Responda rápido: o que aconteceu de relevante no dia 12 de fevereiro de 1989? Acertou quem respondeu “a estréia da novela Que Rei Sou Eu?“. Todos sabemos que não é muito do feitio d’A ARCA ficar falando sobre novelas, mas nesse caso podemos abrir uma brecha. Afinal, “Que Rei sou Eu?” marcou a infância de muita gente, e acabou virando um clássico.
Era o ano de 1786. Três anos depois a Revolução Francesa se iniciaria, e o longínquo Reino de Avilan acabara de perder seu governante. O trono tinha um rei de direito, o revolucionário Jean Pierre (Edson Celulari), filho bastardo do rei, mas ninguém sabia disso. Os conselheiros reais, então, aproveitando-se da Rainha Valentine (Teresa Rachel e suas gargalhadas agudas) – que era meio tresloucada, por assim dizer, nomearam como rei o mendigo Pichot (Tato Gabus Mendes). O autor dessa manobra foi Ravengar, o bruxo de Avilan, interpretado por Antonio Abujamra, em um dos seus mais famosos papéis na televisão. Ravengar deu o que falar e até hoje figura nas listas de vilões de novela mais bem caracterizados. Do cabelo a la Bozo do mundo Bizarro até à sua assistente Fanny (Vera Holtz), o mago Ravengar era o vilão perfeito para o corrupto e amalucado Reino de Avilan.
Jean Pierre, o protagonista, no decorrer da novela organizava um movimento revolucionário que tinha como integrantes a feminista Madeleine (Marieta Severo) e Corcoran, o Bobo da Corte (Stênio Garcia, o companheiro de Fagundes em Carga Pesada), e dividia seus momentos políticos com o amor disputado por duas donzelas: a plebéia Aline (Giulia Gam) e a rica Suzanne (Natália do Valle), que era esposa de um dos conselheiros reais – Vanolli Berval (Jorge Dória).
Toda essa historieta novelesca foi desenvolvida sob o humor sarcástico de Cassiano Gabus Mendes, que realizava então o seu melhor trabalho na área (“Que Rei sou Eu?” ficou conhecida como a melhor novela do horário das sete, perdida no meio de tanto pastelão-enchedor-de-saco…). E o humor da novela era politizado, rindo da própria desgraça na política brasileira – Avilan era uma paródia do Brasil. Corrupção, injustiça social, miséria, moeda desvalorizada, impostos… Enfim, tudo o que havia no País era retratado no Reino longínquo. O barato estava na transposição dos fatos: assim que acontecia um evento com repercussão aqui no nosso País, o Reino de Avilan passava pelo mesmo processo. Foi o caso da mudança do nome da moeda brasileira ou do escândalo da contaminação no leite. Assim que esses fatos viraram manchetes aqui, as avilanesas e os avilaneses também passaram pelos mesmos causos. Essa inovação contribuiu bastante para o sucesso de audiência da novela.
:: OS BASTIDORES POLÍTICOS
Politicamente, o Brasil em 1989 passava por uma mudança. Acabara de sair de longos anos de ditadura e iriam acontecer as primeiras eleições diretas depois de 28 anos. Assim, uma comparação dessa abertura política com a Revolução Francesa (pano de fundo de “Que Rei Sou Eu?”) fez sentido – em 1989 ocorriam também as comemorações dos 200 anos da Revolução Francesa, o que foi utilizado como gancho para o cenário da história.
“Que Rei sou Eu?” foi ao ar de 12 de fevereiro a 16 de setembro de 89 – meses em que durou uma certa euforia política, que culminou com a eleição do primeiro presidente votado pelo povo, cinco anos após a Diretas Já: o pop-star Fernando Collor de Melo. E daí? Bem, e daí que a bandeira dos políticos (incluindo aí o senhor Collor) era lutar contra a corrupção instaurada no Brasil (e parodiada na novela, com os nobres e conselheiros fanfarrões). E tem quem diga que “Que Rei Sou Eu?” fez parte do patrocínio a Fernando Collor, que dizem as más e boas línguas, a Globo apoiou sem cerimônias.
Dizem até que Jean Pierre, o herói da novela, era uma apologia ao futuro presidente: era jovem, tinha uma boa oratória e lutava contra a corrupção, metido a radical. Concordando com essa idéia ou não, é fato que o último capítulo de “Que Rei Sou Eu?”, que teve um alto índice no Ibope, foi bem patriótico, e combinava com a espécie de esperança que a população tinha naquele período.
