A impressão inicial que temos ao ver Coração de Fogo (de Diego Arsuaga) é que estamos diante de um filme extremamente tocante e poético. Só ao ler a sinopse, já temos idéia do que nos espera: o filme narra a história de três velhos senhores conhecidos como Pepe (Federico Luppi), Secretario (Pepe Soriano) e Profesor (Héctor Alterio) empenhados em realizar o último grande feito de suas vidas: o roubo de uma locomotiva a vapor. Não, os velhinhos ainda não estão assim tão gagás – o roubo da locomotiva tem uma explicação sensata.
Jimmy (Gastón Pauls) é um empresário que comprou uma antiga locomotiva que fazia parte da História de Uruguai (país onde o filme se passa) e está prestes a vendê-la para executivos de Hollywood. Essa notícia é recebida com uma certa felicidade pela imprensa e pelo povo, mas não pelos três antigos funcionários da empresa ferroviária. Assim, o trio protagonista arquiteta um plano para roubar o vagão no meio da noite, e sai pelo país em um ato de protesto: ao defender o patrimônio histórico de seu país, estarão defendendo do “vendido mundo moderno” o valor do passado e sua própria História. E, como fica claro no filme, aproveitando uma das últimas oportunidades apresentadas pela vida para eles. Mas, enquanto eles realizam esse feito, Jimmy e a polícia segue atrás dos velhinhos, tentando resgatar o que é seu por direito, economicamente falando. Essa é a linha geral de “Coração de Fogo”, que conta com a interpretação sensacional de seus três atores principais.
Mas, apesar do ótimo trabalho dos atores e de a premissa da história ser maravilhosa, parece que alguma coisa falta. E não é muito difícil descobrir o que: o filme falha – e muito – no roteiro. Ele tenta seguir a linha poética, mas acaba reunindo uma série de frases de efeito que parecem claramente que foram encaixadas no contexto. Além disso, alguns acontecimentos ficam absolutamente sem explicação no decorrer da história. Um menininho de olhar perdido (Balaram Dinard) que se junta ao grupo de velhinhos ao defender sua causa, em vez de passar uma impressão mais lírica ao filme, no fim parece apenas um menino com uma exagerada expressão triste perdido no meio dos senhores.
Se não bastassem esses detalhes que conseguem tirar grande parte da magia que o filme poderia ter, os clichês que surgem nas cenas finais chegam a frustrar. Uma boa dica: se estiver satisfeito com “Coração de Fogo” até o meio da projeção, desligue a televisão ou saia da sala antes dos quinze minutos finais, que se transformam em um festival de clichês. Não que isso não seja sugerido nos minutos anteriores, quando os personagens secundários (os que não estão dentro da locomotiva propriamente dita) entram em ação – eles, que começam interessantes, terminam fraquinhos, fraquinhos.
Tudo bem, seria bem injusto dizer que “Coração de Fogo” não passa disso. Na verdade existem alguns momentos realmente inspirados, como um protagonizado pelo personagem de Pepe Soriano, que sofre do mal de Alzheimer – só essa cena é capaz de redimir grande parte das falhas da produção. E, apesar de grande parte das cenas mais poéticas serem forçadas, algumas partes chegam a parecer naturais e belas. E, afinal, se vermos o filme sem essa prevenção, ele pode ser aproveitado sem que haja perda total.
A tristeza é que “Coração de Fogo” tem uma história que poderia ter sido transformada em um filme belíssimo, mas que acabou se rendendo ao óbvio. No fim da projeção, senti que valia mais a pena assistir a The Crimson Permanent Assurance, aquele curta metragem de Terry Gilliam que passa antes do filme O Sentido da Vida. Ele trata do mesmo assunto, mas de forma espantosamente poética, muito mais divertida, e menos esquecível que o filme de Diego Arsuaga.
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