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“O tempo não mudou nada. Amélie continua se refugiando na solidão. Diverte-se com perguntas idiotas sobre a cidade à sua volta”.
Sugestão: leia esse artigo ao som da trilha sonora de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain.
Quando o El Cid deu aos arqueiros a deliciosa missão de falar sobre os filmes de nossas vidas, fiquei bastante intrigada, pensando como raios poderia escrever algo profundo-poético sobre A Pequena Loja dos Horrores ou Em Busca do Cálice Sagrado. Não demorou muito para a ficha cair e lembrar de “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, que não só está no topo da minha lista de melhores filmes, como é a história da minha vida. Ok, não é a história da minha vida, mas… bem, vocês vão entender depois que lerem isso aqui. Ou não. Já estou ciente de que escrever sobre esse filme sem entrar em detalhes xaropes sobre “relacionamentos amorosos” ou parecer que estou querendo me achar “assim” ou “assado” vai ser difícil. Mas vou tentar ser o mais sincera possível. Se não entenderem, sinto muito. Vamos em frente.
“O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” é um filme francês, de Jean-Pierre Jeunet, que conta a história da vida da moça cujo nome consta do título da película. Começa com uma breve introdução mostrando sua infância: Amélie Poulain é uma criança sozinha, criada por um pai frio e distante e por uma mãe neurótica, que acaba por morrer “atropelada” por uma suicida. A menina nunca teve muitos amigos, e por isso se entrega a suas próprias invencionices e imaginação. Quando cresce, continua entregue a essas coisas, e cultiva hábitos excêntricos. Um belo dia, ocorre um episódio interessante: Amélie encontra em seu apartamento uma caixinha repleta de brinquedos antigos. Então, decide sair em busca do dono desse tesourinho, e faz uma proposta consigo mesma: se devolver a caixinha ao seu dono e ele se emocionar com isso, ela vai passar a se imiscuir na vida dos outros para fazer o bem. Se não… azar. Acontece a primeira coisa, e Amélie decide então ajudar as pessoas, de forma discreta e criativa – por exemplo, guiando um cego e lhe contando o que se passa na rua ao redor enquanto caminham. A história é basicamente essa – e acrescentemos aqui um romance que começa a nascer de forma inusitada entre ela e outro sujeito excêntrico e sonhador, Nino Quincampoix.
Eu assisti a esse filme pela primeira vez assim que ele saiu em DVD, por sugestão de minha irmã, que gosta bastante de filmes europeus – saí da videolocadora carregando “Fabuloso Destino” e Dançando no Escuro. Assisti primeiro a esse último, com a Björk, e terminei deprimida – quer coisa mais depressiva e pessimisticamente realista do que esse musical? Daí, sem fé na humanidade e achando que pessoas são más e querem acabar com a vida das outras, resolvi assistir à produção francesa. E quando ela acabou, tinha encontrado o filme da minha vida. Nunca tinha visto um filme tão simples e genial, nem uma história de amor no cinema tão de acordo com o que imagino que um romance perfeito na vida real tinha que ser. E enfim, nunca tinha visto uma personagem que me fizesse sentir tão compreendida.
O causo é que eu sou a Amélie Poulain. Uh, que frase mais chata. Eu e 90% dos fãs do filme falamos isso, na verdade. E, assim como os outros noventa por cento, tenho meus próprios motivos para essa afirmação: bem, digamos que não sou sempre absurdamente quieta como ela, nem tão séria assim, nem tenho oportunidade de ficar bolando altos estratagemas (…pena!) – ou seja, não sou igualzinha à protagonista. Mas existem duas cenas em que simplesmente “sou eu” na tela: aquela em que Nino Quincampoix vai até o café e fala com a moça pela primeira vez, e uma das últimas cenas, quando ela está preparando um bolo, deprimida. Quem assistiu ao filme deve saber quais são, e não vale a pena explicá-las. ^_^ Sem contar que todos dizem que quando eu era criança era idêntica à menininha que interpreta a pequenina Amélie. Então, taí, explicado um dos motivos que me fazem ter vontade de fazer um altar a essa obra prima: a identificação com a protagonista. Isso não é motivo de orgulho ou de repúdio, mas é verdade – e, ah, todo mundo tem aquelas partes de um filme que sentem que foram inspiradas em episódios de sua vida. As minhas são essas.
