Quem estiver com 30 ou 35 anos, possuirá lembranças de como foi a infância da eletrônica digital no início dos anos oitenta: os primeiros computadores, vídeo games e máquinas de fliperama. Tudo, absolutamente tudo tinha aquele frescor característico, o gostinho da originalidade somente experimentado por quem teve a sorte de viver criança ou adolescente naquele período da história.
Tron, o primeiro filme a usar computação gráfica de forma intensa, foi lançado pela Disney justamente naquela época, em 1982, quando a criançada lotava os fliperamas para jogar Zaxxon, Centipede, Defender e Donkey Kong.
O enredo traz Kevin Flynn (Jeff Bridges em início de carreira), astuto programador de computadores e criador de diversos jogos eletrônicos, tais como o Space Paranoid. Infelizmente, o tapete de Flynn foi puxado por um programador mais velho e influente, Ed Dillinger (David Warner); executivo que sabotou o trabalho do primeiro, apossou-se dos jogos, apagou possíveis pistas de acusação e mexeu os pauzinhos para que o jovem fosse demitido da mega-corporação ENCOM.
:: MCP: O BIG BROTHER COMPUTACIONAL?
Dillinger, então, tornou-se famoso na empresa e muito poderoso também. A ENCOM, aliás, detinha um supersistema de computação controlado pelo software MCP, o Master Control Program, uma espécie de ditador digital repleto de dados sobre as mais variadas informações, bem como um gerenciador de cada software inserido no sistema. Em certa noite, porém, o programador descobre que está sendo manipulado pelo MCP desejoso de mais poder e que esse também pretende conquistar o mundo real, mas por meio da influência eletrônica e das redes de computadores.
Flynn, que após a demissão abriu um Arcade (fliperama), não admitiu o infortúnio que lhe aconteceu. O desejo por vingança era incontrolável e somente pensava sobre possíveis maneiras de invadir o sistema da ENCOM, pois pretendia desmascarar aquele mau-caráter e provar a própria inocência. Ao receber a visita dos amigos – ex-companheiros de empresa – Alan Bradley (Bruce Boxleitner) e Lora (Cindy Morgan), contou-lhes a respeito de seu novo plano de ação e foi encorajado por eles a prosseguir, uma vez que ambos estavam descontentes com a nova política de vigilância extrema de Dillinger e do MCP.
:: UM MUNDO DIGITAL EM 1982
Auxiliado por eles, Flynn entra no complexo da ENCOM e tem acesso a um dos terminais do computador. Após alguns minutos de trabalho, o programador acaba distraído pela misteriosa voz do MCP e, quando menos espera, é digitalizado (por meio de um projeto experimental) e sugado para dentro do supercomputador da empresa. A cena em questão é formidável!
A partir desse ponto, tudo muda no filme. Flynn cai num novo mundo, que é esplêndido e fala por si, tanto que não há quaisquer explicações sobre o porque das coisas se apresentarem daquela forma. Luzes, cores, raios, movimento e ação por toda parte. Flynn descobre-se num lugar que, embora velho conhecido do programador, mostra-se algo novo e ímpar. Humanos virtuais caminham por microchips, interagem com impulsos elétricos, vestem-se de luzes e dirigem veículos tridimensionais.
Preso e detido, ele conhece dois sujeitos, ou melhor, programas: RAM (Dan Shor) e Tron (Bruce Boxleitner). O último foi programado pelo amigo de Flynn, Alan, que teve seu programa detido por Dillinger. Sark (David Warner), o assecla maior do tirano, também passa a conhecer o intruso e a tentar liquidá-lo.
Apesar da beleza exótica do local, nem tudo são flores: o MCP controla o ambiente com bits, ops, com mãos de ferro. Os desafetos do ditador são postos em violentos vídeo games no Game Grid. E não poderia ser diferente com Flynn. O humano é colocado para digladiar contra outros detentos. A antológica cena da corrida de motos, as Light Cycles, de tão formidável entrou para os anais do cinema.
Juntos, os três acabam por escapar e principiam a jornada para enfrentar o MCP.
:: O PIONEIRO DA COMPUTAÇÃO GRÁFICA
Tron apresentou o primeiro mundo digital já retratado. Antes, tal mundo só poderia ser imaginado como uma das obras de Júlio Verne. O filme, portanto, criou um paradigma para esse tipo de produção, copiado exaustivamente até os dias atuais (basta assistir a produções como Automan, Passageiro do Futuro e que tais). Atualmente, apesar de aparentar um óbvio visual levemente antiquado e recheado com sonoplastia a la Pac-Man, o plano virtual lá retratado impressiona o espectador mais chato e exigente. Na época, tal feito da Disney foi realizado por computadores do tipo Cray 1/S de empresas como a Triple I: máquinas que ocupariam a sala de uma residência, imaginem. E isso não é tudo! Em muitas das cenas, atores reais contracenaram no mundo digital com objetos igualmente digitais, num processo em que se misturou as duas fontes de imagem de forma convincente. É espetacular! Algo curioso: se contarmos o tempo “real” das animações em computação gráfica apenas, teremos aproximadamente 15 minutos de filme e só. O restante dos efeitos, como a inserção dos atores no mundo de Tron, foram criados por meio de pintura Matte e de processos analógicos.
