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A Guerra dos Mundos, obra que H.G. Wells escreveu há muito tempo atrás em uma galáxia muito muito distante, em 1898, anda dando o que falar nos cinemas, nas rodinhas de amigos e nos veículos especializados. Tudo por conta do novo filme de Steven Spielberg, com o tio bonitão Tom Cruise, a menininha gritona Dakota Fanning e uns tais alienígenas malvados. Mas fique sabendo que no fatídico dia 30 de outubro de 1938, essa história deu ainda mais o que falar lá pelas bandas dos Estados Unidos, por culpa de Orson Welles – isso mesmo, o famoso diretor do clássico Cidadão Kane.
Agora, o que “Cidadão Kane” tem a ver com “Guerra dos Mundos”? Bem, é provável que você já tenha escutado essa história antes, mas não custa relembrar ou contá-la para os que desconhecem. O que aconteceu foi o seguinte: Orson Welles, no final da década de 30, produziu uma versão para rádio da obra de H.G. Wells, no estilo documentário, como se estivesse sendo narrada por repórteres. Welles queria que esse programa, que seria exibido um dia antes do Halloween, fosse digno de nota. Foi aí que surgiu a idéia: por que não brincar um pouco com o público e fundir ficção com realidade, sem deixar muito claro que a transmissão será “de mentirinha”? No começo, a idéia não foi muito bem recebida pelos diretores da rádio, mas depois de quinze dias de muito convencimento por parte de Orson, acabaram aceitando sua proposta maluca. O resultado foi esse: de repente, em meio à programação normal da CBS, uma música de Ramon Raquello foi interrompida e uma voz disse “A CBS interrompe seu programa para anunciar aos ouvintes que um meteoro de grandes dimensões caiu em Grovers Hill, no Estado de Nova Jersey, a algumas milhas de Nova York”. Tudo voltou ao normal, mas daí em diante as músicas continuaram a ser interrompidas por novas informações sobre o famigerado meteoro – mais ou menos como acontece com o assustador “pan pan pan pan pan panpanpanpam” do plantão da Globo.
A coisa mudou de figura quando, em um desses boletins, um repórter começou a narrar empolgadamente que o “meteoro” estava se abrindo, tentáculos começavam a sair dele e… aaaaaaaaaargh. Entenda, o “argh” quis dizer que o tio jornalista morreu vaporizado por um raio disparado pelos donos dos tentáculos. Aí já dá para ter uma idéia do que se seguiu: os ouvintes do rádio estavam levando tudo a sério, já que nem todo mundo tinha ouvido o discreto anúncio de que tudo não passava de dramatização, e estavam em plenos anos 30, quando Sílvio Santos e suas câmeras escondidas ainda não eram coisas normais. O público – que fique claro: eram praticamente 6 milhões de espectadores – ouvia, cada vez mais apavorado, a narração dos repórteres, que davam notícias de exércitos de aliens emergindo da nave-meteoro, de terríveis batalhas entre aliens e policiais e até mesmo já contabilizavam mortes de humanos.
Orson Welles e o elenco estavam tão serelepes, talvez porque ainda não tinham visto o alcance de sua brincadeira, que chegaram a simular uma declaração do Secretário de Estado dos States, dizendo que todos deveriam sacrificar sua vida em prol da raça humana. Pior, mesmo quando o povo da CBS começou a receber as notícias de como os estadunidenses andavam desesperados com a chegada de marcianos no solo terrestre, a piada ainda continuou: dessa vez, os bichões estavam chegando perto de Nova York, um gás negro e mortífero atingia a cidade e… paf, outro jornalista caiu morto.
A brincadeira acabou custando caro: influenciada pelo rádio, a população dos Estados Unidos entrou em uma paranóia maior que a habitual. Lembre-se que eram tempos de guerra, e muita gente pensou que uma invasão de “marcianos” era uma metáfora para invasão de “alemães”! 50 mil pessoas de Newark – local onde estava ocorrendo a suposta tragédia – fugiram de suas casas, e outras milhares de pessoas saíram às ruas gritando, em pânico. Pessoas dispostas a lutar também não faltaram. Muita gente pegou sua arma, partiu para uma região próxima ao acontecimento e saiu em busca das naves espaciais. Alguns “combatentes” puderam jurar que a caixa d’água de um fazendeiro era um disco voador, e dá para imaginar a cena: uns malucos atiram na “nave”, ela começa a espirrar água por todos os lados e em seguida aparece o fazendeiro revoltado “Malditos bastardos, o que estão fazendo com minha caixa dágua?!”. Pior do que isso, não é comprovado, mas acredita-se que teve gente que chegou a se suicidar ao ouvir a notícia! Imagine só a cara que ficaram quando ouviram a bela frase “Vocês acabaram de ouvir a primeira parte de uma irradiação de Orson Welles, que radiofonizou ‘A Guerra dos Mundos’, do famoso escritor inglês H. G. Wells”.
Irônico ou não, esse impacto foi decisivo para a fama de Orson Welles. “A Guerra dos Mundos”, no rádio, foi uma “brincadeira de Halloween” adaptada pelo roteirista Howard Koch, e o que, no livro, se passava na Inglaterra do século retrasado, foi transferido para Grover’s Mill, New Jersey, nos Estados Unidos e para a década de 30. Orson Welles queria tanto um ar de realidade na coisa toda, que, para arrancar uma interpretação realista de seus atores, chegou a transmitir para eles as gravações reais do desastre de Hindenburg – aquele do zepelim que pegou fogo. E agora já virou tradição: todo ano, no Halloween, uma afiliada à CBS transmite o programa novamente.
Muitos estudiosos vêem esse acontecimento da transmissão de “Guerra dos Mundos” na rádio e suas conseqüências desastrosas como um exemplo do poder manipulatório da mídia sobre as ações das pessoas. Outros alegam que todo o bafafá em torno disso não passa de exagero: dizem que, para começo de conversa, a CBS anunciou no início da brincadeira que era tudo ficção – talvez alguns não tivessem ligado o rádio na hora certa e não ouviram essa parte, mas que anunciaram, anunciaram. Depois, lá para o meio da confusão, anunciaram novamente, mas a essa altura já estava todo mundo correndo e gritando pelas ruas. Por causa desses avisos é que nem Orson Welles nem a emissora se deram mal judicialmente, e não sofreram danos por isso. Dizem também que, na verdade, o número de pessoas que realmente acreditou na história toda e entrou em pânico foi muito menor do que a lenda conta, e que quem contribuiu para que isso se tornasse algo muito maior foi a própria imprensa. Claro, revistas e jornais, sempre sedentos por reportagens interessantes, passaram as semanas seguintes falando sobre o evento e suas implicações, criando casos e inventando fotos e “histórias verídicas”.
Mesmo assim, foi uma brincadeira de grandes proporções, que teve conseqüências maiores do que o próprio Welles esperava. Foi a prova da importância que o rádio e os meios de comunicação tinham adquirido já no ano de 1938. E a prova de que basta colocar autoridades no assunto falando qualquer asneira na imprensa para que pessoas levem a sério…
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