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Ainda me lembro como se fosse ontem da primeira vez em que assisti a O Exorcista (The Exorcist, 1973), de William Friedkin a partir da obra de William Peter Blatty. Foi em 1997, numa pequena sala de exibição de menos de 50 lugares, num ciclo de retrospectiva dos clássicos da Warner Bros. Era uma sessão maldita (para quem não sabe, o nome que se dá a uma sessão de cinema que começa exatamente à meia-noite), e a noite chuvosa e de vento contribuía ainda mais para o clima de terror – e também para o meu desespero! Hehehe… Quando a sessão começou, a platéia tinha milhares e milhares de três pessoas (incluindo eu), e depois de duas horas de um turbilhão de medo e comoção, saí do cinema aterrorizado, com os cabelos em pé e a sensação de ter presenciado um trabalho de gênio. No mesmo instante, O Exorcista entrou na minha listinha pessoal dos melhores filmes da história do cinema. Sem exageros.
Quando soube que Exorcista: O Início (Exorcist: The Beginning, 2004) realmente sairia do papel, odiei a idéia. Principalmente depois de todos os problemas na produção (mais detalhes no final deste artigo), que resultaram na demissão do diretor Paul Schrader (que realizou alguns trabalhos bem legais como A Marca da Pantera) e contratação de Renny Harlin (Risco Total). Aí é que o negócio fedeu de vez: me revoltou a idéia dos executivos da Warner passarem a bola para um cara que até então só tinha feito filminhos de ação. Pombas, como que este Zézinho daria o tratamento que qualquer filote do primeiro Exorcista merece? Ainda mais que este novo longa voltaria no tempo e dissecaria o notório primeiro encontro do Padre Lancaster Merrin – imortalizado pelo grande Max Von Sydow e, desde já, o meu personagem favorito – com o demônio, levemente citado em O Exorcista. De qualquer maneira, todos sabiam que os produtores só queriam mesmo um caça-níqueis. Mesmo sabendo disso (na verdade, com um fio de esperanças de que o trabalho fosse assistível), fui conferir este novo longa e devo dizer: ô fitinha ruim do cacete.
:: DEMÔNIO EM CGI?
Vamos rapidamente à história: em 1949, o arqueólogo Merrin (interpretado pelo sueco Stellan Skarsgård, de Dogville), que abandonou a batina e perdeu a fé em Deus depois de uma aterrorizante experiência num campo de concentração na 2.ª Guerra, é convocado para auxiliar numa escavação na África. O que Merrin não sabe é que trata-se da descoberta de uma Igreja enterrada em pleno deserto. A Igreja, datada de 1.500 anos antes da chegada do catolicismo na região, está praticamente intacta e não apresenta nenhum sinal de desgaste do tempo. Com o auxílio do padre Francis (James D’Arcy, que atuou recentemente em Mestre dos Mares) e da médica Sarah (Izabella Scorupco, uma das Bondgirls de 007 Contra GoldenEye), Merrin também toma conhecimento da crença da população local – que acredita que o local é amaldiçoado por maus espíritos – e descobre que os responsáveis pela descoberta sumiram misteriosamente. A coisa piora quando um dos dois filhos de um habitante local apresenta clássicos sinais de possessão demoníaca. Mais manifestações macabras acontecem e Merrin passa a desconfiar que a Igreja foi construída no exato local em que Lúficer caiu na Terra depois da guerra travada no Paraiso. Eu, hein?
Os defeitos da película não são poucos: pra começar, Renny Harlin, o diretor, acredita fielmente que o conceito do “terror” se resume a sustos previsíveis. De fato, tem muitos sustos. Sangue, então, nem se fala. É pra todo lado. Mas é só o que tem. Harlin trata Exorcista: O Início não como um exercício de medo (bem, medo você não sente em momento nenhum) mas sim como filme de ação. Esta é a idéia de “filme de horror” do cara, que acaba esquecendo de um pequeno detalhe: o clima. Aquela ambientação fantástica de sugestão do primeiro filme foi jogado pra escanteio e o que se vê aqui é um festival de escatologia, com direito a muitos animais estripados, recém-nascidos cobertos de larvas e crianças partidas em vários pedaços por hienas raivosas – cenas, aliás, que incomodarão muita gente mas não chegam nem aos pés da histórica “virada de cabeça” da menina Regan. Fora que a platéia já sabe no começo o que acontecerá no final. Outro ponto negativo é que Renny Harlin não se decide em momento algum entre as saídas criativas e datadas do Exorcista original e efeitos especiais moderninhos – a tão esperada aparição do Cabrunco incorporado no corpo de alguém, depois de quase duas horas de projeção, é risível.
