Vamos lá: o título é Volta ao Mundo em 80 Dias – Uma Aposta Muito Louca (ok, eu comento esse título interessante já já). O filme é uma comédia / aventura com o Jackie Chan como um dos atores centrais. E isso todo mundo fica sabendo ao ver um trailer ou o cartaz do filme (requisitos mínimos para fazer alguém ir ver um filme no cinema). Portanto, eu já parto da premissa que todo mundo já sabe que, dessa mistura, não sairá uma história complexa e marcante, ou interpretações shakespearianas. Se você só vai ao cinema buscando essas qualidades em um filme, “Volta ao Mundo em 80 Dias” não é para você (assim como mais da metade das produções que circulam no “circuito normal” dos cinemas).
A Volta ao Mundo em Oitenta Dias é uma das histórias cheias de máquinas futuristas (com a visão do século XIX) e episódios aventurescos de Júlio Verne, o “ídalo” do Doc de De Volta Para o Futuro (Verne era um escritor francês, o visionário que também escreveu Vinte Mil Léguas Submarinas e Viagem ao Centro da Terra, entre outros), que já rendeu outra adaptação no cinema, em 1956 (e que até mesmo eu, simpatizante de filmes antigos, achei um pouquinho entediante). Mas cuidado, leitores fanáticos de Verne: assistam a “Uma Aposta Muito Louca (?)” sabendo que este filme não passa de uma adaptação totalmente LIVRE da obra original. Aqui, não tem nada de donzelas hindus sendo salvas da morte – e Passepatourt é um chinês (que é *rufem os tambores* Jackie Chan, é claro!).
Mas, antes de mais nada, vamos ao título. Ultimamente, eu imagino que existem três tipos de tradutores (se é que são mesmo eles os responsáveis pela escolha das versões em português dos novos títulos brasileiros): 1) os bons profissionais, que sabem traduzir até mesmo o aparentemente intraduzível, 2) os indecisos, que traduzem, mas sempre colocam o original em inglês na frente, formando umas combinações realmente bizarras (como é o caso de Hook, A Volta do Capitão Gancho ou Grease, Nos Tempos da Brilhantina), e, finalmente, 3) os wookies babantes contratados para sortear um novo título muito louco do barulho da pesada, resultando em obras primas como o título desse filme em questão. Tentando falar sério: não entendo como eles não conseguem captar que isso “é demodê, meu bem”, como diria a já eterna Edna, consultora de moda da família Incrível.
Agora, à história. Phileas Fogg (Steve Coogan) é um cientista além de seu tempo, incompreendido (alerta de clichê 1) pela Academia Real de Ciências, que é cheia de velhos ingleses caquéticos e ultrapassados, que ainda se acham com a razão, e tiram uma ondinha com Fogg (alerta de clichê 2). Por uma obra do acaso, Fogg encontra o chinês Lau Xing, que se faz passar por um francês, sob a linda alcunha de Passepatourt. Por fim, ele é empregado como um serviçal do cientista, e acaba se envolvendo na tal de “aposta muito louca”. A aposta é a seguinte: Lorde Kelvin (o supimpão Jim Broadbent, de Moulin Rouge), chefe da Academia de Ciências, aposta que Phileas Fogg não consegue dar uma volta pelo mundo em apenas 80 dias. Se Fogg contrariar suas expectativas, e cumprir esse inusitado roteiro de viagem, concederá seu cargo de chefe da Academia ao jovem cientista. Caso contrário, o moço perderá todas as suas invenções (que são tudo o que lhe resta em sua vida), e jamais poderá criar algo novo dali para a frente.
Phileas Fogg acaba aceitando a aposta, com o apoio de Passepatourt, que vê nessa viagem uma ótima oportunidade para voltar ao seu vilarejo na China. Vale explicar que Lau Xing (ou Passepatourt, como preferirem) é um fugitivo da lei britânica, porque roubou da Academia de Ciências um precioso Buda de Jade, que, por sua vez, tinha sido roubado de sua aldeia, e era um símbolo muito importante para seu povo – portanto, Xing apenas “tomou-o de volta”, com a intenção de levá-lo de volta para casa. Assim, ambos têm seus sonhos em jogo nessa “aposta muito louca”: Fogg precisa comprovar que está certo, e assumir a Academia de Ciências, e Passepatourt precisa ajudar seu povo. Após a partida dos “bravos” viajantes, por outra obra do acaso, uma artista plástica francesa, Monique (Cecile de France) cruza o caminho da dupla, com outro sonho: quer viajar pelo mundo para melhorar seus conhecimentos artísticos e ser melhor compreendida.
