Eles são quase tão antigos quanto a humanidade e popularizaram-se em nosso país na década de oitenta. Quem não conhece Banco Imobiliário, Detetive, War ou Scotland Yard? Antes dos videogames cheios de efeitos e sons, a imaginação era colocada para funcionar com os jogos de tabuleiro que entupiam as partes superiores de nossos armários.
Acha que os jogos de tabuleiro são coisa do passado? Pois leia esta entrevista exclusiva d´A ARCA com um dos organizadores do evento Peão de Tabuleiro, Ricardo Christe, e descubra mais sobre esse universo fantástico.
A ARCA: Por que os anos 80 (o início, pelo menos) são considerados a “época de ouro” dos jogos de tabuleiro no Brasil? Essa afirmação tem sentido ou é resultado de pura nostalgia?
Ricardo Christe: Nessa época a Estrela e, principalmente, a Grow, fomentavam um mercado muito dinâmico de jogos de tabuleiro, lançando no Brasil vários títulos interessantes do mercado internacional – e algumas boas obras de autores nacionais, também. Datam dessa época jogos como Alerta Vermelho, Contatos Cósmicos, Alaska, Diplomacia e diversos outros, hoje fora de catálogo. A oferta era grande, e os temas, variados. Podia-se achar dezenas de jogos para adultos coexistindo nas prateleiras das lojas. As novidades lançadas regularmente mantinham o interesse dos compradores.
AA:Hoje, por outro lado, estamos na era dos vídeo games de 128 bits, do DVD, do home theater, do telefone celular e dos palmtops, dentre outros monstrengos tecnológicos. O que ainda faz uma pessoa, em meio a tudo isso, abrir uma caixa de War para jogar? Por que os jogos de tabuleiro ainda seduzem?
RC: Nenhum aparelho eletrônico consegue imitar a característica mais fascinante dos jogos de tabuleiro: a interação entre as pessoas, o olho-no-olho, a diversão gerada pela presença de vários amigos em torno da mesa.
Jogos de tabuleiro acomodam várias pessoas de uma vez. Quase todas as formas de entretenimento eletrônico são individualizadas. Mesmo jogos de computador multiplayer forçam uma situação de cada-um-no-seu-canto, ou no seu micro. Há pouco ou nenhum contato real entre as pessoas.
Videogame implica em olhar para a tela. Já o tabuleiro implica em olhar para os outros. O jogo é estendido sobre uma mesa, as pessoas sentam em redor, brincam e conversam, sem estresse. Sem temporizadores para a partida, e num ambiente bem mais amistoso e camarada (bem menos neuroticamente concentrado, por assim dizer) do que numa disputa de videogame. Videogame convida a competir; jogos de tabuleiro convidam a jogar conversa fora, dar risada, brincar.
AA: Qual o perfil do atual fã dos jogos de tabuleiro? Todo fã é um colecionador?
RC: O pessoal que joga com mais freqüência é o mesmo que curtia os jogos de tabuleiro nas décadas de 70 e 80. Em geral é uma turma que acompanhou a evolução dos jogos eletrônicos, parando de jogar tabuleiro depois de uma certa época. Hoje, com as novas possibilidades que os jogos importados trazem, o pessoal adora redescobrir a antiga curtição. Não é saudosismo: é tomar contato com a evolução dos jogos de tabuleiro. Os brasileiros acham que jogo de tabuleiro está extinto, ou quando muito, estagnado nas mesmas velhas reprises, como o War e o Banco Imobiliário. Há muito mais que isso por aí! A variedade, pelo menos entre os importados, é enorme.
Muitos desses velhos fãs convidam amigos que nunca tinham jogado, a conhecer a brincadeira. É uma seleção natural de novos adeptos, e assim a coisa vai deixando a sala das nossas casas e ganhando espaços públicos. Há casos de pais de família, na casa dos 30 anos, levando os filhos para jogar junto. Isso é sensacional; diversão em família, sem demagogia. Quanto a colecionar jogos, nem todo fã é colecionador, mas é preciso importar os jogos por conta própria. Não há alternativa, já que nenhuma loja em território brasileiro trabalha com jogos de tabuleiro fabricados lá fora, contemporâneos e incrivelmente interessantes. É preciso acessar lojas na Internet e encomendar pelo correio. Quem compra um, gosta e acaba comprando outro, e assim começam as coleções.
AA: Jogos como “Contatos Cósmicos” (da Grow), lançado em 1983, são raridade nos dias de hoje. Como é o mercado nacional de jogos usados? Existe um comércio desse material?
RC: Não existe um mercado estruturado. Sites de leilões pela Internet, como o Mercado Livre, são praticamente a única forma de se adquirir jogos de tabuleiro do passado. Mas é tudo muito esparso, ocasional.