:: ELENCO FRACO, HISTÓRIA IDEM!
Além disso, o elenco é terrível, à exceção do ótimo Stellan Skarsgård, que se sai muito bem como Merrin e se mostra uma escolha perfeita para o papel. Já o resto… James D’Arcy é muito canastrão e a ex-modelo Izabella Scorupco, pior ainda. Os caras simplesmente não conseguem criar uma empatia com a platéia, e isso prejudica e muito o andamento da fita. Remy Sweeney, o ator-mirim que carrega uma responsabilidade considerável no papel de Joseph, a criança possuída, é terrível de tão péssimo. Além do próprio Merrin, o único personagem digno de nota é Jeffries, interpretado com respeito e seriedade pelo engraçadíssimo inglês Alan Ford (para quem não sabe, o perigoso Tijolo do hilário Snatch, de Guy Ritchie), mas não considero muito por ter sido muito mal aproveitado. Outro problema grave é o excesso de clichês. Todos os chavões de filmes de terror estão lá, desde as tribos estranhas da África até os “figurantes caolhos e cheios de cicatrizes” que passeiam pelos cenários de qualquer filme cuja ação se passa em regiões pobres.
Mas o maior problema de Exorcista: O Início, além da história mal desenvolvida, é seu antecessor. Talvez este longa fosse apenas “regular” se não carregasse nas costas a enorme responsabilidade de honrar a qualidade e o prestígio do primeiro filme da série. Este fator não evita que o espectador compare esta fita com a original durante boa parte do tempo. E vamos concordar: é impossível superar o horror sentido com a primeira aparição de Regan (interpretada no original pela sumida Linda Blair) já convertida no Tinhoso. Os caras esperavam fazer isso com o Renny Harlin dirigindo? Pelo amor de Deus! Bem, quer um filme de terror? Alugue O Exorcista original e bom divertimento. Quer levar uns sustinhos e esquecer que viu o filme assim que sair da sessão? Pode ficar com este mesmo. Mas vai na sessão mais barata, pra não sair xingando depois! Pelo menos serviu pra uma coisa: em matéria de medo, nada é pior do que a ganância dos executivos dos estúdios de Hollywood… Vade retro, coisa ruim! 😀
:: ALGUMAS CURIOSIDADES
– Dentre zilhões de problemas que a produção de Exorcista: O Início enfrentou, o mais notório foi, sem sombra de dúvidas, a substituição do diretor original, o estranho Paul Schrader, pelo “operário-padrão” Renny Harlin. A produtora, Morgan Creek, demitiu Schrader depois de ver o copião da primeira versão e não gostar nada do que viu. Segundo o estúdio, Schrader rodou “um drama psicológico sem um traço de escatologia”. Após a demissão do cineasta, o longa foi rodado praticamente do zero: mais de 90% do copião foi refeito, sendo que dois personagens da primeira versão foram eliminados por Renny Harlin. A Morgan Creek divulgou que, na ocasião do lançamento em DVD, as duas versões estarão no disco, e então poderemos conferir qual delas é a melhor (ou a menos ruim).
– O fantástico John Frankenheimer foi contratado para comandar as filmagens antes de Paul Schrader, mas abandonou o projeto misteriosamente. Exatamente um mês depois, o diretor faleceu, de causas naturais. Liam Neeson, o Qui-Gon Jinn de Star Wars: Episódio I, foi o primeiro cotado a interpretar o padre Merrin, mas se recusou quando soube que Frankenheimer tinha tirado o seu da reta.
– As tentativas de atores Ryan Phillipe (de Studio 54) e Kerr Smith (do seriado Dawson’s Creek) eram as escolhas iniciais para o papel do Padre Francis – mas deu na mesma, uma vez que James D’Arcy também é muito ruim.
– A produção enfrentou ainda um outro problema além dos já relatados aqui: a atriz Linda Blair, intérprete da menina Regan no primeiro filme da cinessérie, ficou chocada e ameaçou processar o estúdio por ter usado imagens suas na promoção de Exorcista: O Início, sem solicitar permissão nem pagar direitos autorais. Não se sabe a quantas anda esta história.
– Em pelo menos duas cenas de Exorcista: O Início, é possível enxergar de relance aquela arrepiante carinha branca muito usada no primeiro longa da série. Fique atento!
EXORCISTA: INÍCIO (Exorcist, the Beginning) :: EUA :: 2004
direção de Renny Harlin :: roteiro de Alexi Hawley :: história de Caleb Carr e William Wisher :: inspirado no personagem de William Peter Blatty :: com Stellan Skarsgård, Izabella Scorupco, James D’Arcy, David Bradley, Alan Ford, Remy Sweeney :: distribuição Warner Bros. :: 114 minutos.
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