Antes de ver Eterno Amor, eu disse categoricamente para o El Cid que esse filme seria muito mais fofo do que O Fabuloso Destino de Amélie Poulain. E eu errei. Estava redondamente e quadradamente enganada sobre o grau de fofura de “Eterno Amor”, e, para que isso não aconteça com outros, aviso logo no início da crítica: não vá ao cinema esperando algo bonitinho, romântico e gracioso. Não que esse seja um “filme feio”, como dizia minha mãe quando eu era pequenina, mas… Bem, é melhor eu começar do começo.
Para quem não sabe, “Eterno Amor” é do mesmo diretor, mesma equipe de produção e mesma protagonista do maravilhoso filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, aquele filme francês sobre a moça solitária que decide fazer o bem ao mundo, e que se apaixona – e que está na minha lista de favoritos de todos os tempos. E, apesar de ter sido bancado em parte pela Warner, também é uma produção francesa. Feitas as devidas apresentações, vamos lá. Na verdade estou demorando para começar a falar do filme propriamente dito, porque não sei por onde começar. Para facilitar, vou começar com um “era uma vez”.
Era uma vez a Srta.Ni, que foi ao cinema ver “Eterno Amor” achando que veria um filme doce até demais, e saiu do cinema com a impressão de que não era bem isso o que ela esperava, mas… o filme é bom. Mas… não exatamente ótimo. Mas… é bom. Entendeu? Pois bem, suponho que você também sairá do cinema assim quando for ver “Eterno Amor”. Afinal, esse é um daqueles filmes que te deixarão um pouquinho confuso, e que requerem uma certa vontade de assisti-lo novamente, para entender, afinal, o que se encaixa com quê naquela bagunça de cartas, franceses com nomes parecidos e flashbacks. Ok, não me chamem de burra, eu entendi o enredo. Só que em certa altura fiquei, sim, perdida, em meio a todos aqueles nomes parecidos, àqueles caras fardados, sujos e de bigode – vou te dizer… todo mundo fica igualzinho quando se está fardado, sujo e de bigode! =oP E quando o filme não contribui para explicar com calma quem é quem ali, o bicho pega.
Cartas? Caras fardados? Do que é que ela está falando? Bem, a história, baseada em um livro de Sébastien Japrisot, é sobre uma moça – a Mathilde (Audrey Tautou) – que, após o término da Primeira Guerra Mundial, quer saber o paradeiro de seu noivo Manech (o lindinho Gaspard Ulliel). As notícias não podiam ser mais desanimadoras: ela fica sabendo que Manech havia sido levado à corte marcial junto a quatro outros soldados que se auto-mutilaram para saírem da Guerra, e tudo indica que o amor de sua vida esteja morto. Mas Mathilde não se conforma com isso, e dá início a uma longa investigação sobre todos os acontecimentos relacionados a seu noivo e esses quatro soldados desaparecidos. Para isso, a donzela contrata um detetive (Ticky Holgado, mais rápido do que uma Fuinha), e vai até os confins do mundo, fuçando em arquivos do Governo, colocando anúncios no jornal, e outras peripécias mais. Tudo isso para conseguir descobrir se seu amado está vivo. Por causa dessas pesquisas é que o filme é cheio de flashbacks, mostrando intermináveis cenas de guerra. Enquanto Mathilde descobre novas pistas para solucionar seu caso, ela se depara com as histórias de outros soldados e suas famílias, todas retratadas sem poupar despesas.
