Existem três famosas crianças filósofas que protagonizam tirinhas que fazem, ao mesmo tempo, rir e parar pra pensar. Tem a Mafalda, que é mais engajada e fez 40 anos em 2004, e o Charlie Brown, que é mais perdedor e o mais velho da turma, com 55 anos. E tem também o caçula, Calvin, que é o mais egocêntrico e mais cínico dos três e faz aniversário em novembro! Já que a gente já falou de seus outros dois amigos de tirinhas, nada mais justo do que conhecer mais e homenagear esse personagem que é, na minha nada humilde opinião, o mais legal dos três. Porque ele tem um ego e uma imaginação bastante peculiares… e age como uma criança, não como um adulto em miniatura. E, como toda criança que se preze, tem “filosofações” e atitudes mais lógicas do que qualquer adulto.

“Na minha opinião, nós não desenvolvemos pesquisas científicas suficientes para encontrar a cura para os idiotas.”

Calvin e Haroldo é uma tira feita pelo norte-americano Bill Watterson, cujos protagonistas são Calvin – uma criança empolgada, imaginativa e não muito fã dos adultos – e seu tigre de pelúcia, Haroldo, que, através da imaginação do menino, vira um tigre de verdade. Eles fazem sucesso mundialmente e já entraram para a História como um clássico das tirinhas, mesmo tendo apenas 20 anos. Já foi publicado em 16 livros: Calvin e Haroldo, Algo Babando Embaixo da Cama, Yukon Hei!, Estranhos Seres de Outro Planeta!, A Vingança da Babá, O Progresso Científico deu Tilt, O Ataque dos Transtornados Monstros de Neve Mutantes Assassinos, Os Dias Estão Simplesmente Lotados, Felino Selvagem Psicopata Homicida, It’s a Magical World, The Essential Calvin and Hobbes: A Calvin and Hobbes Treasury, Calvin e Haroldo Para Ler aos Domingos, The Authoritative Calvin and Hobbes: A Calvin and Hobbes Treasury, The Indispensable Calvin and Hobbes: A Calvin and Hobbes Treasury, Os Dez Anos de Calvin e Haroldo e There`s Treasure Everywhere. Entre outros, a coletânea de 10 anos deles ficou um mês no topo das paradas dos mais vendidos nos EUA.

“Quando se é sério a respeito de se divertir, nunca é muito divertido.”

:: BILL WATTERSON

Bill Watterson nasceu em 1958, em Ohio (Estados Unidos). E desde pequenininho já era interessado em tirinhas e quadrinhos. Na verdade, ele lia quadrinhos desde criança, gostava da obra de Charles Schulz, e, já no colegial, desenhava charges em um jornalzinho da escola. Bill se formou em Ciência Política e durante os quatro anos de faculdade, fez charges políticas para o jornal interno semanal. Pois bem. Ele já estava encaminhado, e por isso não foi muito difícil para ele arranjar alguma coisa na área que gostava. Quero dizer, o cara já tinha talento, e isso contou bastante. Logo depois que ele se formou, já recebeu uma proposta do Jornal de Cincinnati para ser cartunista, em um contrato provisório de 6 meses. Mas, como nem tudo são flores, os tios do jornal despediram Bill Watterson sem mais nem menos, poucos meses depois. Aqueles seis meses não foram muito felizes para o cartunista, que, logo em início de carreira, se deparou com um editor chefe realmente mala, que rejeitava mais da metade de tudo o que ele fazia, e só aceitava as piadas políticas que satisfaziam seus interesses.

“A vida é cheia de surpresas, mas nunca quando você precisa de uma.”

Desempregado, ele procurou trabalho em outros jornais, mas não arranjava nada. Foi então que fez-se a luz: Bill Watterson cansou de piadinhas com políticos e abriu seus horizontes. Com tempo livre, resolveu se dedicar a quadrinhos e procurar algum sindicato que aceitasse suas tirinhas (sim, porque lá nos Estados Unidos as tirinhas são sindicalizadas). Cinco anos se passaram, com Watterson batendo às portas dos jornais e tentando vender suas diferentes criações em tirinhas. Como, apesar de às vezes não parecer, Bill Watterson também é humano, no começo seus métodos criativos não eram muito louváveis: ele queria vender seus quadrinhos, e por isso estava mais preocupado em agradar os caras dos sindicatos e dos jornais do que a ele mesmo. Mas ninguém aceitava mesmo assim. O moço já estava desiludido. Mas, como já diria Alfred, nós caímos para que aprendamos a nos levantar: um lindo e inspirado dia, Bill Watterson criou personagens que agradaram a ele acima de tudo, e descobriu que, para ser engraçado, precisava simplesmente, antes de mais nada, fazer o que ele mesmo considerava engraçado, não os outros (ok, isso não funciona com todo mundo, mas a vida é assim mesmo). Assim nasceram Calvin e Haroldo.

