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Artigo adicionado em 28/08/2003, às 12:37

ANATOMIA DO FANTÁSTICO
Uma análise dos elementos que deram origem à fantasia moderna na literatura, RPG, cinema e quadrinhos “Há tempos interessantes dos quais nós pouco sabemos, situações cuja importância nós só discernimos pelas suas conseqüências. Aquele tempo em que a semente germina na terra está especialmente ligado com a vida da planta.” – Goethe Usualmente entende-se por […]

Por
Thiago "El Cid" Cardim


“Há tempos interessantes dos quais nós pouco sabemos, situações cuja importância nós só discernimos pelas suas conseqüências. Aquele tempo em que a semente germina na terra está especialmente ligado com a vida da planta.” – Goethe

Usualmente entende-se por fantasia, ou fantasia moderna, trabalhos de ficção com base nos períodos históricos antigos – abrangendo, grosso modo, da Pré-história à Renascença -, que contenham ainda elementos mágicos e/ou sobrenaturais, sejam estes a presença de espécies inteligentes não-humanas, como elfos e anões, ou a magia em variadas formas. Mas acredito que a amplitude do gênero fantástico seja maior, e assim abarcaria muitas histórias de ficção “científica”, como Guerra nas Estrelas e Duna, que, segundo se sabe, não passam de grandes fantasias medievais revestidas, ou disfarçadas, por uma ambientação futurista e/ou uma diáfana camada de alta-tecnologia. Exemplares perfeitos da assim denominada fantasia moderna incluem obras bem conhecidas como O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien; Conan, de Robert E. Howard; Harry Poter, de J. K. Rowling; os filmes A Lenda, Willow, O Feitiço de Áquila, Fúria de Titãs, Reino de Fogo e, queiram ou não admitir os fãs, Guerra nas Estrelas (Para a sua informação, fãs, uma versão primitiva de Guerra nas Estrelas conta a história de Luke, um “anão”, perdido numa terra de gigantes!).

Não é segredo: a fantasia moderna tem a maior parte de suas raízes fincadas em terras nórdicas, isto é, nas maravilhosas histórias, mitologia e lendas célticas e teutônicas, com seus deuses violentos e temperamentais, itens de poder, monstros e seres mágicos. Mas não se deve deixar de notar influências ancestrais oriundas de outras culturas, como a árabe e a judáico-cristã. Na verdade, a fantasia moderna é um grande e não raro confuso amálgama de mitos, lendas, folclore, contos de fadas e História; ainda assim, tal sopa de influências deixa entrever quatro fontes principais, as quais se discute posteriormente: a mitologia greco-romana, que nos legou a Odisséia, a Ilíada e a Eneida (e mais indiretamente Os Lusíadas); a mitologia nórdica, origem da epopéia germânica Beowulf e de O Anel dos Nibelungos; a tardia cultura medieval franco-inglêsa, fonte do ciclo de lendas do rei Arthur; e as mitologias orientais, cuja maior obra seria as Mil e Uma Noites.

Mas a origem mais primitiva da fantasia moderna, pode-se especular, encontra-se literalmente escrita em pedra nas pinturas do homem primitivo. Não se deve tomar por certo que este nosso ancestral tivesse menos propensão para o devaneio criativo do que nós mesmos, e por seguinte não fosse capaz de fantasiar a respeito do mundo estranho e desconhecido que o cercava. De tais devaneios podem ter brotado as primeiras narrativas fantásticas das quais não se tem notícia, mas admite-se que daí e de tentativas de explicar o mundo emergiram os primeiros mitos e lendas, que nos remetem às primeiras civilizações conhecidas (Mesopotâmia, Egito, Grécia, China) e desconhecidas (Atlântida, Mu, Lemúria), sendo as histórias das últimas, até onde se sabe, pura fantasia.

