O tempo deles se foi. Época dos grandes carros equipados com motores V8 envenenados. Período, também, dos heróis cinematográficos incorruptíveis, solitários e de ótima índole; bondosos, prestativos e acima do mal. Momento em que Mad Max, despretensiosa pérola do cinema australiano, capturou a imaginação e os sentidos dos espectadores ao mostrar uma distopia na qual a tênue linha, divisora da ordem e do caos, foi apagada. Caos que cheira a óleo e que é regado aos estridentes sons de motocicletas e derrapagens.
Max Rockatansky (Mel Gibson) é um ás do volante, a estrela da Main Force Patrol (MFP); a polícia de um caótico futuro “pouco distante”. Ele, o mocinho, tem o dom de pilotar bem as viaturas da lei, fator que o leva a facilmente vencer os delinqüentes mais endoidecidos das desérticas estradas australianas, como o fugitivo Nightrider (Vince Gil). Max, contudo, depara-se diariamente com a mesma sina: a expectativa de se tornar tão louco e violento quanto os criminosos que persegue. O sentimento aflora ainda mais quando Goose (Steve Bisley), amigo íntimo e também patrulheiro, tem a sorte posta à prova em uma emboscada movida por vingança.
Ameaçado por asseclas do finado Nightrider, agora chefiados por Toecutter (Hugh Keays-Byrne), o policial decide-se por abandonar a carreira brilhante, temeroso de perder a família e a própria vida. Porém, convencido do contrário pelo chefe de polícia, Fifi Macaffee (Roger Ward), ele aceita sair de férias a fim de pensar melhor a respeito da decisão e de, talvez, reconsiderá-la. Max, então, vai de encontro, sem saber, a um futuro sombrio, cru e vingativo. O título do filme, verdade seja dita, somente começa a fazer sentido após os 75 minutos iniciais de exibição, quando um certo carro preto – o Interceptor – entra em cena.
“Mad Max”, de 1979, foi produzido somente para o mercado australiano, mas, descoberto por executivos da Warner, ganhou dublagem (por causa do fortíssimo sotaque do Inglês Australiano e do uso freqüente de gírias) e foi relançado nos Estados Unidos. O diretor, George Miller (o mesmo de As Bruxas de Eastwick), sequer imaginou o sucesso arrebatador do filme no exterior. Este, talvez, possa ser justificado por excelentes cenas de perseguição automobilística (57 mil litros de gasolina foram gastos), pelo carisma do ator principal (mero estreante à época), pela atmosfera de surrealismo, pela ótima trilha sonora (composta por Brian May) e pela violência desmedida, que é, diga-se de passagem, facilmente ultrapassada por qualquer seriado de tevê atual. De resto, a película é algo comum: há personagens demasiadamente caricatas, atuações medianas e enredo um tanto quanto ingênuo.
Em 2002, o filme foi relançado pela MGM, em DVD, sob o título “Mad Max Special Edition”. A nova edição possibilitou, de forma inédita, a particularidade de se assistir ao longa-metragem no idioma original da terra dos cangurus, isto é, vê-lo ausente da dublagem. A imagem do disco, outra das novidades, ficou mais definida, graças ao moderno processo de transferência digital. Aos adoradores dos extras, muitos compõem o pacote: dois documentários especiais (um sobre o filme e outro sobre Mel Gibson), trailers de cinema, galeria de fotos, comentários em áudio de David Eggby (câmera), Chris Murray (efeitos especiais) e Jon Dowding (direção de arte), e outras surpresas. A película, ainda, pode ser vista em Widescreen Anamórfico (2.35:1) ou em Full (tela cheia); a gosto do freguês.
As desventuras de Max prosseguiram em duas outras produções: Mad Max II: The Road Warrior (1981) e Mad Max III: Beyond Thunderdome (1985). A segunda, extremamente violenta, dispôs de mais recursos que a antecessora, e, talvez por isso, tenha virado a favorita dos fãs. Ela também influenciou diversas “sucessoras”, tais como o filmeco Firebird 2015 A.D., devido ao visual futurista, caótico e pós-nuclear. A terceira, com direito a Tina Turner no elenco e tudo o mais, foi, em contrapartida, um notório fracasso.
Mad Max IV: Fury Road, título provisório da quarta encarnação da série cinematográfica, está em fase de produção e com lançamento previsto para o ano de 2005. Existe, a este respeito, a pergunta que não quer calar: será que o “guerreiro das estradas”, um genuíno produto daqueles tempos, reencontrará seu lugar no mundo atual de The Matrix e de Kill Bill? Será que, dentre tantos heróis sombrios, pós-modernos e salpicados de crises existenciais, haverá ainda espaço para o “amalucado” Max?
É, acho que os barulhentos motores V8 e os heróis de outrora ficaram mesmo pela estrada…
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