Mas, é claro, obstáculos contra essa viagem surgem por todos os lados: Lorde Kelvin manda seus homens atrapalharem o máximo possível o caminho deles, e a polícia e uma máfia chinesa que procura o Buda de Jade vivem correndo atrás do falso-Passepatourt. E isso sem contar as peripécias encontradas no meio do caminho, pelos países por onde cruzam. É claro que todos esses encontros nada amigáveis são pretextos para as famosas e bacaníssimas intervenções do que Jackie Chan sabe fazer de melhor: seqüências de lutas não só muito bem coreografadas, mas executadas sem uso de efeitos especiais, e quase sempre com piadinhas (e não se deixe enganar: ele também sabe cantar!). Aliás, foi nesse filme que, pela primeira vez, eu entendi porque artes marciais têm muito a ver com dança, e, também pela primeira vez, aprendi a gostar de filmes com essas coreografias (o momento dessa minha “conversão” foi a ótima cena de luta no vilarejo chinês – vilarejo esse que está uma graça, apesar de, na verdade, ter sido filmado na Tailândia).
Como não podia deixar de ser, essa aventura descompromissada tem pontos fracos, que acabam sendo compensados por alguns pontos fortes. O maior defeito do filme foi a escolha do ator que faz o Phileas Fogg. Steve Coogan é considerado um dos caras mais engraçados da Inglaterra de hoje em dia, mas não caiu bem como o cientista obstinado Phineas Fogg, como deveria ser. Não que ele esteja intragável – Coogan arranca umas boas risadas, sim, mas teria tido um efeito ainda melhor se fosse feito por outro ator. Outra baixa no elenco é Cecile de France, mas, nesse caso, não por causa de sua interpretação, e sim por culpa de sua personagem: apesar de divertidinha em algumas partes, a francesa Monique parece mais um poodle chato e assustado na maioria das cenas. O último defeito foi a escolha do diretor Frank Coraci, que preferiu prolongar mais as cenas em cada país, em vez de mostrar os viajantes e objetos de apostas mundiais passando por diversas localidades, como seria o natural.
Esses pontos negativos, porém, são apagados pelas participações de Arnold Schwarzenegger (vocês precisam ver o governador da Califórnia com um black power, parecendo muito um vilão do mangá One Piece!), Rob Schneider, Luke e Owen Wilson, Kathy Bates e John Cleese. Todas essas são pequenas participações, mas que garantem parte das boas piadas do filme. Gente como o John Cleese, por exemplo, já é capaz de fazer a platéia rir mesmo antes de falar sua deixa cômica, culpa da herança do Monty Python. Aliás, tome cuidado para não piscar muito durante o filme, senão você perde a participação especial dele.
De resto, o que mais dizer? A trilha sonora (por Trevor Jones) está bem legal e afinada com o filme, a fotografia também (incluindo aí o charmoso trabalho das animações, que mostram a passagem de um país para outro), e quanto ao figurino tenho uma pergunta básica: Onde Phileas, Passepatourt e Cecile conseguiram arranjar tantas roupas durante a viagem? É uma para cada cenário, e ainda combinando com a cultura local! Uma beleza.
Cheio de clichês ou não, esse filme é divertido, sim. E não só pelo fato de contar com o Jackie Chan (que, com apenas uma pequena demonstração do que sabe fazer em artes marciais, já transforma um filme ruim em algo legal), e sim porque é uma delícia de se ver. Esqueça aquela lenga-lenga de ficar buscando um sentido profundo em tudo, meu filho, finja que não percebeu que é impossível alguém construir uma máquina voadora em menos de 8 horas, e vá pro cinema ver um típico filme de férias, sem grandes compromissos, e lotado de piadas que vão do mais puro pastelão até àquelas de referências rápidas. Ah! E não se esqueça de gritar “Viva Santos Dumont” bem alto no cinema, quando os tais de Irmãos Wright aparecerem.
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