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Se eu fosse um destes engravatados e endinheirados produtores de Hollywood, faria questão de usar todo meu prestígio e os meus contatos para levar um certo Mark Steven Johnson (diretor de Demolidor) a um jantar de negócios ao lado de Sam Raimi (diretor de Homem-Aranha) e Bryan Singer (diretor de X-Men 2). Afinal, quem sabe neste encontro o inexperiente Johnson possa aprender como se faz de verdade um bom filme com personagens de quadrinhos (para quem não se lembra, ele também acaba de ser escalado para dirigir a adaptação cinematográfica do Motoqueiro Fantasma)?
E… sim, a comparação que eu fiz implicitamente é verdadeira: X-Men 2, que estréia em território nacional neste feriadão, é uma aventura tão deliciosa quanto foi Homem-Aranha. Especialmente porque Singer soube, exatamente como Raimi, adaptar as características destes personagens para as telonas de tal forma que temos um filme emocionante para os não-iniciados… e simplesmente espetacular para as hordas de fãs de quadrinhos, que vão encontrar, espalhadas pelo filme, aquelas referências propositais que se tornam uma verdadeira cereja no refinado bolo que é esta segunda aventura dos famosos mutantes da Marvel Comics na telona.
O timing e a maneira como a história flui dão a entender claramente que o diretor fez muito bem a sua lição de casa e deve ter ficado horas afundado em gibis e mais gibis dos X-Men. A película parece, sem exageros, um enorme gibi filmado. A eficácia de Singer ao transferir o conceito da equipe de heróis que luta bravamente contra o preconceito faz desta sequência um filme muitíssimo melhor do que o primeiro – mais sombrio, emocionante e muito melhor resolvido. E não se trata de uma ação descerebrada, mas sim de uma história que equilibra efeitos especiais e as questões sociais e políticas que permeiam as tramas dos homens x desde 1963, quando eles foram criados por Stan Lee.
As atuações estão satisfatórias – com grande destaque para Ian McKellen (que tornou o vilão Magneto ainda mais inescrupuloso e letal quando o assunto é a sua causa mutante) e Alan Cumming, que deu vida de maneira soberba ao mutante preferido dos fãs de quadrinhos: Noturno (Nightcrawler). Quando teve que acrescentar um novo personagem à equipe original do primeiro filme, o diretor tomou uma decisão acertadíssima. Ao invés de apostar em medalhões como Gambit ou Fera, que muitos já conheciam graças ao desenho da TV, ele preferiu trazer à tona um dos x-man mais queridos pelos nerds de plantão. E deu mais do que certo! O Noturno de Cumming é divertido, simpático, carismático, apaixonante, passional. E carrega, na medida certa, a mesma dose de fé que este pequeno demônio azulado adquiriu com o passar dos anos, tornando-o um verdadeiro paradoxo ambulante.
Além de Cumming, estão de volta quase todos os atores do elenco original. As grandes faltas são mesmo os vilões Tyler Mane (Dentes de Sabre) e Ray Park (Groxo), que acabaram ‘limados’ deste novo roteiro. Outra novidade no elenco é a presença de Aaron Stanford, ótimo ator que entra na pele do personagem Pyro. Trata-se de um jovem impetuoso, aluno da escola de Xavier que pode controlar o fogo (mas não criá-lo, motivo pelo qual ele carrega sempre à mão um providencial isqueiro). Estilão bad boy, muito mais próximo da doutrina de Magneto do que do sonho de Xavier, ele forma o núcleo jovem ao lado da bela – e complicada – Vampira (Anna Paquin) e de seu namoradinho Bobby Drake, o Homem de Gelo (Shawn Ashmore), que ganha uma importância muito maior na sequência.
:: A HISTÓRIA
A idéia original da história, que traria os gigantescos robôs-caçadores de mutantes conhecidos como Sentinelas e o vírus mutante de nome Legado, acabou mudando para uma versão da graphic novel Conflito de uma Raça (God Loves, Man Kills), já publicada no Brasil pela Editora Abril. O vilão da história é o Reverendo William Stryker, militar que se tornou um televangelista e liderou uma crusada anti-mutante que o fez bater de frente com os X-Men. Usando o conceito básico desta história, Singer toma suas liberdades e abusa (graças a Deus!) da estética original dos quadrinhos de Lee e, principalmente, daquela que é considerada a fase de ouro dos personagens, quando os roteiros estavam a cargo de Chris Claremont (na época, ainda em boa forma).
Depois de uma tentativa de assassinato por parte de um mutante demoníaco (o Noturno, obviamente), o presidente dos Estados Unidos fica muito assustado e aberto às propostas de Stryker (vivido por Brian Cox, o pai da garotinha em O Chamado), um líder militar e inimigo confesso do homo superior. Por mais que o Senador Kelly (que morreu no primeiro filme, mas continua sendo personificado pela transforma Mística) tente se opor, Stryker consegue uma sanção presidencial para invadir a escola para jovens superdotados do Professor Charles Xavier (Patrick Stewart) sob o pretexto de que lá funciona, oculta, uma perigosa equipe terrorista mutante. Na verdade, o militar esconde um outro motivo, muito mais pessoal, para deflagar esta verdadeira guerra aos homens X de Xavier… Mas isso eu não vou contar para não estragar a surpresa.
