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Pois bem… e aqui estou eu de novo falando sobre o complicado mercado de quadrinhos nacionais. Andei recebendo alguns e-mails sobre o assunto nos últimos meses e achei que era hora de voltar a ele, finalmente. Ah, você quer entender o porquê do finalmente? Simplesmente porque eu evito tocar neste tema desde a época da PQP (a PutaquePariu!, nosso antigo e afamado site de humor), quando publiquei um artigo dando a minha opinião sobre o cenário das HQs tupiniquins na época. E por pouco não fui trucidado vivo. Não tenho medo de críticas, todo mundo que me conhece sabe muito bem disso. Aliás, até gosto de recebê-las. Só não curto é ficar esquentando a cabeça e discutindo com um monte de xiitas que fazem questão de fechar os ouvidos ao que você quer dizer, acusando-o de ‘agitador contra os quadrinhos brasileiros’. Pode um treco destes? Ainda tenho algumas destas mensagens guardadas comigo…
Hoje, quase três anos depois, posso dizer que o horizonte continua mais ou menos o mesmo. Os quadrinhos brazucas vão indo muito bem… mas não da forma que você imagina. Vi muita gente comemorar a entrada de Victory, título do incansável Marcelo Cassaro, no mercado americano, por meio da Image Comics. Lindo. Maravilhoso. O cara realmente merece nossos parabéns. Mas o que continuo me questionando é: alguém poderia me dizer se este é realmente um título nacional? O traço é, invariavelmente, daquele tipo americanóide: monstros gigantescos, desproporcionais e babões; mulheres semi-nuas e gostosonas; caras fortões, perigosos, mal-encarados, armados até os dentes e com músculos até na gengiva! E o roteiro, infelizmente, pode até ser simpático, mas não fica distante daqueles milhares de clichês aos quais estamos acostumados nos títulos de fantasia medieval (ou ‘tolkieniana’, como diriam os RPGistas). Se não fosse pels créditos da história, eu bem que poderia dizer que se trata, por exemplo, de um gibi da linha Tsunami, nova tentativa da Marvel Comics para capitalizar em cima do estilão mangá de ser e conquistar uma parcela mais jovem de público, desinteressada por um gênero que, até nos EUA, está combalido e precisa se reinventar. Fico me perguntando se Victory vai ter capacidade de apresentar algum diferencial, entre centenas de outros títulos semelhantes que invadem as comic shops dos States, para conquistar os nerds americanos. Este é um mal do qual sofrem boa parte dos títulos da Trama Editorial (hoje conhecida como Talismã).
Nas escolas de desenho que lecionam quadrinhos, por exemplo, os professores não incentivam o aluno a desenvolver um estilo próprio, que possa servir como diferencial no futuro. Parecem fábricas de clones do Joe Madureira ou do Jim Lee. E ainda tem gente se perguntando porque diabos as editoras nacionais não querem publicar material de autoria brasileira. Pra quê? História de super-herói por história de super-herói, vamos ficar com os americanos. Pelo menos, eles são mais conhecidos e são garantia de vendas mais elevadas. E você vai ter coragem de me dizer que eles estão errados??? Sinceramente? Acho que é hora de largar mão do gênero super-herói. Nem os autores americanos aguentam mais as mesmas fórmulas batidas – tanto é que, por exemplo, os X-Men de Grant Morrison tornaram-se uma equipe, digamos, ‘semi-Vertigo’, com boas doses de cérebro para contra-balançar a ação desenfreada e boçal que assolou a revista na década de 90. Pura adrenalina sem conteúdo algum. Mas tem gente que continua insistindo nisso.