Outro dos méritos do filme segue mais ou menos essa mesma linha. Os personagens nos são apresentados de uma forma tal que mostram os pequenos prazeres e excentricidades de cada um – fulano gosta de estourar plástico bolha, cicrano não gosta de dedos enrugados depois do banho – e todos eles são bizarros, levam vidas um tanto diferentes e por isso são interessantes. É impossível não se identificar com pelo menos uma das manias dos personagens. Vendo isso mostrado de forma tão poética e genial, nos sentimos ligados de certa forma a eles, e nos faz pensar: se você fosse mostrado dessa maneira em um filme, também teria dezenas de pequenos prazeres, excentricidades e bizarrices que o transformariam em alguma pessoa diferente e interessante. Não importa se você é um ser excêntrico por natureza ou se considera um Zé ninguém, se parar para notar os pequenos detalhes seus sob essa lente, vai perceber que cada um é especial a sua maneira, e todos acabam se ligando exatamente por causa disso.
Agora, outro ponto que me atinge completamente é que esse filme é uma ode às coisas simples da vida. Para se ter uma idéia, a primeira cena mostra que, enquanto ninguém percebe, duas taças vazias dançam quando o vento balança a toalha da mesa. Pequenas coisas fascinantes transformam a vida em algo fascinante – e é isso que aprendemos assistindo a “Fabuloso Destino”. E a própria Amélie Poulain tenta mostrar isso em suas sutis boas ações. No meio de tanta gente que leva a vida tão a sério e de forma até triste, complicando tanto as coisas e não esperando mais nada dela, não é pecado algum dar uma de Amélie vez por outra. Deixar isso aqui mais legal para se viver, deixar as pessoas mais felizes, sem que outros precisem ficar sabendo dessa boa ação. Em suma, “olhar sempre para o lado bom da vida”, como já diz a música final de A Vida de Brian. É interessante que, apesar de defender isso, a história não deixa de mostrar que nem tudo é perfeito. Quando o enredo vai se aproximando do fim, Amélie leva um banho de realidade e algumas de suas boas ações dão sinais de que foram feitas em vão. Daí… ah, não vou estragar o filme pra quem não viu! =)
E a história de amor? Podemos dizer que Amélie e Nino são simplesmente almas gêmeas. Eles mal se conhecem… mas se entendem perfeitamente. Aliás, fotos (!) dizem a Nino que, na verdade, eles se conhecem sim, “desde sempre. Nos seus sonhos”. Não é lindo? A dificuldade da moça em encarar a realidade de frente e enfrentar a situação é incrivelmente familiar a todo nerd que se preze, e todo o processo de encontros e desencontros é perfeito e infinitamente superior a de qualquer bom filme de romance. É tão perfeito que não dá pra não pensar “por que não acontece algo tão deliciosamente divertido e romântico assim comigo?” – aliás, resta saber se isso faz mal para nós, sonhadores, que ficamos imaginando se algum dia teremos a mesma sorte de Amélie e Nino. Mas, para que não fique “preferindo imaginar uma relação com alguém ausente do que estabelecer relações com aqueles ao seu redor”, gente assim precisa sempre de alguém que faça o papel do Homem de Vidro ,amigo de Amélie que abre seus olhos para a realidade de vez em quando.
Existem detalhes importantíssimos nesse filme: um deles é a trilha sonora, que é a coisa mais mágica que existe, repleta daquele acordeon francês típico e piano, principalmente. Não só combina com todo o enredo (aliás, 90% das cenas são acompanhadas por música), mas é a trilha perfeita pra ser ouvida em um dia ou noite chuvosa dentro do carro. Outra coisa que não pode ser esquecida é o tratamento das cores – cenários, figurinos e iluminação são feitos de forma a que as cores fortemente predominantes sejam verde e vermelho. É quase como se o mundo fosse enxergado por Amélie assim: verde e vermelho. E, finalmente, os elementos “mágicos”. Mesmo não sendo um filme pra crianças, “Amélie Poulain” tem umas cenas que cairiam bem em um filme de fantasia, como quadros e abajur tomando e vida e conversando entre si, ou mesmo a da nuvem que ilustra essa matéria. Coisas singelas como essas não deixam o filme doce e perigoso para diabéticos, só dão um certo ar de magia em um nível saudável. ^_^
“O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” é isso. É difícil defini-lo como comédia, romance ou aventura. Estimula a fantasia e a imaginação – e, veja só! – não é um filme família. Só posso dizer que é um filme inspirador. Toda vez que preciso dar uma pausa para rever meus conceitos, assisto e saio de alma lavada. Dá aquela sensação de “Ei, faça algo também. A vida real é tão… real”. Tá, pode dizer, é simplista. Isso se chama encarar a realidade, o que Amélie não quer. E se viver assim acabar fazendo muito mal, fique sabendo que estragar a própria vida é um direito inalienável.
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