As mitologias antigas com suas cosmogonias (origens dos mundos), teogonias (origens dos deuses) e heroogonias (origens dos heróis), além de suas narrativas maravilhosas, originaram ou influenciaram de forma decisiva as histórias fantásticas escritas durante a Antigüidade Clássica, das quais pode-se citar os livros sagrados de várias culturas – como a Teogonia de Hesíodo, O Rig Veda hindu, o VQluspá nórdico, o Enûma Elîsh sumeriano, o Alcorão árabe, O Livro dos Mortos e O Livro dos Sarcófagos egípcios, e, como aponta Jorge Luis Borges, o próprio Gênesis judáico-cristão (“A trindade, é claro, supera essas fórmulas. Imaginada repentinamente, sua concepção de um pai, um filho e um espectro, articulados num só organismo, parece um caso de teratologia intelectual, uma deformação que só o horror de um pesadelo pode ter parido.” Obras Completas, vol. I, Ed. Globo, São Paulo, 1998, p. 223.) -, e narrativas cuja estrutura, técnica e assunto remetem mais diretamente ao formato da narrativa fantástica moderna. Fala-se aqui dos primeiros monumentos da literatura ocidental, a Ilíada e a Odisséia de Homero, a última em especial, tratando-se essencialmente de uma história de aventura, uma jornada épica; nas palavras de Carlos Alberto Nunes: “a narração da Odisséia prende com maior fascínio a atenção do leitor, que anseia por chegar logo ao fim, para saber ‘o que irá acontecer’ com o herói da epopéia ou mesmo com as personagens secundárias. É puro romance, de enredo bem arquitetado”. Descrição semelhante pode-se fazer de qualquer boa fantasia contemporânea.

Deixando o mundo clássico para trás, 15 ou mais séculos depois o texto galês Mabinogion nos apresenta o que talvez seja a mais antiga história do ciclo de lendas arthurianas: o Culhwch and Olwen. Seguem-se o Vulgate e o Prose Tristam franceses, que servem de base para o tratamento definitivo da lenda do rei Arthur, Le Morte D’Arthur, de Sir Thomas Malory. Estes textos espalham por toda a Europa medieval a moda da cavalaria e seus romances, que teriam como expoente máximo o Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, que ironicamente os satiriza.

Mais alguns séculos e em 1707 é introduzido no ocidente o imaginário fantástico oriental de maior impacto na formação da fantasia moderna. Na tradução pobre e cheia de falso moralismo de Jean Antoine Galland, o ocidente apaixona-se pelo mundo árabe, mais vulgar e menos idealizado que o grego, das Mil e Uma Noites: gênios, objetos mágicos, paixões arrebatadoras e aventuras de tirar o fôlego são a ordem do dia.

Apesar de todo o poderio das fantasias grega e árabe, foram realmente as lendas arthurianas e elementos das mitologias celta e escandinava que predominaram na formação do imaginário da fantasia moderna. Basta ler narrativas e poemas heróicos como o Beowulf, as Sagas islandesas ou versos skáldicos, os Edda em Verso e em Prosa de Snori Sturluson (que narram principalmente aventuras envolvendo reis, heróis e deuses nórdicos), as lendas célticas de Cúchulain e do herói-divindade Lugh Ildanach, as canções e histórias do English and Scottish Popular Ballads de Sir Francis Child, para comprovar que foram estas as fontes nas quais beberam os grande fantasistas de nossa época, dentre os quais Lord Dunsany (The King of Elfland’s Daughter), J.R.R. Tolkien (O Senhor dos Anéis), Edgar Rice Burroughs (A Princess of Mars e Tarzan of the Apes), Harold Foster (Príncipe Valente), Robert E. Howard (Conan), George Lucas (Guerra nas Estrelas) e Frank Frazetta (ilustrador das obras de Howard, Burroughs e Tolkien). Nas palavras de Lou Statis (Heavy Metal Magazine, November 1990, p. 5), sobre Frazetta: “(…) a descompromissada visão de Frazetta – interminavelmente imitada mas nunca igualada – tem dominado o campo, criando um sublime embora cativante estilo clássico-moderno que se tornou a preeminente visualização da fantasia em nossa era.”. No livro Icon: A Retrospective by Frank Frazetta (Underwood Books, Grass Valley, 1998, p. 56), Arnie Fenner escreve a respeito da pintura Conan de Adventurer: “Com uma única pintura Frazetta definiu o visual para todo um gênero”.

Essas fontes também serviram de alicerce para a formação da cultura européia, e foi verdadeiramente na Europa que tomou forma a fantasia de nosso tempo.

:: O ARQUÉTIPO MEDIEVAL EUROPEU

A maior parte dos cenários fantásticos são na verdade versões da Europa medieval. Isto se deve principalmente à atração instintiva que aquele período, e todos os seus clichês, exercem sobre a mente ocidental moderna: cavaleiros em armadura, dragões cuspidores de fogo, feiticeiros e magia.

