Bom, é muito difícil resumir o que seria John Constantine em um só artigo, mas vou tentar. Este é um dos mais obscuros, malcriados e carismáticos personagens da DC Comics, que já mexia com um universo todo macabro antes mesmo de dar a luz ao selo adulto Vertigo. Pode-se dizer que ele é um dos motivos pelo qual o selo foi criado. Constantine é um personagem com uma bagagem enorme, uma história que precede seu tempo e vai até seus ancestrais. Por isto, eu me irrito ao saber que, nas telas de cinema, ele será representado pelo inexpressivo Keanu Reeves, e que toda sua história será simplificada num sujeito com sua “bereta abençoada” nas ruas de Nova York. Alan Moore, perdoe estas almas, elas não sabem o que fazem!

:: OS CONSTANTINES – MALDIÇÃO ANCESTRAL

Há séculos, a família Constantine é afetada por magia, traições, assassinatos, corrupções e todo tipo de mau agouro. Seu primeiro ancestral conhecido foi Kon-Stan-Tyn que, graças a suas associações com Merlin, foi o sucessor do trono do lendário Rei Arthur. Sua busca por poder foi tão grande que, para alcançar seu máximo, assassinou seus dois filhos. E assim se sucede com os outros parentes degenerados de John, como ladrões de calcinhas, magos piratas, soldados místicos… até que chegamos a John Constantine que, em pleno útero de sua mãe, assassinou seu irmão gêmeo com o cordão umbilical. Num futuro próximo, pelo que vimos na minissérie Reino do Amanhã, teremos Zatara, filha de John Constantine com Zatanna.

:: JOHN CONSTANTINE – A ORIGEM DO MITO

Surgido como um personagem coadjuvante pelas mãos de Alan Moore na revista do Monstro do Pântano, em meados de 1985, a figura com o rosto inspirado no cantor Sting, com sotaque inglês e seu velho e amarrotado sobretudo, aos poucos se tornou um dos caras mais conhecidos entre os personagens místicos da DC. Seu humor incompreendido e seu sarcasmo a poucos passos do fim, alimentam o ódio de muitos e o temor de alguns. O mais engraçado sobre a origem do personagem é que a figura surgiu após Steve Bissete e John Totleben, artistas de “Monstro do Pântano”, comentarem com Moore sobre o desejo de desenhar o cantor Sting em alguma história; após aparecer em apenas um quadro, o personagem acabou virando figura fixa na revista alguns números depois. Bizarro, hein?

Quando a DC enfim lançaria uma revista do personagem, a editora concordou que uma HQ chamada “John Constantine” não atrairia o mercado. Então, escolheram outro nome. O problema é que o nome sugerido para o título, Hellraiser, teve que ser esquecido por causa do projeto de mesmo nome de autoria de Clive Barker. Assim, surgiu outro nome: Hellblazer. Constantine teve sua primeira grande participação na DC nos eventos spin-off da saga Crise nas Infinitas Terras, onde agiu ao lado dos personagens místicos e acabou forçado assistir à morte de sua namorada e de alguns de seus poucos amigos. Existe uma lenda urbana de que John Constantine realmente existe, e Alan Moore o teria encontrado num pub, segundo o próprio autor. Que coisa, não?

Como já disse, a saga do personagem começa já na barriga de sua mãe, onde matou seu irmão gêmeo e ainda causou a morte da mãe, que morreu durante o parto. Tornou-se um adolescente rebelde e ligado nos tipos mais doidos de drogas. Fã de Sex Pistols e bandas de rock dos anos 70, juntou alguns amigos e formou a banda Membrana Mucosa. Numa de suas passagens com sua banda, acabou tendo sua primeira experiência infernal em New Castle (comentarei sobre ela mais adiante), que foi tão traumatizante que o fez ficar dois anos internado em um hospital para pessoas perturbadas e violentas. O trauma acabou virando curiosidade, e descobrir mais sobre o obscuro virou seu lema. Constantine não sentia mais medo, pois já tinha tido a visão do Inferno.

:: CONSTANTINE – AMIZADE MALDITA!

Constantine é um homem de poucas palavras, sem sentimentos e sem papas na língua. Em torno de sua vida, teve poucos amigos e colecionou muitos inimigos. Durante a saga “Crise nas Infinitas Terras”, ele foi a Lousiana, onde fez amizade com o Monstro do Pântano (!), e lutou ao seu lado contra Invuche e a Brejeria, o assassino de sua companheira. Já em sua terra natal, Londres, Chas é o único que lhe suporta, mesmo não querendo nem olhar na cara do mago falastrão algumas vezes. Desde sua juventude, John se sentiu intrigado pelo desconhecido, mas sempre acabou levando a pior, ou levando alguém junto para o buraco. Sua curiosidade pelo sobrenatural sempre traz alguma conseqüencia trágica para quem lhe acompanha, não importa quem seja.

Relembrando o caso da lendária história que se passou em New Castle – onde ainda jovem, Constantine e sua bandinha de rock foram procurar um lugar para dar uma parada, e encontraram uma antiga casa de shows que já haviam se apresentado. Lá, acharam uma pobre criança, atormentada e violentada pelas surubas oferecidas por seu pai e os amigos dele. Com isto, criou um avatar demoníaco que deu fim à orgia de seu pai. Constantine tentou ir mais além, hipnotizando a criança. Conclusão: acabou mandando-a para o inferno, um de seus amigos foi “currado” pelo avatar demoníaco e uma de suas companheiras ficou tão abalada que se tornou uma freira internada convicta. O episódio em New Castle fez um dos demônios, Nergal, amaldiçoar Constantine e seus amigos, e estes foram morrendo um a um, restando apenas o próprio. Por isso, John Constantine não possui muitos amigos, e as pessoas “normais” de sua família o querem bem longe.