Jean Pierre discursa na revolução, hasteia a bandeira do Pavilhão Nacional Brasileiro, muda o nome de “Avilan” para “Brasil”, sob um discurso de “vamos construir um futuro melhor”, falando nessas palavras: “Eu quero que todos vocês agora – camponeses, operários – gritem comigo: Viva o Brasil!”. Poxa, nem a hilária “Que Rei Sou Eu?” escapou das totalmente descaradas frases de aconselhamento moral da Globo…
:: OS BASTIDORES, SOMENTE
A qualidade da equipe artística e técnica era primorosa. Não só porque podiam “xingar” os políticos à vontade, os atores, sob a direção de Jorge Fernando, gostaram de atuar na novela e deram o melhor de si. Alguns deles, como Stênio Garcia, por exemplo, enfrentaram aulas de acrobacia, malabarismo, dança e esgrima e receberam orientações de profissionais sobre os costumes, linguagem e até gestos utilizados na época.
Tudo foi caprichadinho e primorosamente pesquisado, até o método de construção e as técnicas de arquitetura da época em que a novela foi ambientada. Com 2.200 metros quadrados de área construída, a cidade cenográfica contava com uma vila composta por 14 casas e um castelo de 30 metros de frente e 26 metros de altura.
:: ABERTURA
Ao som do Rap do Rei, uma seqüência com várias cenas de conflitos mundiais através dos tempos era transmitida na abertura de “Que Rei Sou Eu?”, feita por Hans Donner. A música tema foi composta pelo Boni (um dos manda chuvas da Globo) e interpretada pela banda Luni, da qual Marisa Orth era a vocalista (é, isso foi antes dela fazer sucesso na tv).
A novela tinha uma trilha sonora bem eclética, é só conferir aí pra relembrar:
Trilha Nacional:
As muralhas do teu quarto são bem altas, mas eu posso te alcançar (Wando)
Chama (Roupa Nova)
Renascer (Zizi Possi)
Medieval 2 (Léo Jayme)
Cigana (Carla Daniel)
Bye bye tristeza (Sandra de Sá)
A dama e o vagabundo (Zé Lourenço)
Flecha (Sagrado Coração da Terra)
Nossa luz (Fagner)
Que rei sou eu? (Eduardo Dusek & Luni)
Raça de heróis (Guilherme Arantes)
Finge que não falou (Nico Rezende)
Rap do rei (tema de abertura) (Luni)
Nunca é tarde pra sonhar (Eddy Benedict)
Espanhola (Kleyton e Kledir)
Trilha Internacional:
Les chemins d’amour (Matisse)
Orinoco flow (Enya)
I’ll always love you (Taylor Dane)
Bamboleo (Gipsy Kings)
Someday we’ll be together (el camiño) (Santa Fé)
How can I go on? (Freddy Mercury & Montserrat Caballé)
Eternal flame (Bangles)
Specially for you (Kylie Minogue & Jason Donovan)
Like a child (Noel)
Let the river run (Carly Simon)
Turn turn turn (Herrey’s)
When I fall in love (Lil Consant)
American bars (Leo Robinson)
Patience (Guns N’Roses)
Ou vocês podem cantar comigo:
“É duro viver
Sem amor, sem poder
Sem grana, sem glória
Sem nome na história
É duro viver
Sem coroa, sem trono
Sem URP ou gatilho
Sem nada de abono
A vida é uma só
Não adianta reclamar
Quem não leva a vida
Vai ver a vida passar
Eu só quero ter da vida
O melhor que a vida tem
Um pouquinho do que é bom
Nunca fez mal a ninguém
Se cada um pudesse cuidar
Daquilo que é seu
Só quero para mim
Tudo aquilo que é meu
E se não for assim
Que rei sou eu?
Que rei sou eu?”
Depois dos seis meses de sucesso no ar, a novela terminou – mas foi reprisada logo em seguida, entre outubro e dezembro do mesmo ano, na Sessão Aventura (que passava às 5 da tarde). No caso, os capítulos foram compactados para a reprise, que prolongou por mais três meses a vida da novela na televisão.
Nada mal para uma novela “bufa e carnavalesca”, como considera Jorge Fernando. “Fizemos uma novela bufa, carnavalesca. Mas, se fosse séria e contemporânea, não conseguiria ser tão atual”. É, seo diretor, atual até hoje, 15 anos depois de sua estréia.
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