Syd Mead, conhecido designer de produções como Aliens, Blade Runner e Yamato 2520, foi o responsável por criar boa parte do visual do filme, assim como alguns dos veículos: os tanques, as Light Cycles, o CPU e o cruzador de Sark, por exemplo.
Talvez fosse mesmo mais fácil atingir o imaginário do espectador em 1982, pelo menos no que tange à informática. No início dos anos oitenta, os computadores e tudo o que os envolvia eram misteriosos às pessoas, uma vez que a máquina, diferentemente do que houve de uns tempos para cá, não fazia parte do dia a dia de todos nós. Atualmente, talvez, a molecada não se impressione tanto com o enredo da película como nós nos impressionamos à primeira vista. Os jovens sabem bem o que um computador é ou não capaz de fazer. Para a molecada de hoje, viciada em jogos 3D e em Internet, as ações de Flynn e de Tron podem parecer ingênuas demais, e o mundo digital, mal renderizado.
A trilha sonora, composta por Wendy Carlos (de O Iluninado e Laranja Mecânica), foi fator determinante para tornar ainda mais real a concepção do lugar governado por MCP. Temas interpretados com sintetizadores e orquestra deram vida aos temidos veículos que perseguem Flynn os Tanques e os Reconhecedores – e sua trupe pelos quatro cantos do computador. Durante muito tempo a trilha esteve indisponível em CD, uma vez que asfitas master originais degradaram-se sobremaneira devido à passagem do tempo. Por ocasião do vigésimo aniversário do filme, elas foram recuperadas e o CD pôde ser lançado.
:: O PRECURSOR DE MATRIX?
Tron, por outro lado, não é algo cerebral como Matrix. Não há quase questionamentos existenciais, porque o forte da produção está na imagem e na ação. O pouco que há, mistério proposital ou mero detalhe casual, é o curioso fato dos atores representarem a si mesmos – seus personagens – tanto na vida real quanto na digital (Alan Bradley e Tron têm o mesmo rosto. Dillinger e Sark, idem). Esse detalhe nos remete a uma ligação para com o clássico Mágico de Oz. Foi proposital?
Outra peculiaridade: existe a crença por meio da qual os programas acreditam em algo maior, no Usuário, como se esse fosse uma divindade e pudesse libertar a todos. A destituição do MCP soa quase como uma profecia dentre os escravizados por ele. Uma pena que esses detalhes tenham sido muito mal explorados e, portanto, meramente citados. As demais deficiências da película, complementemos a informação, têm a ver com um roteiro deveras confuso, com personagens fracamente desenvolvidas e com diálogos vazios demais.
Eu recomendo a vocês, leitores, o filme Tron. Recomendo-o pela audácia de seus criadores, pelo caráter de novidade que teve à época e para que sintam o que os computadores eram capazes de executar na dita infância do setor, há 20 anos. Tron, apesar de certos desagrados, é um clássico dos anos oitenta e também diversão garantida! Mas atenção: assista ao filme em DVD!
:: CURIOSIDADES DE TRON
Bruce Boxleitner, intérprete de Allan Bradley e de Tron, atuou como Capitão John J. Sheridan na série de tevê Babylon 5, sucesso da década de noventa.
Steven Lisberger, escritor e diretor de Tron, dirigiu menos de dez filmes em sua carreira.
Os tipos de efeitos criados para o filme, no computador Cray, foram batizados de SynthaVision.
Todas as filmagens reais, as que retrataram os humanos no suposto interior do computador, foram captadas em branco e preto, e posteriormente colorizadas por um processo conhecido como Rotoscopia.
Durante a realização de Tron, jogos de fliperama baseados em alguns sketches de pré-produção foram lançados pela Bally. Isso deixou alguns deles ligeiramente diferentes da versão final do filme.
Na época foram lançados, também, jogos baseados no filme para alguns vídeo games, como o Atari e o Intellivision. Tron: Deadly Discs, Tron: Maze-A-Tron, Tron: Solar Sailer e Adventures of Tron foram alguns dos títulos disponíveis na ocasião.
Além dos jogos, diversos brinquedos baseados no filme foram lançados através dos anos.
O computador Cray era capaz de processar 1 frame a cada 11 minutos. São necessários 24 frames para compor 1 segundo de animação. Cada seqüência do filme chegava a tomar meses de processamento de uma máquina.
Peter O´Toole desistiu do papéis de Dillinger e Sark ao descobrir que atuaria em frente a um fundo preto.
Tron custou 17 milhões de dólares e faturou apenas 33 milhões. E.T., por exemplo, faturou 701 milhões e custou apenas dez. Pode-se dizer, portanto, que o filme foi um fracasso de bilheteria.
Na baia de trabalho de Kevin Flynn há um adesivo no qual está escrito: Gort – Klaatu Barada Nikto. Esse texto é uma clara alusão ao filme O Dia Em Que A Terra Parou, clássico da ficção científica.
Steven Lisberger revelou que o nome da película foi retirado da palavra Electronic.
Apesar do fracasso inicial nas bilheterias, os jogos de fliperama e de vídeo games baseados no filme fizeram o tremendo sucesso, e faturaram mais do que o próprio.
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:: Sabia que há uma continuação de Tron, Tron 2.0, no formato de jogo para PC?
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