AA: Quais são os jogos do momento? Os jogos nacionalizados ainda são bons? Conte-nos sobre o fascínio exercido nas pessoas pelos jogos alemães da atualidade.
RC:O jogo mais comentado da atualidade chama-se Puerto Rico, uma criação do alemão Andreas Seyfarth, e já traduzido para o Inglês. É uma simulação (estilizada) de produção e comércio agrícola no Período Colonial. Extremamente dinâmico, nele nem mesmo as etapas da rodada têm ordem certa para acontecer. Permite muitas estratégias de vitória e possui uma tensão constante; não é possível fazer tudo o que se quer, os recursos para o jogador são limitados. Decidir é difícil e divertido.
Puerto Rico é um exemplo muito bem acabado do fascínio gerado pelos jogos alemães de hoje em dia. É um produto sofisticado, de alta qualidade gráfica, num padrão que os jogos brasileiros estão muito longe de atingir. É um jogo inteligente e variado, que cativa adolescentes e adultos. E suas possibilidades são tantas que não há como enjoar dele.
A Alemanha é a maior produtora mundial de jogos de tabuleiro, com certeza. Isso porque o mercado interno deles consome continuamente há décadas, sempre querendo novidades, mais e melhores jogos. Com isso, gerações de crianças e adultos puderam acompanhar uma evolução gradual no acabamento, no refinamento e na pluralidade de temas que os “jogos alemães” exploram. Hoje em dia eles dominam a criação e fabricação, e arrecadam dinheiro suficiente para caprichar nos produtos. É muito difícil competir de igual para igual, por isso mesmo muitos países importam e traduzem esses jogos para lançá-los localmente. Alguns dos autores desses jogos são cultuados como personalidades.
AA: Acha que os jogos de tabuleiro poderiam fazer sucesso entre a criançada de hoje? Como fazê-las adquirir interesse pelos jogos?
RC: Se as crianças forem educadas para gostar disso, se jogarem com os pais, divertindo-se com eles… não há como errar. Os jogos desenvolvem o raciocínio e a sociabilização das crianças. Divertem e refinam a habilidade de comunicação. A Alemanha é novamente um bom exemplo neste caso: lá, jogar em casa é um hábito. Pais e filhos se divertem juntos, conversando e estimulando o pensamento, ao invés de ficarem assistindo TV passivamente.
AA: Você é um dos organizadores do evento “FESTA DO PEÃO DE TABULEIRO”. Conte-nos tudo sobre o evento! Qualquer um pode participar?
RC:A Festa do Peão de Tabuleiro (FPT) é uma reunião de curtidores de jogos de tabuleiro, tanto colecionadores fanáticos, como gente simplesmente nostálgica, e mesmo pessoas que antes não se interessavam mas têm curiosidade de conhecer as novidades importadas. Nós reunimos quase 80 pessoas a cada nova festa, e mais ou menos a mesma quantidade de jogos de tabuleiro (emprestados pelos donos). Não temos apoio formal de nenhuma empresa; fazemos tudo na base do voluntariado. Originalmente, a FPT ocorria trimestralmente em São Paulo, mas estamos crescendo! Em agosto ocorrerá a primeira edição carioca, e o pessoal de Fortaleza e Belo Horizonte está se mexendo também…
Para participar, é preciso antes de mais nada conhecer o site oficial: www.festadopeao.tk. Lá você se informa e pode entrar em contato conosco, para fazer sua inscrição.
AA: Além do evento, há outras formas de contato entre os fãs e entusiastas?
RC: E-mail é o principal meio de contato do pessoal. Temos uma lista de discussão por e-mail, chamada Tabuleiro, dedicada ao assunto. Qualquer entusiasta de jogos de tabuleiro, com ou sem experiência, pode se inscrever e participar dos nossos papos. Através da lista é que lançamos os convites para as Festas do Peão. O endereço para se inscrever é http://groups.yahoo.com/group/tabuleiro/. Adoramos conhecer gente interessada em jogos de tabuleiro!
AA: Para finalizar, gostaríamos que convencesse aquele leitor que possui um jogo de tabuleiro a retirá-lo do armário e a jogá-lo novamente.
RC: Abrir um jogo de tabuleiro diante dos amigos é envolver a todos numa diversão incomum hoje em dia… só o gostinho da “novidade” já valerá a experiência, tenham certeza! É muito difícil achar quem não goste de jogar, mesmo que a pessoa a princípio não pareça. Esqueça os preconceitos! A farra na companhia dos amigos compensa de longe o (pequeno) esforço. E tudo pode acontecer na mesa de jantar da sua própria casa! Amigos, risadas, e pouco gasto de dinheiro… o que pode haver de ruim nessa receita? Se a experiência for boa, visite o nosso site e descubra um mundo bem mais amplo do que imagina…
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