A idéia de se misturar gêneros cinematográficos entre si não é nova, admito, mas se alguém lhe dissesse que mesclar uma série policial com um filme de ficção científica pudesse gerar um dos seriados mais bacanas de todos os tempos, você acreditaria?
Pois acredite! Essa união nada mais é do que a premissa da série Missão Alien (Alien Nation), criada com base no longa-metragem homônimo de 1988 – no finalzinho dos anos oitenta pelo produtor Kenneth Johnson, que também pôs as mãos em séries como V: A Batalha Final e O Incrível Hulk.
O seriado traz um enredo muito curioso e interessante: em 1991 uma nave alienígena com 250 mil seres a bordo desgarrou-se da frota, perdeu-se e pousou na Terra, mais precisamente no Deserto Mojave, Califórnia, no bom e velho Estados Unidos (poxa, as coisas sempre vão parar lá, não vão?).
A nave continha, na verdade, uma carga preciosa: humanóides geneticamente alterados para adaptação a qualquer ambiente, especialmente os hostis. Os seres, raptados do planeta natal, Tencton, foram escravizados por uma raça poderosa e transportados pelo universo como animais enjaulados. Durante a longa jornada pelo espaço (muitos nasceram e cresceram durante a viagem), parentes foram sumariamente separados e, por conseguinte, nunca mais se viram.
Ao chegarem à Terra, os Tenctoneses foram colocados sob quarentena e observados durante certo tempo. Após a liberação, cada membro da nave foi devidamente registrado, catalogado e instantaneamente integrado à população de Los Angeles. Obviamente, era impossível mandá-los de volta, uma vez que a nave estava danificada e não havia como uma nova ser construída. Claro que as coisas não foram assim tão simples, pois as diferenças sócio-culturais e religiosas entre as espécies (eles e nós) são grandes, além do fato de possuírem força e inteligência sobre-humanas. A Humanidade, quem diria, estava face a face com a resposta para a eterna questão de estarmos sós no universo. Só restava a ambas as raças, então, o convívio…
Quanto à aparência, os fatores que mais se destacam num ser de Tencton são a ausência de pelos no corpo e a presença de manchas na cabeça ao invés de cabelo. Além desses detalhes, eles são mais corpulentos do que nós e detém dois corações. Algo que não pode passar despercebido: em nosso planeta os seres foram libertados da escravidão, ou seja, ganharam a tão sonhada liberdade; e isso da noite para o dia. Imaginem o impacto dessa liberdade repentina após centenas de anos de prisão – nas cabeças deles?
Como era de se esperar, nem todos os humanos aceitaram bem a idéia de perambular pelas ruas ao lado de alienígenas ou de ter filhos em salas de aula freqüentadas por Tenctoneses, os quais, aliás, foram batizados pejorativamente de slags (escória). Isso fez surgir o aparecimento de grupos organizados contra os invasores, os Puristas.
Por outro lado, nem todos os visitantes (Newcomers em Inglês) aceitaram conviver com seres inferiores, os terráqueos, ainda que estivessem livres. Isso fez com que muitos deles passassem a morar em bairros segregados em comunidades como Slagtown.
:: ANTIGA FÓRMULA REINVENTADA E SALPICADA COM FICÇÃO CIENTÍFICA
Na série Missão Alien, a qual se passa após cinco anos da chegada da nave, tem como foco dois parceiros policiais, o humano Matthew Sikes (interpretado por Gary Graham) e o tenctonês George Francisco (interpretado por Eric Pierpoint). Eles formaram uma dupla porque o parceiro original de Matthew, Tuggle, foi morto por um visitante durante o assassinato de um comerciante. George, como o primeiro detetive de polícia de sua espécie, ficou surpreso ao ver Matthew oferecer-se para dividir as investigações com ele. O humano, naquela ocasião, detestava os alienígenas por causa da morte do amigo. Vê-se que a antiga fórmula dos seriados policiais dos anos setenta e oitenta, através da qual o parceiro branco e o parceiro negro andam lado a lado, foi recriada de forma a aumentar as diferenças e a apimentar ainda mais o enredo. Os episódios mostram o dia a dia dos dois, ora na caçada a traficantes de drogas, ora no combate à prostituição sim, há prostitutas visitantes – ou mesmo nas relações familiares de ambos.
