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Então, estamos a um ponto de passar pela delirante experiência de ver (ou rever, como é o caso de muita gente) um dos super-heróis mais queridos das HQs e do cinema voando novamente na tela grande. Mais do que apenas um longa de super-herói e muito mais do que apenas mais um blockbuster estourando nos cinemas, entretanto, Superman Returns, dirigido por Bryan Singer, representa também uma espécie de “retorno às origens” do cinema de ficção e fantasia que hoje já não é mais tão freqüente como foi no passado.
Bem, vamos explicar: no meio de tantos justiceiros atormentados (Batman) e indivíduos dominados por dúvidas e medos (X-Men), o glorioso, intrépido e valente Superman/Clark Kent é um dos mais conhecidos arquétipos do herói perfeito, puro e justo que invadiu as telonas lá pelos idos dos anos 30 e 40 – não à toa, o próprio Super-Homem também marcou presença nesta fase -, sujeito dotado de superpoderes que vive somente e tão somente para lutar contra as forças do mal, protegendo assim a humanidade e mantendo a paz, a ordem e a bondade do povo intactas. Pense bem e responda: Qual foi o último herói que você viu nas telonas com estas características, com total ausência de desvios psicológicos ou traumas internos? Até onde posso me lembrar, o último indivíduo próximo destas características a chegar aos cinemas foi o destemido Capitão Joseph Sky – por sinal, uma claríssima homenagem às técnicas cinematográficas do passado.
Os próprios longas-metragens estrelados pelo saudoso Christopher Reeve entre o final dos anos 70 e idos dos anos 80 representam acima de tudo uma bela homenagem aos fantásticos (e hilariantes) heróis dos filmes e seriados dos anos 30 e 40, os tais serials (maiores explicações no final deste artigo), tão populares nos cinemas antigamente e até hoje lembrados por praticamente ser “o pai” dos filmes de ação de hoje. Quer conhecer alguns destes exemplares? Então, vai fundo!
:: NA MATA SELVAGEM, NO ESPAÇO SIDERAL E NAS PROFUNDEZAS DO OCEANO!
Um dos heróis mais populares na década de 30 foi Flash Gordon, criado por Alex Raymond, que chegou às telas em 1936 com o corpo do ator e nadador Larry “Buster” Crabbe. Rodado como uma serial, o enredo mandou o atlético Flash Gordon e a donzela Dale Arden (Jean Rogers) a um velho planeta prestes a se chocar com a Terra. Lá, os dois descobrem um plano maligno do arqui-inimigo do herói, o imperador Ming (vivido aqui por Charles Middleton, colaborador freqüente dos Irmãos Marx), para acabar com a raça humana.
O seriado ganhou mais duas continuações: Flash Gordon no Planeta Marte (Flash Gordon’s Trip to Mars, 1938), considerado o melhor da trilogia, e Flash Gordon Conquistando o Universo (Flash Gordon Conquers the Universe, 1940). O personagem também gerou uma bizarra adaptação em 1980 e esteve bem próximo de ganhar mais uma refilmagem – que aliás, ninguém sabe em que pé está.
Buster Crabbe também protagonizou outro grande sucesso das matinês: Buck Rogers (1939), popularíssimo nas serials. Para quem não sabe, o herói Buck Rogers sofre um acidente nas montanhas, é congelado e acorda 500 anos depois, em pleno século 25 (!), para enfrentar a ira de Killer Kane (Anthony Warde), vilão que tiranizou o planeta neste meio tempo. Buster Crabbe, que morreu em 1983 em conseqüência de um ataque cardíaco, também deu vida ao lendário Billy The Kid, outro “mocinho” cultuado, e foi o único ator na história do cinema a interpretar os três heróis ‘top de linha’ nos anos 30: Buck Rogers, Flash Gordon e Tarzan, o Destemido, em 1933, num longa-metragem muito mal sucedido nas bilheterias.
Também muito popular nas HQs da década, o fantástico Capitão Marvel ganhou um longa bem inocente em 1941, Capitão Marvel, o Homem de Aço (Adventures of Captain Marvel), com o ator Tom Tyler (que também deu corpo a mais um herói dos gibis, O Fantasma, em 1943). O enredo era simples, mas muito funcional: o jovem Billy Batson tem o poder de se transformar no super-herói quando invoca a palavra mágica “Shazam”, e deve proteger um artefato que, em mãos erradas, pode acarretar a destruição do planeta – e a perda de seus poderes. Tudo bem, os efeitos especiais da época não eram lá grande coisa… mas estávamos em 41, então a gente perdoa! 😀
:: UM CERTO AZULÃO… MAIS CONHECIDO COMO “O PANCINHA”!
