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Desde que começaram a circular, pela internet, as primeiras fotos e vídeos da versão cinematográfica do herói dos quadrinhos Demolidor, os fanáticos por gibis (nos quais eu me incluo) ficaram muito assustados… Pudera: o visual estava um tanto quanto festivo e colorido para um personagem tão sombrio quanto o Homem Sem Medo (conhecido e festejado especialmente pela excelente fase do autor Frank Miller). Nosso querido R.Pichuebas disse, inclusive, que o trailer lembrava muito aqueles previews de novas séries da TNT… Cheio de receio de que estivesse prestes a assistir uma nova versão do Batman & Robin de Joel Schumacher, fui assistir à película. E não é que tive uma grata surpresa?
Olha… não é um PUTA filme. Mas é um filme, digamos, relativamente bom. Mediano. Eu daria, talvez, uma nota 6,5… com alguma boa vontade até um 7,0. Uma ótima diversão para uma matinê de domingo. Mas fica só nisso – e é bom que vocês tenham essa graduação em mente quando resolverem comparar o filme ao espetacular Homem-Aranha. Tudo bem que trata-se de uma comparação inevitável, mas é uma comparação pra lá de injusta. A aventura estrelada por Ben Affleck não tem o mesmo brilho e carisma que o filme do Cabeça-de-Teia. Seria, mantendo a comparação com outros filmes baseados em gibis da Marvel Comics, uma espécie de Blade melhorado.
Ao contrário do ‘Homem-Aranha’, este ‘Demolidor’ vai atrair muito mais o fã de quadrinhos, que com certeza vai vibrar com as deliciosas referências espalhadas pela trama, do que o público comum, que vai acabar não captando estas pequenas cerejas na cobertura do bolo. E aí é que está o grande erro do diretor Mark Steven Johnson: embora tenha deixado pequenas pistas para os fanáticos por HQs quando tinha a chance, Sam Raimi conseguiu fazer de ‘Homem-Aranha’ uma deliciosa diversão para qualquer um, seja ele um nerd típico ou um mauricinho convicto. Tudo bem, as diferenças entre os dois heróis acabam transformando o Demolidor em um personagem mais distante do grande público – afinal, ele não é um garoto comum e carismático que acaba ganhando super-poderes e com o qual podemos nos identificar imediatamente, mas sim um jovem cego e cheio de rancor que, algumas vezes, age com tanta violência quanto os bandidos que combate nos subúrbios mais sujos de Nova York. A primeira meia-hora do filme faz você entender porque diabos ele repete para si mesmo, o tempo inteiro: “Eu não sou o bandido”.
Para aqueles que não sabem do que se trata o filme, ‘Demolidor – O Homem Sem Medo’ conta a história de Matt Murdock, filho do famoso boxeador Jack “Demolidor” Murdock. Depois de um acidente em sua infância, Matt acaba ficando cego mas tem seus outros quatro sentidos ampliados num nível super-humano. Sua audição, inclusive, se desenvolve de tal maneira que acaba fazendo surgir uma espécie de radar que, de alguma forma, acaba substituindo a sua visão perdida. A vida do garoto muda completamente quando seu pai é assassinado depois de recusar-se a entregar uma luta. É então que ele promete dedicar a sua vida a ajudar os mais necessitados. Formado em Direito, durante o dia ele é um respeitado advogado criminal. Mas é à noite que ele assume a fantasia vermelha, baseada na vestimenta de seu pai, e se torna o Demolidor, herói que, ao invés de advogado, é júri, juiz e executor numa única pessoa. Nas sombras, ele combate o crescimento de um tal Rei do Crime – figura misteriosa que controlaria todas as atividades do submundo nova-iorquino. E é justamente no momento mais crítico desta batalha silenciosa que surge no caminho de Murdock uam mulher cativante chamada… Elektra.