A ação de Stryker acaba criando uma estranha aliança, colocando lado a lado os pupilos de Xavier e o perigoso Magneto. Para complicar as coisas ainda mais, parece que o sujeito também esteve envolvido no projeto Arma X, parte do passado sombrio de Wolverine (novamente vivido pelo galã Hugh Jackman). Nem preciso dizer que é motivo mais do que suficiente para que o baixinho canadense queira tirar satisfações com Stryker… Em seu caminho, no entanto, ele vai ter que encarar Yuriko Oyama, a Lady Letal (interpretada pela bela Kelly Hu, de Escorpião Rei), uma mulher que tem as suas próprias garras bem afiadas para enfrentar as de Logan. Detalhe: na sequência da invasão da mansão, Logan faz uso de suas garras de adamantium da maneira sanguinária que os fãs aguardavam desde o primeiro filme. Mas, embora ele esteja relativamente bem no papel (sem grande destaque, mas eficiente), nada justifica a camisa a la Tony Ramos que ele usa no fim da aventura. Imperdoável! 🙂
:: AS FALHAS
Além da camisa de Wolverine, outras duas mancadas tiram a medalha de 100% perfeito de X-Men 2: Ciclope e Tempestade. Sim, os dois personagens continuam sem graça, sem o mesmo carisma e força de suas contrapartes nas HQs. Enquanto ocupa o posto de líder da equipe nos gibis, um homem honrado e militarizado de personalidade forte, o Scott Summers do filme é bobo, um mauricinho que funciona meramente como coadjuvante, incapaz de encarar de frente o sujeito (no caso, Wolverine) que está cantando descaradamente a sua namorada (no caso, a bela Jean Grey). Por falar em Jean Grey: o ator James Marsden é jovem e ‘mirrado’ demais para o papel, e simplesmente não combina com todo o conceito por trás de um dos primeiros alunos e adeptos do sonho do Professor X… além de não combinar em absolutamente nada com Famke Jansen, a atriz que interpreta a Srta.Grey. O casal não tem nenhuma química na tela!
As mesmas críticas se aplicam a Tempestade de Halle Berry. A atriz interpreta bem, é realmente muito bonita e sensual… mas não tem metade do porte de deusa que a Ororo Munroe dos gibis carrega consigo. Ororo é uma mulher que, ao entrar num restaurante lotado, faz todo mundo calar a boca e prestar atenção única e exclusivamente nela. E ponto final. A Tempestade do filme simplesmente anda pela trama, sem muita relevância. E algumas vezes têem-se a nítida impressão de que ela ganhou destaque nesta ou naquela cena simplesmente para justificar a presença de uma ganhadora do Oscar em cena…
:: AS REFERÊNCIAS
Estas são as mais importantes e divertidas. No entanto, deixe a sua lupa aberta para, depois de assistir ao filme, encher o nosso fórum com as suas impressões. Vamos lá:
– Na cena da invasão da escola de Xavier, ficam claras as aparições de Siryn (a filha de Banshee, que grita até seus ouvidos estourarem) e Kitty Pryde (Lince Negra, a simpática mutante que consegue atravessar as paredes). Além, é claro, de um sujeito de cabelo estilo militar, fortão, que transforma seu corpo em metal e quebra tudo. Te lembra o Colossus?;
– Quando Mística invade o escritório de Stryker e começa a fuçar seus arquivos em busca dos registros sobre Erik Lensherr (verdadeiro nome de Magneto), ela passa por alguns nomes beeeeeeeeeeem familiares como Jamie Madrox (o Homem-Múltiplo do extinto X-Factor);
– Na cena do bar, enquanto Mística se prepara para seduzir um dos seguranças da prisão de Magneto, na televisão é possível ver uma entrevista com o especialista em questões mutantes, o Dr.Hank McCoy (verdadeiro nome do Fera, antes de tornar-se a criatura azul e peluda que conhecemos);
– Na sequência final do filme, um dos alunos que Tempestade e Noturno vão resgatar chama-se… Jubileu. Precisa dizer mais?
– Quando Wolverine começa a ter lembranças de seu passado, surge uma cena do cara correndo pelado que é, indiscutivelmente, a mesmíssima de Arma X, especial do mestre Barry Windsor-Smith
:: A SURPRESA FINAL
Sim, ela existe. Embora seja um mero detalhe (que eu NÃO vou revelar qual é, leia-se bem) que não é nada demais para um espectador comum, é uma coisa que o fã de quadrinhos vai perceber logo na primeira sequência em que tal fato é citado. No final do filme, no entanto, a surpresa ganha proporções descaradas, causando verdadeiros orgasmos aos gibiotas de plantão. O verdadeiro fanático por gibis vai ter certeza absoluta, ao fim do filme: VAMOS TER X-MEN 3. Sem qualquer sombra de dúvida. Por mais que Ralph Winter, produtor da película, não tivesse confirmado a realização da terceira parte da saga dos incompreendidos heróis mutantes, ainda assim nós teríamos certeza disso. Assistam e depois a gente conversa…
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