“Os desapontamentos da vida são mais difíceis de encarar quando você não conhece nenhum palavrão.”

Mas a famosa dupla não nasceu assim tão importante. Eles eram apenas personagens secundários de outra tirinha que Bill Watterson tinha criado e enviado para um dos sindicatos. Calvin era o irmão mais novo do personagem principal, e Haroldo era só o amigo imaginário desse irmãozinho. Um dos sindicatos deu uma sugestão: que Watterson desenvolvesse algo maior em torno desses dois personagens, que tinham futuro. O cartunista, apesar de concordar que Calvin e seu tigre eram realmente divertidos, ficou inseguro a princípio, achando que, separados dos outros personagens mais normais da tirinha principal, ficariam repetitivos. Mas acabou concordando. E fez-se a luz: como ele passou a gostar muito dos personagens, era cada vez mais fácil escrever um material divertido. Em uma entrevista com Andrew Christie, Watterson deu uma dica muito legal para todos aqueles que, como eu, sonham em um dia escrever um roteiro, livro, HQ ou qualquer coisa do gênero: “se você tiver as personalidades dos personagens prontas, entenderá e se identificará com eles. Poderá colocá-los em qualquer situação e vai ter uma idéia clara de como eles vão reagir. Depois, é só escolher e melhorar as piadas. Mas, se você tem personagens ambíguos ou estereotipados, ficam artificiais e não funcionarão bem”. Ironicamente, mesmo depois da inspirada sugestão, o sindicato que deu o conselho a Bill Watterson rejeitou a tira de Calvin e Haroldo. O cartunista não se deu por vencido e correu atrás da concorrência. Finalmente, conseguiu encontrar um felizardo que aceitou publicar suas tirinhas. A primeira tirinha do Calvin foi publicada em 11 de novembro de 1985. E foi sucesso imediato, pegando Bill Watterson de surpresa. No ano seguinte, com 28 anos, ele foi o cartunista mais jovem até então a ganhar o prêmio de Cartunista do Ano da Associação Nacional dos Cartunistas. Em 1988 ganhou novamente, e em 1992 foi indicado.

“Os adultos simplesmente agem como se soubessem o que estão fazendo.”

O pior é que ele era uma pessoa não muito afeita à fama. Era um artista totalmente contra a idéia de arte ser um produto no mercado. Mas acabou cedendo um pouco, e viu seus personagens atingirem altos graus de popularidade. Só não cedeu em vender seus direitos para licenciamentos de marcas, e por isso não temos, infelizmente, roupas ou canecas oficiais com a estampa deles. Tímido até não poder mais, o cartunista fugia de entrevistas e fotos. Tanto que nem existem fotos decentes para divulgação! Depois de ter se enchido de tanto bafafá em torno dele, Bill quase se arrependeu de ter criado nosso querido Calvin, não quis mais nem que seu nome fosse parar em qualquer lugar público e largou tudo. E foi morar recluso em uma fábrica de chocolates… opa, quero dizer… Mesmo tendo declarado várias vezes que iria desenhar Calvin e Haroldo para sempre, depois de 10 anos de vida e publicações em mais de 2400 jornais, a carreira do menino super ativo acabou-se. Mais precisamente em 31 de dezembro de 1995. *Pausa para você enxugar suas lágrimas*.

“Se nós não pudéssemos rir das coisas que não fazem sentido, nós não poderíamos reagir a muitas coisas da vida.”

A carta que anunciava sua “aposentadoria” dizia o seguinte: “Essa não é uma decisão fácil nem recente, e eu saio com uma certa tristeza. Porém meus interesses mudaram de direção, e eu pretendo trabalhar agora em um projeto com menos prazos e compromissos. Eu ainda não decidi sobre futuros projetos, mas minhas relações com a Universal Press Syndicate vão continuar”. A última frase dita por Calvin foi: “É um mundo mágico, Haroldo. Vamos todos explorá-lo!”

