Quem viveu nos anos de 1982 e de 1983 se lembrará, muito provavelmente, das peripécias de um agente secreto incomum e de seu atrapalhado ajudante. Trata-se das aventuras de Danger Mouse, produção inglesa que foi exibida pela Tevê Record naquela época, por volta das seis ou sete da tarde, e que mostrou o valente herói a enfrentar o asqueroso literalmente arquiinimigo.
Relembre ou conheça o maior agente secreto do mundo através deste especial d´A ARCA e, portanto, prepare-se para enfrentar o rato detetive que deixou o famoso James Bond no chinelo, ou melhor, na ratoeira.
:: UM AGENTE SECRETO BEM DIFERENTE
O rato detetive ‘Danger Mouse’ (não se sabe o nome real do sujeito) mora confortavelmente num red pillar box aquelas caixas de correio inglesas cujo formato se parece com um poste vermelho (aparecem sempre em episódios de Mr. Bean), localizada estrategicamente numa esquina em Mayfair, Londres. O espaço da residência é dividido com o fiel companheiro e escudeiro Penaforte (Wilbraham Keith Benedict), um hamster atrapalhado, adorável e que sempre se mete em enrascadas.
Nem tudo são flores, pois ‘Danger Mouse’ trabalha para uma organização secreta e tem como chefe o Coronel K, um leão-marinho mandão e exigente, cuja imagem projetada no videofone da casa denuncia a próxima missão que está por vir. O arquiinimigo do herói britânico é o Barão Silas Costa Verde, um sapo poderoso, astuto, inteligente e cheio de idéias más para dominar o mundo, e cujo capanga é um corvo italiano mal-humorado: Estilete. ‘Costa Verde’, além de dispor de idéias mirabolantes, produz diversos aparatos e máquinas malucas, especialmente criadas para o deleite de sua mascote, o bichinho Nero.
Bem, não somente o ‘Barão’ tem máquinas formidáveis: ‘Danger Mouse’ em pessoa possui um carro super equipado Speed Racer que se cuide! O veículo Mark III voa, submerge, suga como um aspirador, escala paredes e montanhas, salta e tem até um videofone embutido. O carro, necessário dizer, é uma das coisas mais legais do desenho.
Juntos, herói e auxiliar procuram, a todo custo, deter o maléfico sapo inescrupuloso.
:: A SÉRIE
‘Danger Mouse’ foi criado por Brian Cosgrove e por Mark Hall, diretores e produtores cuja parceria gerou uma porção de produções inglesas nos anos setenta, oitenta e noventa, e dispôs dos comediantes e roteiristas Mike Harding e Brian Trueman, que escreviam os episódios. O programa, uma clara alusão à série britânica Dangerman (estrelada por Patrick McGoohan nos anos sessenta) e ao agente secreto mais famoso do Cinema, James Bond, teve 89 episódios e foi produzida de 1981 a 1992; marco histórico para uma série de animação.
Os produtores inovaram o tema ao misturar cenas reais ao acetato comum do desenho. Fotografias de diversas locações e de construções de Londres e do mundo foram usadas para ilustrar os cenários pelos quais passavam o agente secreto e seu ajudante, dando a cara de colagem ao que aparece na tela da tevê. Imagino a diversão disso para pessoas que conhecessem os locais em questão, uma vez que imaginariam ter visto determinado prédio, ponte ou casa conhecidos em meio às aventuras. É claro que, para os padrões atuais, a animação é deveras simples; mas esse fator, de forma alguma, denigre a qualidade dos enredos e das piadas.
Curiosamente, ‘Danger Mouse’ demorou a ser exibido nos Estados Unidos; estreou na tevê yankee somente em junho de 1984, três anos após o lançamento feito na pátria original. Infelizmente, o sucesso no mercado norte-americano não foi o mesmo; lá o desenho teve apenas uma aceitação mediana. Acreditem, caros leitores d´A ARCA: é um dos cartoons britânicos mais exportadas da história da tevê daquele país.