Mas o principal fator para explicar a popularidade e, até mais importante, a durabilidade do arquétipo medieval europeu, é que ele nos é familiar, natural, pois crescemos cercados por seus conceitos, não sendo preciso nos familiarizar com idéias de culturas exóticas – sabemos de cor o que é um gnomo ou um elfo, mas não sabemos o que é uma lamia, uma naga ou um k’uei (morto-vivo chinês).

A maneira como enxergamos o mundo medieval também é largamente formatada por arquétipos escandinavo-europeus. O imaginário da época medieval que habita a mente moderna não admite mais a interpretação individual, mas uma coletiva empurrada goela abaixo, queiramos ou não, pela impressão em escala industrial da arte de prodígios como Frank Frazetta – cuja visão particular moldou sozinha para o mundo a aparência do guerreiro bárbaro e de seu figurino primordialmente viking – e o ressurgimento do arrasa-quarteirão de capa espada e magia, com O Senhor dos Anéis e Harry Potter, e suas interpretações visuais impressionantes de reinos de outrora, raças fantásticas e itens de poder.

Até mesmo na música, como não poderia deixar de ser, há a predominância dos estilos europeus, especialmente da ópera de Carl Orff e Wagner, no que diz respeito ao gênero da aventura épica.

Os exemplos poderiam se estender por qualquer área, mas basta observar que, enquanto o arquétipo medieval europeu indiscutivelmente constitui o alicerce de grande parte da fantasia moderna, dele se originou ainda outro arquétipo de vasta influência em obras fantásticas posteriores: o arquétipo forjado por J. R. R. Tolkien.

:: O ARQUÉTIPO TOLKIENIANO

A obra de J. R. R. Tolkien, que inclui ‘O Hobbit’ e ‘O Senhor dos Anéis’, compôs para o mundo boa parte da atual visão que temos do gênero fantástico. A concepção de Tolkien para os seres feéricos das mitologias teutônica e celta é a mais popular, dividindo-os, como fez, em grandes espécies ao nível da humanidade: de elfos à irlandesa (originários das lendas dos Tuatha De Danann e Sidhe) aos anões nórdicos criadores de itens, sem mencionar orcs e trolls como raças antagônicas.

Já a idéia que Tolkien semeou em ‘O Hobbit’ mas que só viria a render frutos em ‘O Senhor dos Anéis’ foi muito importante não só para a literatura e cinema, mas especialmente para os RPGs, ou RolePlaying Games: o conceito de um grupo de aventureiros especializados (pertencentes a “classes”) em jornada por terras desconhecidas.

Da fusão dessas idéias com as regras de Jogos de Guerra (“War Games” em inglês), surgiu em 1971 da mente de Gary Gygax o jogo fantástico Chain Mail, que, em 1974, com o auxílio de Dave Anerson, se transformou no primeiro RPG, intitulado Dungeons & Dragons.

:: D20, MAS MANTENHA O RESPEITO…

‘Dungeons & Dragons’, ou apenas D&D, foi o primeiro RPG, e como tal estabeleceu muitos dos padrões e modelos que seriam utilizados a partir daí na criação de outros jogos – desde a maneira como se joga, com um mestre narrando e os jogadores interpretando personagens, até os blocos fundamentais das regras: atributos, perícias (habilidades de ladino à época) classes e os famosos (ou infames) níveis de experiência.

O jogo encontra-se atualmente em sua terceira edição, e seu sistema, o D20, é um fenômeno que, graças à idéia de “licença aberta”, que permite a qualquer um publicar jogos com este sistema, está tomando conta da indústria do RPG.

O importante é observar que todos os RPGs descendem do D&D. Houveram inovações, novos cenários, até mesmo RPGs que não usam dados; mas os alicerces estão lá; todos de uma maneira ou de outra “plagiam” o D&D e todos devem respeito ao primogênito dos RPGs.

:: O GÊNERO ÉPICO

Já vimos que grande parte dos conceitos e visões do imaginário fantástico moderno têm suas origens nas mitologias dos povos antigos, e que, de mesma origem, o arquétipo que estivemos empregando para criar e viver histórias fantásticas desde a Antigüidade é o poema épico.

