|
Na época em que o diretor-hobbit Peter Jackson anunciou que faria a adaptação cinematográfica dos livros da série O Senhor dos Anéis, do cultuado J.R.R. Tolkien, a pergunta recorrente, entre paus e pedras dos fãs mais ardorosos, era “Como diabos ele vai fazer isso?”. No entanto, depois de levar A Sociedade do Anel (2001) e As Duas Torres (2002) para as telonas, ainda restava a questão: “Como diabos ele vai TERMINAR isso?”. Em O Retorno do Rei, Jackson conclui de maneira majestosa a sua trilogia cinematográfica, entrando de vez para a história do cinema não só pela grandiosidade da produção, por ter gravado as três películas ao mesmo tempo ou mesmo pelas cifras arrecadadas, mas sim pelo esmero e coragem com o qual enfrentou o desafio de converter em produto de cultura pop uma das obras literárias mais aclamadas da história.
O terceiro filme da saga de Frodo é a dosagem certa entre a profundidade psicológica dos personagens que pudemos conferir em “A Sociedade…” e as batalhas épicas de encher os olhos presentes em “As Duas Torres”. Apesar de alguns cansativos exageros filosóficos na primeira meia-hora da trama, ele acaba engatando de tal forma que deixa o espectador grudado na cadeira esperando pela próxima sequência. A Batalha nos Campos de Pellenor é de cair o queixo. A edição está melhor, mais ágil e funcional, evitando cenas longas e sonolentas. O grande trunfo, no entanto, é mesmo o aspecto emocional – é impossível, por exemplo, não sentir um nó na garganta ou mesmo deixar cair aquela lágrima solene numa das últimas cenas do filme envolvendo os quatro hobbits e o povo do reino de Gondor.
Por falar nos hobbits, eles são o grande foco da história em ‘O Retorno do Rei’, apesar do crescimento do personagem de Aragorn (Viggo Mortensen), que começa a assumir o seu verdadeiro papel como herdeiro de Isildur. Mesmo com todas as piadinhas sobre sua sexualidade – é impressionante como brasileiro tem problema com estas coisas -, Samwise Gamgee (Sean Astin, em interpretação excelente) é a grande figura do filme. Sua dedicação e amizade ao mestre Frodo Bolseiro (Elijah Wood) e sua inabalável integridade para não se render a corrupção do anel são o motor para que a que a história toda ande e servem como a maior lição de moral que se pode extrair da obra. Pippin (Billy Boyd) e Merry (Dominic Monaghan) também crescem (não literalmente, como no livro) em ‘O Retorno do Rei’ – vale destaque a cena no salão de jantar na qual Pippin canta tristemente para Denethor, o regente de Gondor.
Já que o assunto são atuações, dois veteranos chegam a roubar a cena do elenco principal em certos momentos, apesar de suas aparições pequenas. John Noble, na pele de Denethor, é estranhamente insano até o final, enquanto o relutante Rei Theóden (Bernard Hill) é de uma nobreza britânica que lembra o rei Ricardo Coração de Leão, dono de um olhar forte e que já diz tudo. E, é claro, nem é necessário mencionar a participação de Gollum (Andy Serkis), ora patético e digno de pena, outrora mortal e assustador.
A história de ‘O Retorno do Rei’ mostra que, depois da Batalha no Abismo de Helm, começa a se desenrolar uma verdadeira guerra pela Terra-Média. Já sem o apoio de Saruman (Christopher Lee), Sauron reúne suas tropas e marcha em direção de Minas Tirith, a bela capital de Gondor. Desesperado, Denethor só aguarda a morte certa. Vai caber a Aragorn unir os homens de Gondor e Rohan em um só exército para recuperar a esperança de que as tropas do Senhor das Sombras não vão tomar o mundo de vez. Enquanto isso… a dupla de hobbits Sam e Frodo seguem em direção a Mordor para concluir sua missão: destruir o anel do poder no fogo da Montanha da Destruição. Só que seu guia, Gollum, quer recuperar seu preciosssssssso e acaba levando os dois baixinhos direto ao encontro de uma faminta critura chamada… Laracna (que, apesar de não estar assim tão impressionante quanto se imaginava, ficou realmente apavorante).
:: AH, SIM… A ADAPTAÇÃO
Numa obra com fãs e estudiosos tão exigentes como é ‘O Senhor dos Anéis’, vale dedicar um trecho à parte só para comentar as diferenças entre o livro e o filme. Antes de mais nada, fazendo um balanço geral do trabalho de Jackson na trilogia, sou obrigado a defendê-lo dos ataques mais cruéis. Sim, ele fez cortes e modificações em ‘O Retorno do Rei’.
Mas todos eles são plenamente coerentes com todas as escolhas feitas desde o primeiro filme. Como mostrar, por exemplo, o envolvimento entre Éowyn (Miranda Otto) e Faramir (David Wenham) se ele optou por não dar tanto destaque ao irmão de Boromir em ‘As Duas Torres’? Fica difícil, não?
Ficar reclamando da exclusão da cena do Expurgo do Condado ou mesmo da retirada da cena da morte de Saruman é, no mínimo, infantil. Sauron e, por um lado, Gollum são as duas representações do mal em ‘O Retorno do Rei’. A participação do mago vivido por Lee seria ínfima e prejudicaria o entendimento de quem não leu o livro, já que Jackson optou (com razão) por mudar o final da trama ao retirar o epílogo.
Cortes TÊM que ser feitos, porque senão teríamos um filme de oito horas e que sofreria do pecado da ultra-fidelidade que se abateu, por exemplo, sobre o primeiro Harry Potter dirigido por Chris Columbus.
E é isso que os fãs têm que entender: um livro é um livro e um filme é um filme. Apesar de baseado em O Senhor dos Anéis, o filme de Jackson é uma obra única, que não pode e nem deve depender da publicação impressa. Porque a trilogia cinematográfica deve ser divertida para todos, para a minha mãe e para o porteiro do prédio do Fanboy, e não só para quem já devorou Tolkien de ponta a ponta e já sabe até falar em élfico. Apesar de uns e outros odiarem a trilogia (como nosso simpático colega Paulo Maffia), Jackson conseguiu o seu feito: entrar para a história. Uns amam, outros não suportam… mas ninguém mais consegue passar incólume pelo ‘Senhor dos Anéis’. E caso encerrado.
|