Você está lá assistindo a um filme regado a um bom refrigerante e um pacote de pipocas. Lá estão alguns personagens agindo e conversando normalmente. De repente, o protagonista fica sozinho, um violino começa a ser ouvido ao longe, vai ficando mais alto, até ser perfeitamente audível. A pessoa que está em destaque na cena emite umas notas, num monólogo em que conta sua felicidade. É aí que uma música grandiosa começa, e todos os que antes eram apenas figurantes da cena passam a dançar e cantar junto com o protagonista. Assim que todos os atores participantes acabam suas coreografias, cantando juntos a última nota aguda, seguida da nota final executada pela orquestra, tudo pára. Cada um volta ao o que estava fazendo como se nada tivesse acontecido, e ninguém estranha o fato de tudo ter ficado tão “musicado” de uma hora pra outra.
É, assim são os musicais. Alguns nessa situação largariam a pipoca e o refrigerante, pegariam o controle remoto e fugiriam para outro canal. Outros aproveitariam pra assistir a mais um gênero de filme, mesmo sabendo que a qualquer instante uma cantoria poderia começar. Um ou outro agiria como a senhorita que vos fala, começaria a pular e a cantar “está passando um musical, está passando um musical!”, se sentaria e assistiria ao filme, com um sorriso de orelha a orelha.
Embora hoje em dia não atinjam o gosto do público em geral, além de serem considerados por muitos como uma forma de fugir à realidade devido aos números de canto e dança no meio da história, sendo consideradas como coisas absolutamente normais, os musicais já tiveram uma época de ouro, e foram grande parte dos ganhadores de Oscars durante algumas décadas.
:: COMO ELES NASCERAM
Se formos verificar os primórdios dos primórdios desse gênero, chegaríamos aos teatros da antiguidade. Desde as primeiras encenações, conhecidas na Grécia antiga, as histórias eram na maior parte do tempo cantadas, e sempre possuíam um coro que auxiliava na narração da trama.
Músicas sempre foram importantes na história do teatro de todas as culturas, seja como narração ou como atração principal da peça – por exemplo, nas óperas, que surgiram na Europa por volta de 1600.
Dando um pequeno salto pelas décadas, chegamos ao teatro musicado nos EUA. As influências da ópera européia, chegando lá, misturaram-se com cantigas populares e poemas de amor da moda, evoluindo e inaugurando um estilo diferente de interpretação musicada, adicionando mais movimento e interpretação, e sem aquela modificação na voz que os cantores de ópera são obrigados a fazer: surgia o teatro musical.
Aos poucos, o teatro musical foi crescendo nos Estados Unidos, formando vários gêneros diferentes, até que tornou-se uma arte bem sucedida. Com o surgimento do cinema falado, então, a arte musical pôde sair um pouco dos palcos da Broadway e alcançar outra mídia. Aliás, o primeiro filme inteiramente falado do cinema foi um musical: O Cantor de Jazz, de 1917, com Al Jolson (aquele da cara pintada, com a boca branca).
:: OS MUSICAIS NO CINEMA
O gênero musical passou por várias fases distintas na História do Cinema. Os primeiros filmes musicais eram filmados com a câmera estática, mostrando as coreografias de apenas um ângulo, como se estivesse sendo visto da platéia de um teatro. Só depois da década de 30 é que passaram a ter algum diferencial, com câmeras em movimento e locações variadas. São dessa primeira época de ouro do cinema musical, que manteve o mesmo estilo até o início da década de 50, produções como O Picolino (1935), Um Dia em Nova Iorque (1949), Sinfonia de Paris (1951), Cantando na Chuva (1952) e outros clássicos.
No período, ainda não havia números musicais tão esplendorosos. Eram geralmente cantados em solo, e sem explosões de orquestras e inúmeros bailarinos como os musicais das décadas seguintes. Gene Kelly e a dupla Fred Astaire / Ginger Rogers brilhavam nas telas, com seus infindáveis números de sapateado.