Sem poupar despesas, eu diria, e sem poupar outras coisas também. “Eterno Amor” não é o filme mais adequado para você levar à próxima reunião familiar, porque não tem sutilezas em relação a cenas de nudez, nem de violência. Aliás, as cenas de guerra encheram um pouco demais o filme. Não sou o tipo de pessoa que morre só de ver um sangue escorrendo ou tripas e massas encefálicas sendo jorradas nas telas do cinema. Na verdade, nunca dei gritinhos de pavor e jamais me agarrei na pessoa ao lado do cinema, só porque o cara na tela estava sangrando. Mas acho que “Eterno Amor” sofre de um dos defeitos de alguns filmes de guerra – para mostrar que a guerra foi realmente tenebrosa, o diretor só quer mostrar soldados sendo mortos, mutilados, fuzilados ou amputados. E, de preferência, focalizados bem de perto, mesmo que isso não faça diferença para a compreensão da história. No fim, parece até que o diretor Jean-Pierre Jeunet, que também dirigiu Alien – A Ressurreição, tinha acabado de aprender a fórmula do sangue falso, e se empolgou. Então, anote aí: se você (ou, quem sabe, seu estômago) não é fã de soldados sendo baleados a cada instante, esse não é seu filme.
Apesar de não ter muito a ver com “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, que continua sendo bem mais criativo que ele, é impossível não lembrar desse filme perfeito, em determinadas partes de “Eterno Amor”: porque aqui também existe um narrador, porque aqui também existem aquelas descrições de personagens e suas manias, porque os pequenos prazeres dos personagens também são mostrados, e porque os detalhes lembram bastante o filme predecessor. Nada muito inovador, para quem já conhece. Mas ainda funciona legal, como funcionou em “Fabuloso Destino”. Dá até para arriscar dizer, no começo do filme, que, assim como “Tróia foi um Senhor dos Anéis de saias”, “Eterno Amor” é um “Amélie Poulain” de calças e barba por fazer. Mas as semelhanças param por aí. A direção de arte é detalhista, tem o toque do diretor, mas, comparando com a outra já mencionada obra prima, não é nada mais grave e emocionante que “apenas caprichada”.
E a Audrey Tautou? Foi ela quem me fez tirar esse filme das garras de Zarko, o homem das multidões, e ir assisti-lo antes dele. A Tautou esteve em dois filmes que figuram entre minha lista de favoritos – um que eu já mencionei umas três vezes nessa crítica, e nem preciso repetir, e o recomendadíssimo Bem me Quer, Mal me Quer. Daí, simpatizei com ela. Ela é uma tremenda de uma boa atriz, mas minha simpatia já está acabando, porque não agüento mais o ar “excêntrica e calada”, que foi o que deu o charme na Amélie, mas não sai mais do rosto da cidadã. Quero vê-la agora fazendo o papel de uma tagarela, aí a gente conversa. ^_^
Um romance sem muito romance, com sangrentos relatos de guerra, que é ao mesmo tempo um filme de detetive, e carrega alguns resquícios de “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”. Uma mistureba. E quer saber? Essa misturança toda é que fez “Eterno Amor” se perder no meio do caminho, não virando um filme perfeito. Às vezes, querer apostar em tanta coisa ao mesmo tempo pode ser meio complicado. Em vez de fazer um filme misturando tudo isso, o diretor podia pegar cada idéia e usá-la em um filme diferente. E agora, você decide. Se preenche os requisitos necessários para ver esse filme – 1) Gostar de filmes europeus e/ou com um enredo diferente, que não explique tudo detalhadamente, como alguns enlatados de Hollywood 2) Não ter raiva de filmes de guerra e de cenas sangrentas e 3) Saber que você não estará indo ver uma comédia romântica fofinha; não tema. O ingresso para o cinema vai valer a pena, nem que seja só pelo passeio. Qualquer coisa, a culpa não é minha… Não fui eu, foi o Jeunet!
ETERNO AMOR (Un long dimanche de fiançailles) :: FRANÇA/EUA :: 2004
direção de Jean-Pierre Jeunet :: roteiro de Jean-Pierre Jeunet e Guillaume Laurant :: baseado no livro de Sébastien Japrisot :: com Audrey Tautou, Gaspard Ulliel, Jean-Pierre Becker, Dominique Bettenfeld, Clovis Cornillac, Marion Cotillard, Jean-Pierre Darroussin, Julie Depardieu, Jean-Claude Dreyfus, Jodie Foster, Andre Dussolier :: distribuição Warner Bros. :: 134 minutos.
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