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Criadora da série ‘Os Mundos de Crestomanci’, lançada ainda na década de 70, a britânica Diana Wynne Jones não é das escritoras mais extrovertidas do planeta. Um tanto reclusa, ela não é muito chegada a dar entrevistas. Mesmo assim, nós insistimos bastante e, depois de uma troca constante de e-mails, Diana topou nos atender. E cheia de histórias interessantes – já que, além de falar sobre seus escritos, era inevitável tentar arrancar dela algum detalhe sobre seu professor mais famoso, um sul-africano de nome…J.R.R.Tolkien (sim, ele mesmo, o escritor da série “O Senhor dos Anéis”).
‘Os Mundos de Crestomanci’ pode ser definido como um misto entre o universo de Harry Potter, ‘Discworld’ e ‘O Senhor dos Anéis’. Mas tem uma proposta toda própria: milhares de universos paralelos. A definição de Crestomanci nas palavras da própria autora: “Há milhares de mundos, cada um diferente de todos os outros. O mundo de Crestomanci é bem pertinho do nosso, com a diferença de que magia, lá, é tão comum quanto música aqui. É cheio de gente trabalhando com magia – demônios, bruxas, faquires, alquimistas, xamãs e muitos outros, inclusive os Crestomanci. Crestomanci são diferentes dos outros mágicos. Tão estranhos quanto poderosos. Sua magia é diferente e mais forte e a maioria tem mais de uma vida. O grande problema é que, se ninguém controlar todos esses seres mágicos, as pessoas comuns de outros mundos podem sofrer bastante e até se tornarem escravas. E é o Crestomanci que tem essa missão”.
Já foram lançados por aqui, pela editora Geração Editorial, quatro livros: As Vidas de Christopher Chant, Vida Encantada, Os Magos de Caprona e A Semana dos Mágicos. Ainda faltam ser traduzidos Mixed Magics e os dois volumes de Chronicles of Crestomanci.
A Arca – Você começou a escrever ainda criança, mas só passou aos livros de fantasia depois de adulta. Que tipo de livros você escrevia quando era pequena?
Diana Wynne Jones – Meus pais não gostavam de livros de Fantasia e eu, por isso, eu escrevia, para mim, histórias de aventuras. Pensando nisso hoje, vejo que todas elas essas histórias eram baseadas em personagens que eu já tinha na cabeça há tempos. A última dessas histórias escritas durante a infância (todas elas escritas em espacinhos dos livros escolares) era uma história de detetives, com uma turma de crianças como os personagens principais. Mas, mesmo assim, havia muita aventura.
A Arca – Um bom autor é, normalmente, um bom leitor. Os livros (ou a ausência deles) foram uma influência muito forte na sua decisão de se tornar uma escritora?
Diana – Eu lia tudo o que me caísse às mãos, avidamente. Uma vez que não haviam muitos livros infantis e juvenis disponíveis, eu lia coisas como A Vida do Rei Arthur (num inglês difícil, para gente mais velha), livros com lendas (voltados para adultos, claro) e romances históricos de Joseph Conrad (que eu encarava como histórias de aventura). Isso além de contos vitorianos de moral. Por isso tudo, você pode imaginar a felicidade que eu tive quando descobri a literatura de fantasia! Foi muito grande para explicar aqui! Mary Poppins foi um dos primeiros que li e consegui encontrar um – apenas um – de E. Nesbit (autora britânica do início do século 20 que influenciou fortemente o trabalho de J.K. Rowling, também). Foi aí que eu percebi que meu gênero preferido era a Fantasia. Eu decidi que, quando fosse adulta, escreveria todos os livros que eu mesma teria adorado ler quando criança.
A Arca – Como foi essa decisão de escrever Fantasia? Seus dois professores na universidade, J.R.R. Tolkien e C.S. Lewis, que hoje são conhecidos como grandes autores do gênero, tiveram influência nessa decisão?
