É verdade e todos estão cansados de saber: existe uma rivalidade, às vezes clara, às vezes dissimulada, que se apodera tanto dos fãs de Star Wars quanto dos fãs de Star Trek. Certas pessoas tendem a gostar de Luke Skywalker; outras, a admirar o Capitão Kirk. Mas, será mesmo que os universos de ambas as produções são tão distintos assim? Haverá muitas diferenças entre o Império de Darth Vader e a Federação Unida de Planetas?
Viaje conosco através deste artigo d´A ARCA e descubra quais são as diferenças essenciais entre as duas franquias espaciais mais queridas do universo cinematográfico.
:: Guerra Nas Estrelas: O Mito do Herói e Fantasia
A produção de George Lucas, Guerra nas Estrelas, foi concebida para ser contada na forma de épico, de lenda, como um flash do passado que se esvai conforme a passagem das eras. A clássica narração de abertura – há muito tempo, numa galáxia muito distante – dá o tom das aventuras de ‘Luke Sywalker’ e de sua trupe de heróis intergalácticos, os quais, mitos que são, ligam uma chave no inconsciente humano; arquétipo do qual, segundo Jung, toda pessoa seja de qualquer cultura e época dispõe e compartilha com os demais.
‘Star Wars’ trata do passado. É algo que já aconteceu, portanto, não tem um caráter revelador, não preconiza o futuro, e justamente por isso carrega o caráter de mito. Os mitos, segundo o escritor Joseph Campbell, são vitais para que as civilizações aprendam com as sombras do passado e, por conseguinte, preparem um futuro melhor ao desenvolver seu ethos. ‘Campbell’, aliás, foi estudado por ‘Lucas’, que leu exaustivamente a obra O Herói De Mil Faces antes de criar seu universo fantástico.
Em ‘Guerra nas Estrelas’ existe um Império Galáctico; poderoso, militarizado, mecanizado e tecnológico. Há, também, mundos diversos que fervilham de seres magníficos e díspares. E existe a Força: o conhecimento ancestral acerca das forças da natureza – sobre a voz única que nos une e que é responsável pelo movimento das águas dos oceanos, pelo calor do Sol, pela criação da vida; por tudo. O contraponto criado entre a tecnologia e esse conhecimento interior a Força é, talvez, o maior responsável pelo caráter mítico de Star Wars.
A figura do Jedi, ser que, em meio ao belicismo e a toda a tecnologia daquele tempo, vale-se ainda dessa Força – e do conhecimento ancestral – para colocar ordem no Universo é o retrato da busca interior inerente à maioria das culturas orientais da Terra. E o Cavaleiro Jedi é o espelho do Mito do Herói de ‘Jung’: o suposto homem comum que se descobre especial e que, auxiliado por um sábio, soma algo a si isto é, adquire algo reúne comandados, enfrenta dificuldades e regressa vitorioso, cheio de glórias.
O trajeto de ‘Luke Skywalker’ ilustra esse mito, pois se percebe naquele herói as fases descritas por ‘Campbell’ em seu trabalho: Partida, Iniciação, Retorno e Fim da Jornada (as duas últimas etapas somente acontecem na parte final da trilogia). Ele é filho de Anakin Skywalker, um dos Jedis mais poderosos de que se tem notícia, e da Princesa Amidala. Aqui cabe uma alegoria para com as divindades da Antiguidade Clássica: como um herói grego, ‘Luke’ nasceu do relacionamento de um Deus ou Semi-Deus (Anakin / Darth Vader) com uma mortal (Amidala) e, como tal ser escolhido, adquiriu poder, enfrentou monstros e regressou à sua terra. Como se vê, ‘Guerra nas Estrelas’ dispõe de uma iconografia totalmente voltada ao mito, à lenda, na qual o enredo foi embasado. Antigos ciclos se completam e novos principiam: do caos surge a ordem, do Mal surge o Bem (‘Anakin’ nasceu do Bem, ao passo que ‘Luke’, do Mal, mas esse virou-se para o Bem, e assim por diante). O maniqueísmo, é verdade, permeia a saga de ‘Lucas’.