Quando o público não agüentava mais ver gente sapateando, os diretores de cinema passaram a buscar grandes produções teatrais que resultassem num bom filme. Daí que, após O Mágico de Oz, com Judy Garland praticamente inaugurou o estilo, começaram a pipocar, nos anos 50/60, aquelas “super produções” que conhecemos, em que muitos atores bailarinos saem cantando pelos cenários grandiosos com aquelas cores desbotadas para os padrões de hoje em dia.
Os ganhadores do Oscar de melhor filme West Side Story, A Noviça Rebelde, My Fair Lady, Oliver! e inúmeros outros filmes com números musicais reunindo muitos personagens, e atores que além de mostrarem ótima interpretação, cantavam que era uma beleza. A eterna Julie Andrews era uma das protagonistas mais carismáticas, ao lado de Audrey Hepburn. Os anos 60 trouxeram musicais que eram em sua maioria comédias românticas com tramas não tão fáceis, mas amenizadas através da típica “fuga da realidade” característica dos musicais. A grande maioria das produções musicais que chegavam aos cinemas naquela época e até nos dias de hoje são adaptações cinematográficas de peças em cartaz nos teatros há tempos.
Na década de 70 o gênero musical já estava ficando saturado. A “indústria musical” entrou em decadência, mas ainda conseguiu produzir alguns musicais perdidos que fizeram relativo sucesso, com destaque para Grease – Nos Tempos da Brilhantina, de 1978, além de Cabaret (1972), Hair (1979) e Um Violinista no Telhado (1971 – com uma curiosidade: suas músicas foram compostas pelo gênio John Williams).
1980 foi responsável por parte de seu sepultamento. Footloose e Dirty Dancing são considerados musicais, embora não possuam muitas músicas cantadas, e sim vários passos de dança de Patrick Swayze ou Kevin Bacon. Um filme musical que provém dessa década e pode ser considerado uma das pérolas do humor negro é o perfeito A Pequena Loja dos Horrores, de 1986 e baseado numa peça de 1960.
No início da década de 90, as animações musicais da Disney eram as únicas a tentar perpetuar a espécie. De lá para cá, após o enterro dos filmes musicais, um ou outro surge trazendo a esperança e a promessa de ressuscitar o gênero. Evita (1997) foi um desses, que inovou no sentido de traduzir para o cinema a peça completa, sem abandonar o estilo ópera (quando é apenas cantada do início ao fim, sem falas) do teatro.
O fim da era de ouro dos musicais havia há muito acabado. Algumas produções foram sendo feitas, mas sem destaque. A ala mais “alternativa” conseguiu alguns feitos – o nerd neurótico Woody Allen arriscou algumas tentativas de musicais como Todos Dizem Eu Te Amo (1996) e a bizarra Björk atuou num dos filmes mais tristes que já vi: Dançando no Escuro (2000).
Em 2002 uma revolução na linguagem dos musicais estreou nos cinemas: Moulin Rouge e suas cores, produção, roteiro, figurino e cenários exóticos e esplêndidos inovou em várias áreas, sendo inteiramente filmado numa espécie de linguagem de videoclipe. Uma das coisas muito interessantes na parte da trilha sonora é a mistura, paródia e recriação de músicas que já existiam e faziam sucesso na mídia.
Chicago, um ano depois, veio dos palcos e também trouxe uma linguagem reciclada aos musicais do cinema. Misturou cenas gravadas em palco com outras locações de cinema de uma maneira sutil, que não deixou o filme confuso ou estranho, e ainda conseguiu agarrar o Oscar de melhor filme em 2003.
A Academia sempre teve um gosto especial por esse gênero cinematográfico. Basta verificar a lista de todos os vencedores de Oscar de melhor filme para notar o grande número de musicais que a compõe. Por isso, não se pode dizer que o fato de Chicago ter se destacado na penúltima entrega de Oscars seja alguma prova de que uma nova era dourada de musicais esteja surgindo.
Mas, vendo o sucesso de público de Moulin Rouge e as novas características extravagantes e geniais dos últimos filmes produzidos, uma sombra de esperança pode nascer no mercado dos musicais. Ainda mais com a notícia de que está a caminho uma refilmagem de Footloose. E principalmente com a maravilhosa notícia de que Joel Schumacher (o diretor do polêmico Por um Fio) está produzindo a versão para cinema do famoso musical da Broadway O Fantasma da Ópera.
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