mas ela é mesmo! 😀
Mas como disse lá em cima, “O Jardineiro Fiel” é um excelente cinema, mas não é perfeito. E seu defeito é justamente o estigma “Cidade de Deus”. Ou seja, excesso de estilo. Bem, eu até gosto de “Cidade de Deus”, mas acho que seu grande problema é ser estilizado demais. Tudo bem, Fernando Meirelles têm sua marca própria, mas sempre achei que “Cidade” poderia ter sido bem mais impactante se não fosse tão carregada em sua fotografia e tão elétrica em seus enquadramentos de cena. Este é exatamente o mesmo problema de “O Jardineiro Fiel”: a estética de Meirelles matou boa parte do realismo existente no enredo, o que o tornaria automaticamente muito mais visceral do que já é – e como conseqüência, o transformaria num clássico.
Claro que isto é apenas um mero detalhe: nada que estrague a terrível e incômoda experiência de assistir a “O Jardineiro Fiel”, somente diminui o tranco. Fernando Meirelles prova que pode ir muito além e que é, sim, um cineasta de muito respeito. Mas como filme-político, ainda acho que O Senhor das Armas é mais desolador. Afinal, enquanto este aqui nos alerta para o lado pobre do planeta e nos diz que somos verdadeiros egoístas, já que podemos fazer muito para melhorar o mundo mas nada fazemos, o longa do titio Nicolas Cage mostra que, infelizmente, só o que podemos fazer naquele caso é assistir – e lamentar.
Tá bom, tá bom! Eu chorei de novo, tá? Duas vezes, pô! 😛
:: ALGUMAS CURIOSIDADES
– Os espectadores mais atentos encontrarão em “O Jardineiro Fiel” pelo menos quatro descaradas referências a “Cidade de Deus”. Um delas, óbvio, é a cena das indefectíveis galinhas correndo de um lado a outro… É o John Woo com pombas e o Fernando Meirelles com galinhas. Que bizarro, isso. 🙂
– Originalmente, o inglês Mike Newell seria o diretor de “O Jardineiro Fiel”. Newell pulou fora ao receber o convite para comandar Harry Potter e o Cálice de Fogo. Melhor assim: alguém aí duvida que o filme perderia todo seu senso de filme-denúncia e se transformaria em mais uma coisa melosa e grudenta, bem aos moldes de A Luta Pela Esperança? 😛
– Ralph Fiennes segurou e operou a câmera em diversas seqüências, com o objetivo de mostrar os fatos pelo ponto de vista de Justin Quayle.
– “O Jardineiro Fiel” foi indicado ao Leão de Ouro no Festival de Veneza deste ano. Perdeu o prêmio para o ainda inédito Brokeback Mountain, de Ang Lee.
O Jardineiro Fiel (Título original: The Constant Gardener) / Ano: 2005 / Produção: Inglaterra / Direção: Fernando Meirelles / Roteiro: Jeffrey Caine / Inspirado no romance de John Le Carré / Elenco: Ralph Fiennes, Rachel Weisz, Hubert Koundé, Danny Huston, Daniele Harford, Packson Ngugi, Pete Postlethwaite e Bill Nighy / Duração: 129 minutos.
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