Há outro fator interessante: apesar de todo o militarismo e de toda a tecnologia, inexiste a preocupação em explicar esse paradigma; o espectador nem se dá conta de como a Estrela da Morte funciona, de qual combustível o caça Asa-X utiliza, de como um sabre-de-luz acende ou de como as naves dão o salto ao hiper-espaço. Esse rigor científico não é a temática da saga, mas mero detalhe sobre o qual o mito de Lucas é desenhado e construído. De fato, essa peculiaridade leva muitos a apontarem ‘Star Wars’ como uma série de Fantasia, não de Ficção Científica.
:: Jornada nas Estrelas: o brilhantismo da Mente Humana e Tecnologia
O universo de ‘Jornada nas Estrelas’, apesar de igualmente dispor de um caráter mítico ainda que diminuto, é essencialmente voltado ao brilhantismo da mente humana, a vencer os próprios obstáculos. A série trata de como o Homem sobreviveu à dita adolescência tecnológica por meio da qual esteve à beira do holocausto nuclear através de seu intelecto; de seu poder de raciocínio que transcende a si próprio desde o aparecimento do Homo Sapiens. À exceção das tradições vulcanas de Spock, não há praticamente nada parecido com a Força de ‘Lucas’, e isso é fato.
O Homem venceu a fome, o preconceito e as guerras, e lançou-se numa nova etapa de sua evolução: a conquista do espaço. ‘Star Trek’, diferentemente de ‘Star Wars’, é uma Utopia que tenta preconizar o futuro; mostrar, positivamente, como serão as coisas a partir do Século XXIII. Gene Roddenberry não se preocupou em transformar o paradigma da série num formato de lenda ou de mito, mas procurou mostrar um possível futuro no qual a tecnologia e o belicismo servem à paz, e no qual diversas raças interplanetárias procuram conviver em harmonia, apesar das diferenças sócio-culturais e raciais. Do caos vem a ordem, assim como no mundo de ‘Luke’, mas como vislumbre do que está por vir e não como sombra do passado.
Contrariamente a ‘Star Wars’, a ciência manda em ‘Jornada nas Estrelas’. Todas as facetas da tecnologia procuram ser explicadas, pois há o rigor científico que quase inexiste, por exemplo, no Império Galáctico. A Enterprise necessita dos Cristais de Dilítio para funcionar e somente poderá acelerar até Dobra 8, os teletransportes têm um raio de ação fixo e movem as partículas orgânicas ou não – do ponto A ao ponto B num dado intervalo de tempo. A tecnologia em ‘Jornada nas Estrelas’ procura ser moldada por uma possível realidade da física e da matemática. Essa é outra das diferenças essenciais entre os dois universos.
Apesar dos pesares, há elementos míticos em ‘Jornada’. O Capitão Kirk, por exemplo, é o típico herói grego, um Argonauta, embora essa característica não seja tão clara quanto é com Skywalker. O capitão da ‘Enterprise’, assim como Ulisses, Rei Arthur e Luke, é o escolhido; por causa de sua ousadia inata, de sua curiosidade humana e de sua inteligência expecional, ele é levado, numa posição ímpar, a representar a Humanidade num universo cheio de mistérios a desvendar. O Mito do Herói, em Kirk, também existe, embora não tão obviamente.
:: GUERRA OU JORNADA? KIRK OU LUKE?
Ambos. Ambas as produções, ao contrário do que se pensa, chegam ao mesmo ponto; têm a mesma mensagem, apesar de todas as diferenças aqui ressaltadas. Elas crêem no indivíduo e na força de expansão de nossos próprios limites. Se chegamos a essa etapa da evolução, é devido à nossa fome por descobrir o desconhecido, por vencer nossos obstáculos, por transcender nossa visão do dia a dia, por mostrar como somos dignos de nossa existência nesse mundo e pela ânsia de ser herói. Porque é isso que somos, heróis de nossa própria história, cada qual em sua busca pessoal.
Assista, caro leitor d´A ARCA, a essas duas grandes histórias e absorva o melhor que existe em cada uma. Mas, lembre-se, que a maior jornada de todas está dentro da gente, no universo que habita em nós.
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