Em 1948, antes de ser imortalizado por Christopher Reeve, tornar-se um quase-comediante com Dean Cain, rejuvenescer e ganhar carinha-de-bebê com Tom Welling e muito antes de ganhar uma nova roupagem (e ter uma “certa parte de sua anatomia” deletada via CGI) na pele de Brandon Routh, chegou às telonas a primeira incursão no cinema do nosso conhecido Super-Homem, em As Aventuras de Superman (Superman), apresentando o ator Kirk Alyn como Clark Kent. O longa, mesmo tendo feito bastante sucesso, era muito precário: pra se ter uma idéia, nas cenas em que o Super-Homem voa, os produtores optaram por sobrepôr à figura de Kirk Alyn cenas do clássico desenho de Max Fleischer, uma forma meio estranha de economizar uma graninha com efeitos especiais. Além disso, Alyn era… barrigudo! Imaginem um Superman com aquelas roupinhas coladas e os, bem, “excessos” caindo pro lado… Hilário!
Mais ou menos nesta época, em 1949, estreou Batman e Robin, outro grande sucesso nos cinemas, em que o Homem-Morcego (Robert Lowery) e o Menino Prodígio (Johnny Duncan) devem recuperar um mecanismo roubado pela gangue do maníaco The Wizard e, de quebra, salvar a mocinha seqüestrada pelos bandidos, a repórter Vicki Vale (Jane Adams). Outro super-herói “fofinho”… Aqui, Batman nada mais é do que um vigilante das ruas, sem qualquer traço sombrio e amargo do personagem que conhecemos hoje. Antes disso, em 1943, foi lançado The Batman, muito elogiado pelo próprio Bob Kane, em que Batman e Robin estão atrás de um cientista louco japonês que criou um máquina capaz de transformar pessoas em zumbis! Hehehe… Neste último, Batman e Robin foram vividos respectivamente pelos ator Lewis Wilson e Douglas Croft. E uma observação: os figurinos mais tortos da história do personagem estão aqui! 🙂
E por falar nisso, se você quiser saber mais sobre as origens do Batman nesta época, é só clicar neste link e ser feliz!
:: REPUBLIC PICTURES, A FÁBRICA DE FILMES PIPOCA
Mas nem só de super-heróis com poderes viveu o cinema de entretenimento da época. Aliás, os formatos mais procurados pela molecadinha ainda eram os que envolviam mocinhos valentes em missões ultra-perigosas na selva, no ar ou embaixo d’água, como os clássicos da Republic Pictures, estúdio especializado neste tipo de ‘enlatado’ – e também expert em realizar cinema-pipoca com gastos mínimos, reaproveitando cenários e improvisando muito com efeitos.
O estúdio, conhecido como O Rei das Serials, se aproveitou bem de nomes de sucesso entre a garotada, como Zorro, Dick Tracy, Billy The Kid, entre outros. Dentre os filmes da Republic, destacam-se The Colorado Kid (1937), Os Tambores de Fu Manchu (Drums of Fu Manchu, 1940), A Legião de Zorro (Zorro’s Fighting Legion, 1939) e o clássico Império Submarino (Undersea Kingdom, 1936). Se comparar, a estrutura das histórias é basicamente a mesma: um herói intrépido combatendo o mal em estado puro em lugares mais do que exóticos. A Republic lançou cerca de 1035 títulos – muitos deles no formato convencional de aventura da época -, a metade deste número entre 1930 e 1945. É filme a dar com o pau!
Olhando superficialmente estes títulos, dá pra entender a importância de Capitão Sky não só como filme de ação, mas como uma homenagem mais do que bem-vinda a uma época que definiu o cinema e se foi há tempos. E talvez este seja o seu maior problema: não se sabe ainda como a platéia tão acostumada a anti-heróis imperfeitos reagirá à inocência bruta dos personagens e da história bolada por Kerry Conran. Mas uma coisa é certa: nós, nerds, e a geração que viveu a era de ouro dos heróis puros em sua concepção, agradecemos de coração aberto. Afinal, sem estes tão heróicos e valentes homens, o que seria do cinemão de pancadaria de hoje? Por isso, valeu… Para o alto e avante! Ôpa, acho que esta frase é de um desenho novo, não é não? 😀
:: MAS AFINAL, O QUE DIABOS É UMA SERIAL?