Épico, ou poema épico, vem da palavra grega Epopéia, que significa canto, palavra ou narrativa. Trata das histórias de heróis maiores do que o destino, embora muitas vezes sejam controlados por ele, e de seus extraordinários feitos, cuja essência reflete os ideais e tradições de uma cultura, quando não seus interesses políticos e religiosos – a história de Willian Wallace, em Coração Valente, ao se erguer e comandar seus compatriotas escoceses contra uma Inglaterra opressora, por exemplo.

São caracteres distintos do épico clássico a figura do herói, um cenário mágico-fantástico e a realização de feitos grandiosos. Na ficção moderna, o épico quase sempre ganha ares de aventura do tipo bem-contra-o-mal-para-salvar-o-mundo, como em O Senhor dos Anéis, Guerra nas Estrelas e Matrix. Dessas características, o herói é a mais importante, dos antigos e clássicos Odisseus, Enéias e Gilgamesh, aos modernizados (não exatamente modernos) Aragorn, Luke e Neo.

Há vários tipos de heróis, mas todos vivem de forma muito parecida, como delineado pela Jornada do Herói, ou MonoMito, de Campbell e Joyce. Por exemplo, a relutância do herói em se tornar aquilo que ele deveria, e talvez desejasse, ser; normalmente é necessário um acontecimento trágico para despertá-lo para as necessidades de seu destino: Willian Wallace em ‘Coração Valente’ só revolta-se contra a tirania inglesa após ter sua amada assassinada, quando poderia ter feito isso antes; Luke Skywalker só decide tornar-se um cavaleiro Jedi após encontrar sua família queimada; os hobbits em ‘O Senhor dos Anéis’ só tornam-se heróicos quando as circunstâncias os forçam a tais atos.

O ambiente que cerca essas figuras e seus feitos também tem grande importância, assim como as culturas que ali vivem, a eles conferindo forma. Seriam muito diferentes, ao menos na estética, épicos ocorridos numa Arábia mítica daqueles decorridos numa África, Índia, China, ou ainda numa Finlândia medieval ou América indígena. Mas, novamente, observa-se aqui a maior influência do cenário anglo-saxão nas atuais narrativas fantásticas; veja O Senhor dos Anéis, Elric, Amber, Harry Poter, ou os nacionais O Arqueiro e a Feiticeira e Angus.

.:: A DIALÉTICA DO ÉPICO MODERNO

No épico moderno, a partir de ‘O Senhor dos Anéis’, para todos os termos práticos ficou estabelecido o conflito entre o Bem e o Mal. Exemplos podem ser vistos na maior parte da literatura fantástica moderna: em ‘Guerra nas Estrelas’, os Rebeldes contra o Império; em Coração Valente, os escoceses oprimidos contra uma Inglaterra tirânica; em ‘Matrix’ a humanidade contra as máquinas escravizadoras. Mas nem sempre foi assim. Na verdade, pode-se afirmar com poucas chances de erro que foi J. R. R. Tolkien, com ‘O Senhor dos Anéis’, quem plasmou verdadeiramente essa dicotomia no inconsciente coletivo moderno. Em sua grande parte as epopéias antigas não viam apenas preto e branco; muitas eram imorais e verdadeiramente sinistras. Tome-se por exemplo as canções populares inglesas e escocesas, ou as Sagas islandesas, cujos temas e finais são bastante sombrios, lidando com subtextos sexuais, amor trágico e morte grotesca (O próprio Tolkien bebeu nessa fonte e tirou daí inspiração para muitas das histórias mais tristes e sombrias de O Silmarillion, como o conto de Túrin Turambar).

Pode-se traçar a origem dessa dialética do épico moderno aos romances de cavalaria medievais, onde vemos cavaleiros éticos, justos e misericordiosos; contudo, tanto nessas histórias quanto na própria vida de Tolkien, observa-se claramente a influência primitiva de preceitos cristãos, que naqueles textos aparecem fruto da conversão européia à nova religião na época em que eram colocados no papel (em grande parte em traduções executadas pelo únicos literatos da época, que eram homens da igreja), e no caso de Tolkien simplesmente fazem parte de sua formação religiosa.

Por razões semelhantes talvez a luta do bem contra o mal seja tão importante para a visão moderna da fantasia. Mas, independente do motivo, tal visão nos agrada; agrada ao público. Num mundo cínico e repleto de miséria, desigualdade e sofrimento como o nosso, presenciar o bem triunfando sobre o mal, mesmo que em uma obra de ficção, é mais que um alívio ou pura diversão; às vezes modifica-nos, traz esperança e transforma-nos em pessoas melhores.


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