Três temas têm sido recorrentes no quadrinho nacional: violência (é sangue e tripas para todo o lado), sexo (totalmente gratuito e fora do contexto) ou sexo-com-violência. Não sou defensor dos intelectualóides babacas – e nem estou querendo dizer que todo mundo tem que começar a escrever gibis-cabeça a la Europa – mas não vamos exagerar na falta de cérebro, pelamordedeus! Se você quer realmente trabalhar com quadrinhos, é bom começar a ampliar o seu leque de referências o quanto antes para desenvolver o seu estilo pessoal. Sugue influências dos americanos e japoneses… mas também dos portugueses, alemães, franceses, ingleses, brasileiros…
Isso quando o sujeito não resolve criar os ‘super-heróis brasileiros’. Se até nos EUA já é um tanto absurdo conceber certas situações e exageros da realidade, o que dirá no Brasil? Você consegue imaginar um cara de malha colorida e apertada perseguindo um bandido em plena Avenida Paulista? Ou quem sabe aquele carinha de azul e vermelho pendurado nos prédios de Copacabana e Ipanema com uma teia? Ou quiçá um monstro gigante vindo da Atlântida invadindo o Porto de Santos? Ou ainda um carinha de verde e amarelo dizendo que é o nosso herói nacional e recebendo uma condecoração das mãos do Lula???? Não cola, fala sério! Quem aí já esqueceu Spirits of Amazon, uma das criações mais toscas que já aportaram em nossas bancas???? Vamos parar de tentar jogar o jogo dos caras e criar as nossas próprias regras, o nosso próprio estilo de contar história e lidar com este universo de possibilidades que é a Nona Arte. O mestre Will Eisner (vejam só: um americano!) já mostrou que não existem limites para a linguagem dos quadrinhos. Basta abrir a sua mente.
E mais: começo a detectar um segundo problema surgindo por aqui. A moda agora é desenhar mangá. Todo mundo quer fazer quadrinho japonês. Muito legal. Só temos que tomar cuidado para não nos tornarmos uma geração de clones dos artistas da terra do Sol Nascente.
:: MAS…
…lembram-se que, no começo da matéria, eu disse que a situação das HQs brazucas anda boa… mas não do jeito que vocês imaginam? Pois bem: tem MUITA coisa bacana saindo por aqui, e todas elas são a prova mais do que absoluta da minha teoria. Porque os bons quadrinhos brasileiros que podemos achar facilmente por aí estão completamente fora do estereótipo ianque. Querem um exemplo? Aqueles que fazem humor. Nenhum americano consegue fazer nada tão divertido quanto Os Skrotinhos (do Angeli), Os Piratas do Tietê (do Laerte) ou o Níquel Náusea (do Fernando Gonzalez). Os quadrinhos de humor brazucas estão entre os melhores do planeta. E por quê? Simples: porque cada autor desenvolveu seu próprio estilo de traço e narrativa! São trabalhos únicos, que com certeza são facilmente reconhecíveis aos olhos do fã mais desatento.
Sabia que é possível fazer uma história ambientada no Brasil sem ser babaca ou, por outro lado, um panfletário chato e metido a intelectual? A crítica política e social do Pererê, do mineirinho Ziraldo, é toda passada na Mata do Fundão, um cenário tipicamente nacional. E os personagens são simplesmente maravilhosos, um mais cativante do que o outro. Ah! Outro que sabia falar como ninguém do nosso folclore era o saudoso Flávio Colin. Um de seus últimos lançamentos, o Boi das Aspas de Ouro, conta uma lenda típica do Rio Grande do Sul com uma narrativa própria e, principalmente, com seu estilo de traço muito característico em P&B, usando retículas para dar as tonalidades de cinza.
Pra não dizer que eu sou inimigo do material que a Trama lança, eu cito uma mini-série que me deixou de queixo caído: Lua dos Dragões, do sensacional André Vazzios. Ele criou uma HQ de fantasia que é completamente diferente do ‘manual para fazer HQs no estilo Marvel/DC/Image’. E a arte do sujeito é fenomenal, colocando muito artista americano no chinelo.
Como falar de gibis nacionais sem lembrar o material dedicado ao público infantil? Você pode não gostar, mas as revistas da Turma da Mônica se tornaram um sucesso inegável, dentro e fora do Brasil, justamente porque surgiram com um novo jeito de contar histórias para a molecada. Cá entre nós: os quadrinhos infantis da dentuça são até mais divertidos que os da Disney – e podem ser comparados, em pé de igualdade, ao excelente material italiano da editora de Mickey, Pato Donald e companhia. Quem não se lembra das maravilhosas histórias do Louco, por exemplo?
E se você quer pura ação e diversão, entretenimento-pipoca sem nenhum compromisso, por que não experimentar algo como o delicioso Quebra-Queixo, do Marcelo Campos? Misturando humor, muita pancadaria e uma enorme dose de sátira às bobagens que proliferam nas editoras de super-heróis americanas, Campos criou um universo característico que é um tesão.
Precisa de mais exemplos? Eu poderia ficar aqui durante mais umas quatro barras de rolagem dissecando nomes como Lourenço Mutarelli ou Julio Shimamoto, Mas acho que você já entendeu onde eu queria chegar… Agora é com vocês. O que acham? A Voz dos Nerds é toda de vocês! 🙂
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