:: O MELHOR DE DOIS MUNDOS
Os tarados por ficção científica adorarão a série, pois a diversidade de informações sobre os visitantes é fascinante, uma oportunidade bacana para os adoradores da exobiologia. Num dos episódios, por exemplo, o planeta Tencton chega a ser apresentado ao espectador, ainda que rapidamente.
E para os aficionados pela velha fórmula do seriado policial, Missão Alien é um prato cheio. Não ficam de fora as perseguições automobilísticas, as prensas nos maus elementos, os interrogatórios, os informantes das ruas, as tocaias e o bate papo dentro da viatura, bem como inúmeros clichês a la Starsky & Hutch, Columbo, Carro Comando, São Francisco Urgente e que tais.
George é casado com Susan (interpretada por Michele Scarabelli) e tem dois filhos: o irrequieto Buck (interpretado por Sean Six) e a bonitinha Emily (interpretada por Lauren Woodland). Ele esforça-se ao máximo para aceitar os costumes da Terra (e até mesmo passa a gostar deles), para adaptar-se à nova vida, para destacar-se como tira e para cuidar bem da família, mas, por outro lado, também procura manter as tradições do planeta natal. É corretíssimo em tudo o que faz e avesso a deixar as coisas para lá. De vez em quando se arrisca a usar expressões da Terra, ocasiões em que o espectador rola de rir com as trapalhadas dele.
Matt, como é carinhosamente chamado, é o estereótipo do detetive americano: desleixado, bagunceiro e grosseirão. O apartamento do tira, verdade seja dita, é um chiqueiro! No mesmo prédio em que Sikes mora há uma linda visitante cujo nome é Cathy Frankel (interpretada pela bela Terri Treas), por quem o policial se apaixonará no decorrer da série. Ainda que seja deveras durão, Matt, lá no fundo, tem coração mole e boa alma. O policial também tem uma filha adolescente que quase nunca vê.
:: A HUMANIDADE EM TODOS NÓS
O bacana de Missão Alien, além das maquiagens, dos efeitos e das cenas de ação, é o relacionamento entre os tiras, que no começo da série mal suportam um ao outro, mas que ao longo da história passam a aceitar e a respeitar as grandes diferenças que os cercam. Como o leitor pode imaginar, uma forte amizade e o respeito mútuo afloram.
As temáticas dos episódios sempre têm a ver com críticas sociais ou comportamentais, e isso, leitores, é genial. Critica-se, por exemplo, o racismo, a indiferença, a intolerância, o preconceito, o ódio infundado, a religião, as drogas e diversas outras coisas. Há, também, uma pitadinha do transcendental, representada no início do seriado pelo tio de George, Moodri (magistralmente interpretado por James Greene). Os criadores, por meio dos episódios, pretenderam transmitir a mensagem de que, se realmente assim quisermos e nos esforçarmos para tanto, teremos um mundo muito, mas muito melhor no futuro. Basta tentar! Não é tão difícil aceitar o próximo do jeito que é…
Há passagens genuinamente emocionantes nalguns episódios. Ponto positivo para os roteiristas e para os atores, que, sem apelar para pieguices, conseguiram interpretações belas e tocantes. Ao assistir Missão Alien, o espectador se emociona; ri, chora, se diverte, torce pelos mocinhos, fica curioso e fascinado pela cultura dos visitantes. A série é exemplo notório do melhor que se pode ter, em termos de humanismo disfarçado, num programa de tevê.
:: MÃOS À OBRA
Os produtores da série criaram um universo bem bacana para os alienígenas, talvez o maior já criado para uma série de tevê. Bolaram o passado dos seres, a vestimenta, a religião, costumes, a escrita e até mesmo um idioma. É claro que nada se compara à complexidade dos mundos de O Senhor dos Anéis e de Jornada nas Estrelas, mas, ainda assim, houve muito capricho por parte de Ken Johnson e de seus asseclas. A trilha sonora instrumental, outra das contribuições formidáveis para o seriado, parece ter sido composta a dedo pelos artistas Steve Dorff, Larry Herbstritt e David Kurtz.
:: VIDA CURTA
Infelizmente, apenas produzida entre 1989 e 1990, Alien Nation foi cancelada ainda na primeira temporada, que contém somente 22 episódios. Pelo que parece, os executivos da Fox ficaram descontentes com a audiência do programa, baixa demais para o horário. Particularmente acho que a série foi incompreendida na época.