Por incrível que pareça, num filme estrelado por nomes como Ben Affleck e Jennifer Garner (a bela Sydney Bristow da série ‘Alias’), quem rouba a cena são dois coadjuvantes por quem não se daria muito inicialmente. Um deles é Jon Favreau, que interpreta Foggy Nelson, o atrapalhado e bonachão sócio de Murdock em sua firma de advocacia. A dinâmica entre Favreau e Affleck em cena é simplesmente perfeita – a dupla chega a funcionar melhor do que Murdock e Elektra, por mais estranho que isso possa parecer. Os diálogos entre os dois são naturais, ágeis e muito divertidos, criando algumas das melhores sequências do filme. O outro ator que se destaca é o irlandês Colin Farrell (de Minority Report), atual senhor Britney Spears. Na pele do canastríssimo vilão Mercenário, ele diverte com seu cinismo e sua falta de escrúpulos. Seu olhar, seu jeito de falar, tudo funciona e faz parte perfeitamente do conceito de um antagonista cuja única preocupação é o dinheiro – mas que sempre acaba sendo tentado por um bom desafio…
PISADA NA BOLA…
Creio que o grande problema do filme atenda pelo nome de Elektra. Muitos críticos disseram que a trama não dá o tempo necessário para que ela e Murdock se apaixonem, gerando uma impressão de algo correu mais rápido do que deveria. Não concordo. Tudo funciona como uma espécie de paixão à primeira vista (com perdão do trocadilho) intensa e impensada, que pega ambos de surpresa. Até aí, nada de anormal. O que não funciona na Elektra é justamente o conceito da personagem, que acabou mal-traduzido para as telas. Jennifer Garner é linda, expressiva, interpreta relativamente bem… mas sua Elektra não é a anti-heroína cheia de força e personalidade dos gibis. E não estou falando da semelhança física, o que também é um ponto importante. Nos quadrinhos, quando a ninja entra de vez na vida de nosso herói, ela já chega como uma mulher sexualizada, independente, que traz consigo uma história consolidada de sofrimento e privação – e que não está necessariamente ligada a do Demolidor. A Elektra do filme, no entanto, é fragilizada e sua trama ficou intimamente conectada a de seu grande amor, o que faz a personagem perder a sua força.
A grande dica para o fraco diretor Johnson, caso haja uma sequência (e, cá entre nós, o final deixa uma enorme oportunidade para que ela aconteça no futuro) é ler ainda mais as obras de Frank Miller. Porque as referências ao trabalho dele estão lá, permeando todo o filme… mas parece que o diretor não permitiu que a essência dos roteiros de Miller penetrasse de vez em sua película. Caso o tivesse feito, Johnson faria um filme apenas e tão somente com o Demolidor e o Rei do Crime, podendo usar o Mercenário ocasionalmente. Sinceramente? A presença da Elektra é um colírio para os olhos dos marmanjos, mas totalmente dispensável para fazer um bom filme com o Homem-Sem-Medo. E a sequência final, no prédio do Rei, é tremendamente dispensável, cá entre nós… incluindo uma certa revelação bombástica. Puta clichê.
AH, SIM: E PARA OS FÃS…
Fique ligado nas pérolas:
– O estuprador libertado na primeira metade do filme chama-se (vejam só)… José Quesada, numa brincadeira com o nome do editor-chefe da Marvel;
– Quando lista os nomes dos lutadores que Jack Murdock já derrotou, olha só os nomes que o empresário dele diz: Miller, Mack, Bendis – em referência clara a Frank Miller, David Mack e Brian Michael Bendis, artistas que já trabalharam no título do Homem-Sem-Medo;
– O último lutador que Jack Murdock enfrenta antes de ser assassinado chama-se John Romita, nome do veterano desenhista que também já colocou suas mãos no Demolidor;
– O patologista que Ben Urich (Joe Pantoliano) suborna no necrotério chama-se Jack Kirby, outra homenagem a um mestre dos quadrinhos. O ator que o interpreta é o nerdmaster Kevin Smith – que também já foi roteirista do Demolidor;
– Obviamente inspirado pelo Batman que Alex Ross retrata em ‘Guerra ao Crime’ (especial escrito por Paul Dini), as costas de Matt Murdock são cheias de cicatrizes devido aos anos de combate nas ruas;
– E o fodão Frank Miller também dá as caras no filme. Vamos ver se você descobre onde…
PS: A sub-trama no qual o personagem interpretado pelo rapper Coolio seria defendido por Murdock foi inteiramente limada do filme, justamente para tentar diminuir a violência da trama – e, consequentemente, a sua censura, já que a idéia seria atrair a mesma molecada que tanto curtiu as aventuras do Homem-Aranha. As cenas completas de pura pancadaria estão prometidas para o DVD.
PS2: Puta trilha-sonora pentelha da porra! Só tem aquelas malditas bandas moderninhas, todas iguais, que misturam hip-hop e metal e que abundam nas rádios americanas… e o pior é que a gente tem que engolir aos montes na MTV. Quer o pior? The Calling. Putz, não preciso dizer mais nada… Salva-se a música do Evanescence pela voz potente da vocalista Amy Lee.
Daredevil. EUA/2002. Dir. Mark Steven Johnson. Com Ben Affleck, Jennifer Garner, Michael Clark Duncan, Colin Farrell, Jon Favreau, Joe Pantoliano, David Keith, Scott Terra, Kevin Smith
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