:: TUDO BEM, MAS É PARA CRIANÇA OU NÃO?
Essa é realmente uma produção especial, repleta de situações inusitadas e com muito divertimento, além de inúmeras referências ao cinema, à tevê e à literatura, que somente acabam compreendidas por espectadores mais velhos. As citações são diversas: Alien – O Oitavo Passageiro, Dr. Who, Caçadores da Arca Perdida, 007 e demais. Outra peculiaridade marcante é o surrealismo que permeia os episódios, muitos dos quais totalmente nonsense. Há um capítulo, por exemplo, no qual ‘Costa Verde’ passa a controlar todas as máquinas de lavar de Londres, usando-as para seus fins nefastos. Hilário e esquisito! As esquisitices dos enredos, aliás, fazem com que o programa se pareça com viagens ao inconsciente de um louco.
Há alguns títulos pitorescos dados a alguns episódios: Close Encounters of The Absurd Kind (Contatos Imediatos do Absurdo Grau – sátira ao filme de Spielberg), The Good, The Bad and The Motionless (O Bom, O Mau e O Imóvel – sátira ao título do filme de Sergio Leone); as gozações são infindáveis, verdade. Gosto de pensar acerca de ‘Danger Mouse’ como se esse fosse uma mistura de Monty Python, Além Da Imaginação, James Bond e os cartoons da Warner. A comparação menos direta, entretanto, tem a ver com produções como Os Simpsons e Futurama; desenhos criados, em tese, para crianças, mas que têm um pé na cabeça dos adultos. E isso fazia parte de ‘Danger Mouse’ bem antes de Homer e de Bart aparecerem na telinha.
:: AS VOZES BRASILEIRAS
A dublagem ficou a cargo da Herbert Richers, no Rio de Janeiro, e foi dirigida por Mário Monjardim (a voz do Salsicha), um dos ícones da profissão. Além de dirigir, ‘Mário’ dublou o ‘Coronel K’, assim como personagens ocasionais. ‘Danger Mouse’ foi dublado por uma lenda, o falecido Nelson Batista, que também emprestou a voz para Jerry Lewis na redublagem dos filmes do comediante feita nos anos oitenta e recentemente para o ator Ed O´Neal, o Al Bundy da série Um Amor De Família. ‘Penaforte’ teve a voz do também lendário Orlando Drummond (o Seu Peru da Escolinha do Professor Raimundo, além das vozes do Alf e do Scooby Doo). O capanga de ‘Costa Verde’, ‘Estilete’, teve a voz de Ionei Silva (o Mestre Dos Magos de A Caverna Do Dragão). Infelizmente, até o fechamento deste artigo não fomos capazes de descobrir o dublador do ‘Barão Costa Verde’, mas prosseguimos com a busca.
O que dizer da dublagem? Espetacular. A interpretação do herói, por exemplo, ficou melhor que a original, com timing e humor impressionantes. A dublagem brasileira, especialmente a realizada nos anos setenta e oitenta, quase sempre foi um trabalho artístico de primeira. Nota dez!
:: QUER ASSISTIR AOS EPISÓDIOS?
‘Danger Mouse’ foi bastante exibido nos anos oitenta. Inicialmente transmitido pela Record no início da década, foi reprisado posteriormente pela extinta Manchete, lá pelos idos de 1985 e 1986. Nos anos noventa, três fitas de vídeo seladas do desenho com dublagem original foram lançadas sob o selo Video Network, do Rio de Janeiro, as quais somente podem ser encontradas, hoje em dia, em sebos.
Infelizmente, desde aquela época não se vê mais as aventuras do agente secreto na televisão. Esse desenho deixou saudade; saudade de uma época em que a tevê gozava de programas originais e criativos, e em que bundas na telinha eram a exceção, não a regra.
|