Ah, sim! Já ia me esquecendo de falar sobre o termo que tanto citei neste artigo. Os seriados, ou serials, como são conhecidos lá fora, influenciaram praticamente noventa por cento das produções cinematográficas do século que passou. Mas não vamos confundir os seriados com as séries de TV que dominam (e em alguns casos, assombram) a programação de hoje em dia. Na década de 30, alguns estúdios investiram pesado num formato até então inusitado: rodavam uma trama bem simples – mas engenhosa – em longa-metragem e dividiam este longa em vários episódios curtos (cerca de dez a quinze capítulos por longa), a ser lançados nos cinemas.
As histórias, mesmo sendo bem modestas visualmente – herança do cinema B da época -, eram estreladas por heróis puros e perfeitos, recheadas de ação desenfreada e façanhas incríveis de seus protagonistas (realizadas por dublês, claro) e estrutura típica de gibis – fator imprescindível, já que o público-alvo desta iniciativa era justamente a molecadinha ávida pelas aventuras dos heróis de HQs. As sessões de cinema nesta época geralmente eram compostas de um episódio de cada serial em uma mesma projeção, o que fazia atrair uma parcela maior de espectadores.
A maior vantagem que os estúdios viam nas serials era a economia e a garantia de retorno. Afinal, era um único longa dividido em capítulos, portanto o público que se interessasse pela primeira parte, automaticamente voltaria a pagar ingresso para ver a segunda, a terceira e o restante. Mas para isso, os produtores precisavam segurar o interesse da platéia.
Foi aí então que surgiu um elemento utilizado à exaustão no cinemão de entretenimento americano e ainda usado até hoje: o cliffhanger. Este elemento consiste na situação em que o herói encontra-se em um estado de perigo terrível ao final do capítulo, somente para ser salvo pelo gongo logo no início do capítulo seguinte. Este e outros elementos tão bem estruturados pelas serials influenciaram dezenas de cineastas e projetos a seguir, como a cultuadíssima trilogia de Indiana Jones e o bacaníssimo longa do Capitão Sky. Entenderam?
:: ALGUMAS CURIOSIDADES
– Buster Crabbe ganhou a Medalha de Ouro na Prova de Nado Livre 400 metros nas Olimpiadas de Verão de Los Angeles em 1932.
– Quase todo o cenário de Buck Rogers foi usado em outra produção de Buster Crabbe, Flash Gordon no Planeta Marte. A trilha sonora incidental foi originalmente usada em A Noiva de Frankenstein (Bride of Frankenstein, 1935), sendo que alguns enxertos da trilha vieram de outros três longas bastante conhecidos, O Lobisomem (Werewolf of London, 1935), A Filha de Drácula (Dracula’s Daughter, 1936) e O Homem Invisível (The Invisible Man, 1933). Reciclagem é a palavra de ordem!
– A história de Capitão Marvel, o Homem de Aço seria inicialmente estrelada pelo Super-Homem. No entanto, um atrito entre a Republic Pictures e a detentora dos direitos do personagem criado por Jerome Siegel e Joe Shuster, a empresa chamada National Periodical Publication (mais conhecida hoje como DC Comics), impediu o projeto de seguir adiante. A Republic, preocupada em perder dinheiro com as tomadas já feitas sem o herói, ofereceu então o projeto à Fawcett Comics, dona do Capitão Marvel, que topou no ato.
– Para se ter uma idéia de como os caras faziam tudo de qualquer jeito, o enredo de As Aventuras de Superman se passa em duas cidades com nomes quase idênticos: Atsworth e Chatsworth. Para os dois cenários, o diretor usou a mesma placa de entrada da cidade, incluindo à base de caneta o “CH” que faltava. Que ruim, hein!
– A serial do Superman também trouxe uma inovação: depois de um pequeno acidente que presenteou o dublê de Kirk Alyn com um perna quebrada, o ator se viu forçado a realizar suas próprias seqüências perigosas de ação. Não foi um “ato heróico e valente” de sua parte; apenas a falta de grana dos produtores para contratar um novo dublê, já que eles foram responsabilizados pelo acidente que vitimou o dublê anterior.
– The Batman introduziu ao universo do Homem-Morcego a tão famosa Bat-Caverna, que até então não existia nos gibis. O local foi incluído nas HQs logo depois. E aqui, nada de Batmóvel, pois o baixo orçamento não permitia tal “extravagância”. Para sanar o problema, Batman e Robin usam o mesmo Cadillac preto que usam como Bruce Wayne e Dick Grayson. Como ninguém descobria a identidade dos paladinos da justiça… bem, isto é um mistério. 🙂
– Também por causa de “The Batman”, o personagem tornou-se a primeira figura da DC Comics a ganhar uma serial.
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