:: OS NENÉNS DE BILL

Calvin: Somos nós na forma mais sincera. As atitudes tomadas por ele são aquelas que no fundo todo mundo pensa, mas não faz porque seria mal visto na sociedade, ou, no mínimo, não conseguiria sobreviver. Assim como eu e você, Calvin é uma criança que tem preguiça de ir dormir, odeia perder nos jogos e fica imaginando situações bizarras a todos os momentos. Sua maior luta é contra a “tirania opressora” de seus pais, que passam o dia arrependidos de terem dado à luz uma criança tão… empolgada. Calvin também é encontrado nas tirinhas sob a forma dos personagens em que ele se transforma em suas brincadeiras: Cosmonauta Spiff, O Homem Estupendo, Tiranossauro Rex, Lobisomem Zumbi e Detetive Tracer Bullet. Quando esses alter-egos aparecem, até os traços do autor mudam. Apesar de Bill Waterson não parecer muito politizado nem preocupado em seguir teorias assim ou assado em suas tirinhas, Calvin tem uma raiz muito interessante em seu nome: “Calvin” vem de João Calvino. Sim, aquele tio da reforma protestante conhecido em seus livros de História do colegial, que seguia a linha da predestinação. Corriam boatos de que Calvin era baseado em um filho de Bill Watterson ou na infância do autor, mas não passam de mentirinhas, já que 1) ele não teve filhos e 2) era uma criança sossegada, totalmente o oposto do menino serelepe. Ao contrário do que costuma acontecer nesses casos, Calvin não é uma espécie de alter-ego ou biografia do cartunista. Um dos prazeres de Watterson em escrever sobre ele era justamente discordar de tudo o que o menino fazia. Mas, claro, o personagem não deixa de ser uma parte da personalidade do escritor, aquela que nunca cresceu.

Haroldo: É o tigre de pelúcia de Calvin, que para ele e para quem quiser ver é um tigre de verdade, um bom amigo. Hobbes (o nome em inglês para o tigre) se refere a ninguém menos que Thomas Hobbes, o pensador que declarava que “o homem é o lobo do homem”. Ele foi baseado em uma gata de estimação do autor, tanto em sua parte física quanto na personalidade.

Os pais: Eles não têm nome, e são tão impulsivos e imperfeitos quanto Calvin. O pai foi inspirado no próprio pai de Bill Watterson, e muitas das situações foram baseadas em situações reais vividas pela família do autor, como por exemplo as super férias acampando que o pai proporcionava, para o pesadelo do resto da família. Já a mãe do menino é deveras impaciente, tem uma certa voz ativa em casa e precisa lidar com os ímpetos criativos da criança, que não são lá muito normais.

Susie: É uma das poucas amigas de Calvin que não é um tigre de pelúcia. Ela é bastante inteligente e freqüentemente é irritada pelo menino. Mas não está nem aí. Acha a bizarrice dele maior legal. No fundo no fundo, eles se querem.

Rosalyn: Surgiu como uma personagem qualquer, mas acabou aparecendo em mais de uma tirinha, e virando uma personagem até importante. A única pessoa no mundo capaz de botar ordem em Calvin é Rosalyn, sua babá. Na verdade, a moça esperta bota ordem até nos perdidos pais dele. Ela não é tão freqüente nas tiras porque quebrava um pouco o ritmo e a personalidade dos personagens.

Dá uma olhada em como são chamados Calvin e Haroldo em outros países:

Alemanha: Calvin und Hobbes
Bélgica: Casper en Hobbes
Colômbia: Calvin y Hobbes
Coréia do Sul: Kearbin gwa Hobes
Dinamarca: Steen og Stoffer
Eslovênia: Gasper in Hops
Espanha: Calvin and Hobbes
Estados Unidos: Calvin and Hobbes
Filipinas: Kalvin at Jobbes
Finlândia: Lassi ja Leevi (or: Paavo ja Elvis)
França: Calvin et Hobbes
Hungria: Kazmer es Huba
Islândia: Kalli og Hobbi
Indonésia: Kalpin sama Hob
Irã: Calveen vah Hobbes
Irlanda: Calvin agus Hobbes
Israel: Kelvin Ve Hobbes
Itália: Calvin e Hobbes
Noruega: Tommy og Tigern
Países Baixos: Casper en Hobbes
Polônia: Kelvin & Celsjusz
Portugal: Calvin & Hobbes
Rússia: Rtyjk opo Frestjok
Suíça: Kalle och Hobbe
Taiwan: Caihwon gan hohaw
Turquia: Kalvin ve Hobs