Diana – Eu não me decidi, realmente, por escrever Fantasia. Foi mais algo que fugiu completamente do meu controle. Tudo o que eu escrevia acabava se tornando uma história de Fantasia. Lewis e Tolkien certamente tiveram uma influência. Eles eram depreciados por outros acadêmicos que ensinavam que era perda de tempo escrever Ficção Científica e Fantasia quando poderíamos estar escrevendo livros universitários. Mas a influência desses dois permanece nebulosa na minha cabeça. Mas, não obstante, foram uma influência profunda. Outras pessoas que estavam em Oxford à época também começaram a escrever livros de Fantasia logo que saíram da universidade, como Penelope Lively. Nunca discutimos uns com os outros sobre o assunto, mas é claro que isso deve ter muito a ver com nossos mestres da universidade.
A Arca – Como foi ser aluna de Tolkien? Que tipo de professor era ele?
Diana – Tolkien era um péssimo professor! Seu coração não estava naquilo. Quando assistia às suas aulas, ficava claro que ele estava envolvido com a conclusão de O Senhor dos Anéis, porque parecia não poder esperar para voltar ao seu trabalho de verdade. Ele tentou até nos fazer parar de assistir às suas aulas, falando de costas para nós. Numa boa parte do tempo de aula ele ficava murmurando para si mesmo que tipo de plot poderia ou não funcionar e eu logo descobri isso e vi o quanto era fascinante. Assim, me sentava bem perto dele, não para asssitir às aulas, mas para ouvi-lo trabalhar em O Senhor dos Anéis.
A Arca – De onde vêm as idéias para seus livros? As referências chegam de outros livros ou também de fontes diferentes, como tevê, cinema etc?
Diana – Eu não sei, realmente, de onde vêm minhas idéias. Se a fonte é um outro livro, ou a tevê, é porque eu leio e assisto à tevê pensando: “Isto não ficou legal. Isto está confuso. Eu poderia fazer melhor”. Mas isso não acontece frequentemente. Normalmente, o livro deriva de um personagem que já tenho na minha cabeça, que precisa de um certo tipo de história para atuar. Às vezes a idéia vem de um quadro ou foto de paisagem e até de uma peça musical. Os Magos de Caprona nasceu de uma música, uma canção sem palavras mas que precisava delas urgentemente.
A Arca – É verdade que quando o seu primeiro livro foi publicado você já tinha vários escritos?
Diana – Eu havia escrito, seis, oito livros antes do primeiro ser publicado. Apenas um deles, ‘Everard´s Ride’, foi publicado, muito mais tarde.
A Arca – A série Crestomanci, iniciada em 1977, está sendo muito bem sucedida em sua republicação no Brasil, pela Geração Editorial. Como você criou esse universo único e como nasceu o conceito dos mundos paralelos?
Diana – Eu inventei os mundos paralelos quando era criança, muito antes do Crestomanci. Eu costumava brincar com minhas irmãs que o lugar onde vivíamos tinha um outro universo bem perto, além da parede do nosso quarto. Você chegaria nele passando no momento em que a luz do sol se refletisse na parede. A idéia completa dos mundos de Crestomanci veio à tona de uma vez, num dia em que meus filhos estavam terrivelmente agitados. Eu precisava passar tudo para o papel naquele momento, então eu fui atrás das crianças, desesperada, perguntando o que eles haviam feito com todas as canetas e papéis da casa. Só o que eles conseguiram encontrar foi uma caneta marca-texto e três folhas de papel nas quais o cachorro já havia feito a festa. Então, eu comecei a escrever a série Crestomanci ali.
A Arca – Porque a decisão de fazer, em cada livro da série Crestomanci uma história isolada?
Diana – Duas razões: uma é que eu, pessoalmente, odeio quando compro um livro e descubro que tenho que comprar outro pra saber o que acontece com as pessoas do que tenho em mãos. Acho que cada livro deve ser uma história completa. A segunda razão é que, quando escrevi Vida Encantada, não sabia que a história teria continuações. As coisas simplesmente foram acontecendo.