Após o cancelamento prematuro, cinco telefilmes baseados no programa foram produzidos: Dark Horizon (1994), Body & Soul (1995), Millennium (1996), The Enemy Within (1996) e Udara Legacy (1997), que encerrou definitivamente as aventuras de Matt e de George na tevê. Nesses filmes há a continuação de eventos anteriores ocorridos no seriado, tais como a união de Matt e de Cathy, e o ingresso de Buck na polícia de Los Angeles (para trilhar os passos do pai).
:: MISSÃO ALIEN NO BRASIL
Originalmente a série foi exibida no início dos anos noventa pela extinta Rede Manchete. Depois foi reprisada pela Fox em meados da mesma década. Infelizmente, há tempos não é mais vista na tevê brasileira.
A dublagem ficou a cargo da Álamo, conhecido estúdio de São Paulo, e dispôs das vozes do falecido Ézio Ramos (voz de Peter Venkman em Os Caçafantasmas) como George, de Flavio Dias (voz de Ray em Os Caçafantasmas e de Beakman em O Mundo de Beakman) como Matt, de Cecília Lemes (voz de Chiquinha em Chaves) como Cathy, e de Figueira Jr. (voz de Fry em Futurama) como Buck Francisco, dentre outros dubladores da Paulicéia.
O que dizer sobre o trabalho? Ficou espetacular! Difícil imaginar vozes diferentes no elenco. A química entre os personagens principais, Matt e George, foi excelentemente captada pelos dubladores brasileiros. De fato, foi um dos melhores trabalhos de dublagem já vistos, segundo minha humilde opinião, em uma série de tevê.
:: CURIOSIDADE SOBRE A SÉRIE
A série foi baseada num longa-metragem lançado em 1988, estrelado por James Caan (no papel de Matthew Sikes) e pelo irreconhecível Mandy Patinkin (no papel de George Francisco). O filme, como se vê, deixou uma brecha enorme e diversas interrogações – que pôde ser aproveitada para a realização da série.
Os produtores criaram um idioma e um alfabeto para os visitantes, e, de fato, podemos ouvi-los e vê-los em diversos episódios da série.
Na nave, os escravos eram supervisionados e controlados pelos Kleezantsun, capatazes nomeados para manter a ordem a bordo, embora da mesma raça dos visitantes. Na Terra, após a libertação de todos, os capatazes, misturados à população, são alvos do ódio e do preconceito por parte dos Tenctoneses comuns, ou seja, dos que foram escravos.
O nome original de George era Samuel. Foi Matt quem o fez mudá-lo, pois não quis apresentá-lo aos conhecidos como Sam Francisco (uma brincadeira sonora com a cidade de San Francisco, pois Sam é a abreviatura de Samuel). Matt resolveu chamá-lo de George.
Os Tenctoneses ficam bêbados se ingerirem leite azedo.
Eles têm dois corações. Se ficarem resfriados, os olhos marejam ao invés do nariz escorrer. Se estiverem tensos, os pés doem ao invés dos ombros enrijecerem-se. Eles não se beijam na boca, mas encostam as têmporas umas nas outras para produzir o mesmo significado.
A água do mar salgada – funciona como ácido sulfúrico na pele dos visitantes.
Não adianta chutar os testículos de um visitante, pois o efeito desejado não será conseguido. Golpeie logo abaixo das axilas e o fará cair no chão de dor.
Para haver concepção, são necessários três seres: um macho, uma fêmea e um binnaum (o catalisador), que ejacula o líquido responsável pela fertilização. Para a obtenção de prazer, apenas macho e fêmea são requeridos.
Os Tenctoneses possuem manchas dispostas na cabeça não têm cabelo. Elas são dos mais variados tipos e formam uma miríade de desenhos. Assim como a impressão digital humana, as manchas de um visitante nunca são iguais às de outro.
Quando chegaram à Terra, os visitantes receberam nomes comuns do dia a dia. Porém, cansados de criar nomes para os seres, os humanos do The Bureau of Newcomer Affairs (uma entidade governamental que trata de assuntos extraterrestres) começaram a batizá-los com nomes de personalidades famosas (reais ou fictícias), só por brincadeira. Há, por exemplo, um Albert Einstein, um Dorian Gray, uma Emily Brontë e por aí vai.
Eric Pierpoint e Gary Graham apareceram recentemente como atores convidados em episódios da série Enterprise.
Um terremoto ocorrido em Los Angeles nos anos noventa destruiu a maioria do material de filmagem (artefatos alienígenas, máscaras e bugigangas em geral) usado na série. Quando os telefilmes começaram a ser feitos, eles precisaram ser reconstruídos do zero.
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