Depois deste evento, Constantine criou uma espécie de elo como o demônio Nergal, o mesmo que o amaldiçoou. Através dele, Constantine descobriu muitos segredos, que mais tarde usou contra o próprio Nergal. Constantine o derrotou, mandando-o para o Céu – onde foi estripado pelos anjos -, mas o episodio não acabou como Constantine previu, já que o sangue demoníaco de Nergal invadiu sua corrente sangüínea. Por isto, sempre é mencionado que ele tem sangue de demônio nas veias e as “artes místicas” são tão propensas para ele.

:: LEITURA OBRIGATÓRIA

Quem quiser ficar por dentro do que já saiu do personagem aqui no Brasil, terá que sair caçando as revistas em bancas e sebos. Infelizmente, o personagem não foi publicado regularmente por aqui: houve grandes hiatos, mudanças de editora, falências e negociações no meio do caminho. Então, aí vai uma orientada a vocês para algumas das mais importantes histórias publicadas em terras brasileiras. Mas atenção: as revistas estão por ordem cronológica americana, pois aqui elas foram e voltaram no tempo.
– Monstro do Pântano #1 a 2 – gibi em formatinho da editora Abril. Constantine, em seu primeiro encontro com o Elemental, ajuda o Monstro do Pântano a salvar uma cidade da ira de vampiros;
– Montro do Pântano #5 a 9 – aproveitando os acontecimentos da “Crise nas Infinitas Terras”, os sacerdotes da seita < b>Brujeria aproveitam para criar seu próprio apocalipse. Constantine, com apoio do Monstro do Pântano, reúne todos os magos da DC para uma guerra que vai do Inferno até o Paraíso;
– Monstro do Pântano #12 – HQ em formatão pela Editora Abril. Nela, está publicada a primeira edição da revista Hellblazer americana. Nesta edição, Constantine está à caça do demônio da fome libertado acidentalmente por um amigo, Gary. A história é importante, pois é o primeiro encontro entre John e Papa Midnite (Meia Noite), personagem que aparece no filme. Para quem não sabe, Papa Mid Nite é um mago que matou a própria irmã para que esta fosse a informante dele no inferno (!). Gary morre no fim da saga;
– Monstro do Pântano # 16 – nesta edição, Constantine tem que se unir a uma reencarnação de Maria (sim, a mãe de Jesus) para salvar sua sobrinha de uma seita maldita;
– Hellblazer #7 a 8 – da Editora Tudo em Quadrinhos em 1999. John Constantine deve se aliar ao demônio Nergal para impedir a vinda de um novo Jesus à Terra pelas mãos de uma terrível seita;
– Vertigo #5 – publicada pela Editora Abril em 1995, são revelados todos os acontecimentos de New Castle, onde o jovem Constantine enfrenta o Inferno pela primeira vez. Também nesta edição, mais fatos inéditos de sua adolescência – onde um padre estuprador é enlouquecido pelo Primeiro Caído;
– Hellblazer #1 – da Editora Metal Pesado, publicado em 1998, Constantine trava sua batalha final contra Nergal. Nesta saga, ele recebe o sangue demoníaco nas veias;
– Vertigo #1 a 3 – da Editora Abril, mostra a saga Hábitos Perigosos, usada como referência no filme. Constantine descobre que está nas últimas de câncer, e resolve rever velhos amigos. Numa das visitas, tenta salvar um amigo das mãos do Primeiro Caído, e faz o demônio beber vinho batizado com água benta. Durante a saga, Constantine morre, acaba enganando a trindade de demônios e volta com o corpo em forma. E ainda arranja uma namorada, sua velha amiga Kit;
– Vertigo #8 a 9 – da Editora Abril. Constantine ajuda sua amiga Ellie, uma espécie de demônio, que precisa fugir do inferno por causa de uma gravidez. Detalhe: o pai da criança é um anjo;
– Vertigo #12 – da Editora Abril. Constantine desenterra um ancestral amaldiçoado com a imortalidade, e conversa sobre a linhagem da família, tentando tirar sua sobrinha do mundo da magia carregada pela tradição da família;
– Hellblazer #3 – da Editora Metal Pesado. Constantine enfrenta o Rei dos Vampiros quando este tenta sugar seu sangue demoníaco;
– Hellblazer #5 – da Editora Metal Pesado. Após o término do seu relacionamento com Kit, Constantine enfrenta Papa Midnite em Nova York, tem seus espírito expulso do corpo e acaba encontrando o presidente assassinado John Kenndy. Com ajuda dele, busca a irmã assassinada de Midnite;
– Hellblazer #10 a 12 – da Editora Tudo em Quadrinhos. O Primeiro Caído caça John Constantine e, no meio do caminho, luta com o anjo Gabriel e o padre Rick, que são assassinados por ele. Ele encontra Constantine, mas John tem uma preciosa arma contra ele;

E por enquanto eu fico por aqui. Esta é uma resumida bem básica na saga do anti-herói… mas acho que já dá pra entender por que eu não levo fé neste filme! Ainda mais com um personagem que já teve argumentistas como Alan Moore, Jamie Delano, Garth Ennis, Warren Ellis, Brian Azarello e Mike Carey, entre outros.

Obs.: Todas as imagens do artigo são do artista Tim Brandstreet, conceituado e talentoso artista que há um bom tempo produz as capas da revista Hellblazer.