A Arca- Uma pergunta que vários devem lhe fazer: como você vê o sucesso de outros autores britânicos, posteriores como J.K. Rowling e Terry Pratchett, que usam quase as mesmas idéias e gênero?
Diana – Bem, é muito bom ver que as pessoas estão curtindo tanto Fantasia, nesse nível. Eu acredito que é isso mesmo que as pessoas precisam. Eu escrevi sobre idéias que outras pessoas pegam emprestado, de vez em quando. Quando eu escrevi “Fire and Hemlock”, um monte de escritores americanos, prontamente, escreveram outras versões da história de Tam Lin. E o escritor Neil Gaiman tomou emprestadas de um dos meus livros idéias para seu “American Gods”. Em outras palavras, estou acostumada a isso.
A Arca – Você ainda prefere escrever na sua sala de estar, na cadeira mais confortável?
Diana – Ah, sim! Não gosto de ficar pensando onde estou ou o que estou fazendo. Quero me concentrar, apenas e totalmente, na história. E o lugar mais confortável da casa é sempre o melhor para isso.
A Arca – Como você vê a atual mania por Fantasia, que estende seus tentáculos pela literatura e cinema que parece longe de terminar, já que além de Harry Potter e O Senhor dos Anéis outros livros do gênero ganharão em breve a telona e estimularão ainda mais a leitura dos livros?
Diana – Eu acho muito boa, muito positiva. Fantasia ecoa no modo como a pessoa pensa.
A Arca -Como estão as negociações para adaptação de suas obras para o cinema?
Diana – Ouvi uma história sobre a Disney, mas não tenho a menor idéia de como isso surgiu, apesar da coisa ter tomado corpo. Comigo ninguém falou nada. O que sei é que haverá, no ano que vem, uma versão animada do meu livro “Howl´s Moving Castle” pelo grande animador japonês Miyazaki, de A Viagem de Chihiro.
A Arca – Na sua opinião, qual é a importância e a influência da leitura na vida das pessoas, especialmente Fantasia?
Diana – Há toda a sorte de bons efeitos: relaxamento, excitação e prazer são uma boa parte, mas a Fantasia tem também o poder de mostrar às pessoas seus problemas e medos de uma forma que eles possam pensar claramente sobre eles. E, como eu disse antes, ler Fantasia muda a forma como a cabeça raciocina.
A Arca – Quais são seus planos para o futuro? Outros livros da série Crestomanci podem aparecer?
Diana – Bem, acabo de terminar um novo livro da série Crestomanci, que será chamado “Conrad´s Fate”. Mas eu nunca faço planos. Por ser uma autora que depende muito da própria inspiração, nunca sei que tipo de idéia irá aparecer a seguir.
A Arca – Seus livros têm muito humor e um texto muito inteligente. Como você desenvolveu essa característica?
Diana – Todos os livros deveriam ter um humor próprio, desde a primeira página. Quanto à inteligência dos textos, tem a ver com minha infância. Eu tinha a nítida impressão de que todos os livros que lia naquela época eram feitos para débeis mentais. E tinha certeza, como tenho hoje, de que as crianças merecem muito mais do que isso. Merecem respeito. Meu marido costumava dormir quando lia histórias infantis para nossos filhos e eu sempre pensava: “Todo livro infantil deve ter elementos que interessem também aos adultos”.
A Arca – Jovens e crianças têm, hoje, interesses diversos: Internet, televisão, videogames. Como continuar cativando leitores que são, hoje, tão diferentes daqueles que a liam quando seu primeiro livro foi lançado?
Diana – Sempre houve outras coisas para as crianças fazerem, mas somente um livro pode dominar completamente a cabeça delas. Crianças que descobrem os prazeres da leitura sempre serão leitoras. E sempre haverá, também, como já havia há 50 anos, há 30 anos, crianças que não lêem.
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